Concílio Vaticano II e a sinodalidade

Pe. Ari Antonio dos Reis

 

Qual a relação do Concílio Ecumênico Vaticano II com a sinodalidade e quais os avanços para a ação evangelizadora da Igreja?  Esta é a reflexão proposta nesse texto. Compreendemos que o Concílio, encerrado em dezembro de 1965, aconteceu em uma perspectiva sinodal caracterizada pela ampla participação dos padres conciliares, representando as diferentes regiões do mundo, nas decisões sobre os rumos da Igreja. O concílio, mesmo que implicitamente, retoma a tradição conciliar de longa data na longa data na Igreja. Um Concílio é proposto como encontro de representantes eclesiais para tratar assuntos que dizem respeito ao compromisso evangelizador, dialogando com os desafios das diferentes épocas.

O Concílio Vaticano II respondeu a essa premissa. Entre outros, dois objetivos ficaram explícitos: 1- Apresentar às pessoas do nosso tempo, a verdade de Deus, íntegra e pura, de tal forma que elas possam compreendê-la e abraçá-la espontaneamente. 2- Encontrar uma expressão adequada a fim de tornar a mensagem compreensível à humanidade, porque para responder aos objetivos propostos fazia-se necessário a interlocução com as representações das diferentes regiões do mundo

Buscava-se uma caminhada de Igreja em diálogo com o mundo, atenta aos sinais dos tempos, com seus desafios, oportunidades e problemas, em vista do anúncio do Evangelho de Jesus Cristo. Tamanha responsabilidade não poderia ficar centralizada em um pequeno grupo. Por isso, um amplo processo de participação com a possibilidade de se apresentar as preocupações e as boas iniciativas em curso na Igreja presentes no mundo. Delineava-se a marca do Concílio, a sinodalidade, expressa na oportunidade de participação no processo reflexivo e tomada de decisões em conjunto em vista do agir eclesial.

A convocação para Concílio Vaticano II feita pelo Papa João XXIII abria a possibilidade para o diálogo aberto e honesto em vista dos rumos da Igreja na missão e servir a humanidade como compromisso de fidelidade a Jesus Cristo. O primeiro passo, a fase preparatória, foi a consulta ampla assim descrita: a comissão foi encarregada de consultar o episcopado católico em todas as nações do mundo, recolhendo seus conselhos e sugestões para o Concílio. Deveria fazer o mesmo com os dicastérios da Cúria romana, com as Faculdades de Teologia e Direito Canônico, com as Universidades Católicas e com os Superiores Maiores das Ordens e Congregações Religiosas. Deveria, enfim, sugerir a composição dos diversos organismos do Concílio: comissões, secretariados etc. que iriam assumir a preparação do evento conciliar (Beozzo, Revista Vida Pastoral, p, 3, n.243). Assim cumpria-se o desejo do Papa de envolver todos os segmentos da Igreja a partir de uma pergunta básica: que problemas o futuro Concílio deveria tratar? As respostas chegaram e forneceram rico material para os esquemas preparatórios ao Concílio.

Outro momento importante foi o Concílio como evento localizado entre os anos de 1962 e 1965. As várias sessões possibilitaram aprofundar os temas considerados importantes a partir dos esquemas previamente elaborados e aprovação dos documentos construídos com a participação dos padres conciliares.

Encerrado o Concílio surgiu a preocupação com sua acolhida, a sua recepção pelos membros da Igreja, o povo de Deus, como define a Constituição Lumem Gentium (LG 9). Foi necessário um longo tempo para que se compreendesse o alcance do Concílio, desde a inspiração do Papa João XIII até a conclusão dos trabalhos em dezembro de 1965. A Igreja vive ainda orientada por este rico processo de participação em vista do agir evangelizador.  O concílio deixou uma rica herança eclesial e cabe fazer dar outros frutos.

O compromisso com a sinodalidade como metodologia de ação, já expresso durante o Concílio, é parte dessa herança. O Concílio Vaticano II não é um projeto a ser executado pelo Papa, os padres conciliares, os bispos e seus sucessores. É o projeto de toda a Igreja, de todo o corpo dos batizados, chamados a serem membros do povo de Deus, sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-16) exercendo o sacerdócio comum de todos os batizados.

A iniciativa sinodal viabilizaria esse compromisso comum dos batizados, dispostos a caminharem juntos em vista do anúncio do evangelho.  O Papa Paulo VI dimensionou esta responsabilidade ao definir: uma instituição eclesiástica, para favorecer a união e a colaboração dos Bispos de todo o mundo com essa Sé Apostólica, através de um estudo comum das condições da Igreja e a solução concorde das questões relativas à sua missão” (Paulo VI).

Desde então a Igreja reúne de tempos em tempos representantes para tratar assuntos considerados importantes. Os últimos foram sobre a família, juventude e Amazônia. O processo sinodal do qual temos a graça de participar não versa sobre um tema específico, mas sim sobre a própria sinodalidade da Igreja, a sua forma de agir no mundo.  A prática da sinodalidade, comum nos primeiros séculos do cristianismo, foi assumida no Concílio Vaticano II e agora ganha uma maior amplitude. As expressões colocadas na logomarca, “por uma Igreja sinodal: comunhão participação e missão”, têm grande alcance e revelam um propósito para a igreja segundo a intenção do Papa Francisco.

A Igreja tem um papel importante no mundo. Exercerá com êxito este papel na medida em que fizer sensível aquilo que pulsa no coração da humanidade.  E, a partir dessa escuta, assumir com espírito de mãe as responsabilidades que lhe cabem.

O concílio Vaticano II compreendeu esta necessidade e a metodologia sinodal tende a aprofundá-la como compromisso eclesial como explicita o Papa Francisco: o caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio.