Agar invocou o nome de Javé, que lhe havia falado, e disse:
“Tu és o Deus-que-me-vê, pois eu vi Aquele-que-me-vê”
(Gn, 16, 13)
Nos dias 21 a 24 de outubro, ocorreu na Faculdade Palotina de Santa Maria, o Congresso Estadual de Teologia, no qual participaram alunos e alunas, professores e professora da Faculdade de Teologia – Itepa Faculdades de Passo Fundo. Com o objetivo de retomar os Congressos que por certo período, deixaram de acontecer, teve por lema: “Sociedade, Revelação, Igreja, Liturgia: interpretar profeticamente o presente e vislumbrar novos itinerários para o futuro”. E, por destaque as quatro Constituições Dogmáticas do Concílio Vaticano II (1965).
A par da riqueza dos diversos temas abordados, pretendo na esteira da citação bíblica acima, que se refere a Agar que “viu” e foi “vista” por Iahweh, lançar um olhar sobre a presença feminina neste riquíssimo encontro do fazer teológico nas diversas instituições de ensino de teologia. Nesta breve reflexão, quero fazer ressoar o empoderamento em relação às mulheres pelos assessores do congresso.
Desejo iniciar com a fala do professor Vitor Galdino Feller ao versar sobre a Dei Verbum, que disse: “Deus não nos quer revelar coisas e sim o seu amor e o seu Reino. E, que somente podemos acolher esta revelação, pela Fé. Sendo que a revelação deve ser entendida como alguém que vem em nosso encontro, em perfeita alteridade. E, que em síntese, revelação é Cristo como “Modus Vivendi”. E, que a tradição é mãe, filha e irmã da Escritura!”.
Ressalto ainda, a contribuição da assessora Maria Cristina Padilha, que expressou que para construir uma sociedade nova, a partir do plano original de Deus, é preciso ao mesmo tempo construir a “mulher nova” e o “homem novo”. Para isso ser possível, é preciso desconstruir as imagens com as quais se fixaram modos equivocados de ser mulher e do homem através de milênios, ou seja, desconstruir os estereótipos e paradigmas vigentes.
Na esteira das falas acima mencionadas, e tendo por norte a presença feminina na Igreja em suas diversas nuances, constata-se que se faz necessário assumir esta postura de desconstrução de estereótipos historicamente construídos e a construção de novas formas de abordagem. E, para tal fim, é preciso operar uma teologia que faça hermenêutica bíblica num processo que vá envolvendo mais pessoas, numa perspectiva metodológica que considere que Deus está no meio de nós e que somos mulheres e homens criados à imagem e semelhança de Deus. Tal compreensão irá contribuir na mudança das relações e da própria história.
Ao abordar o feminino dentro da Igreja, trata-se de fazer uma teologia concreta, que brota do chão da realidade, no seguimento de Jesus Cristo, na solidariedade com os excluídos e marginalizados, seja pela corporeidade, seja pelas relações de poder. Esse fazer teológico é um convite a recolher as sementes do passado, cultivá-las no presente, com um olhar aberto para o futuro, para que o “novo” possa irromper na história.
Neste sentido, ficou claro que a teologia sob a ótica feminina abre espaço para relações de mútua receptividade entre mulheres, homens, etnias, classes, em comunhão com todo o cosmo, como força inovadora nas relações de gênero, que só pode provir do Espírito da Sabedoria (Sb 7,27).
No diálogo podemos “aviventar” o verdadeiro Amor divino enquanto filhos e filhas, irmãos e irmãs, que se amam e se respeitam; que buscam a vida e a liberdade; que optam pelos pobres e oprimidos, discriminados, marginalizados… Pois que és precioso aos meus olhos, és honrado e eu te amo…todos os que te chamam pelo meu nome, os que criei para minha glória, os que formei e fiz (Is 43,1-7).
Esta profunda declaração divina de amor e de paternidade/maternidade assumida pela humanidade, ganhou força nas reflexões de assessores, professores, alunos e alunas, teólogos e teólogas, nos diversos momentos do Congresso, ancoradas nos textos das Constituições do Concílio Vaticano II. Ganhou força a compreensão de que tudo que for elemento de vida, de segurança, de esperança para os que estão às margens, Ele reúne, soma, engloba, pois é Protetor, Consolador para toda gente sofrida.
Em suma, reforçou-se uma teologia que pense e pratique relações humanas menos hierárquicas dentro de nossas comunidades e que se busque estabelecer relações de sinodalidade, igualdade, de comunhão, de confiança, de respeito mútuo, de reconhecimento e de celebração de todos os dons e talentos de seus membros , como nos afirma Paulo na I Coríntios 12.4-6: Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo; diversos modos de ação, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos.
Para finalizar esta breve memória dos debates realizados, é oportuno retomar as palavras de Dom Leomar Brustolin, em sua homilia na missa de encerramento do Congresso, ao referir a fala do Papa Francisco sobre o Concílio: “Seja a igreja habitada pela alegria. Se não se alegra, desdiz-se a si mesma, porque esquece o amor que a criou. (…) Uma igreja enamorada por Jesus não tem tempo para confrontos, venenos, polêmicas. (…) Quantas vezes se preferiu ser “adeptos do próprio grupo” em vez de servos de todos, ser progressistas e conservadores em vez de irmãos e irmãs, “de direita” ou “ de esquerda” mais do que ser de Jesus; arvorar-se em guardiões da verdade” ou em “ solistas da novidade” em vez de reconhecer como filhos humildes e agradecidos da santa Mãe Igreja. (…) Nisto, nos ajude Maria, Mãe da Igreja”.
Unir ternura e resistência, mística e práxis, continua sendo ainda hoje uma das maiores urgências, para o nosso momento histórico de Igreja, de caminhada da teologia sob a ótica feminina. Poder-se-ia dizer que é condição imprescindível para garantir sua identidade profética e sua própria razão de ser. Coloca-nos a todos, homens e mulheres, em busca de uma espiritualidade integrada, libertadora, profética, encarnada e “encarnadora” de Deus na história humana.
Mari Teresinha Maule
Advogada, acadêmica da Itepa faculdade, mestranda em Direito Canônico e Juíza auditora e adjunta do Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de Passo Fundo