O tempo passa depressa! Esta é a sensação que temos, envoltos nas atividades e compromissos diários. A sociedade contemporânea mostra sinais de cansaço, angústia e falta de tempo. Diante deste cenário, o Papa Francisco durante o seu pontificado, vem demonstrando a necessidade de profundidade na reflexão para a formação da pessoa humana. De maneira especial, referindo-se àqueles que buscam o sacerdócio na Igreja Católica. Entrementes, todos estamos e vivemos no mesmo mundo, por isso, a atual reflexão serve a todos. Francisco vem de uma congregação religiosa, foi formado neste ambiente religioso-jesuítico onde a importância da boa preparação intelectual, humana e cultural, sempre foi visto com olhar cuidadoso e disciplinado.
Em julho de 2024, Francisco chamou a atenção dos estudantes religiosos ao escrever em forma de carta, uma reflexão acerca da importância da literatura na educação. Neste texto encontramos vários apontamentos para a nossa vida, e é sobre ele que embasaremos esta reflexão[1]. Tal carta, expressa inicialmente, “Refiro-me ao valor da leitura de romances e poemas no caminho do amadurecimento pessoal” (Francisco, 2024, nº, 01). Esta indicativa demonstra a grandeza das obras literárias.
Diante de um mundo imerso no tempo acelerado regado de várias atividades diárias, é difícil quem consegue um tempo para debruçar-se sobre a leitura. Esta não é algo ultrapassado. É verdade que os novos meios de comunicação através dos dispositivos digitais mudaram a forma de se relacionar com o tempo. Entretanto, um bom livro ainda serve como remédio para a alma. “Na verdade, não faltam momentos de cansaço, irritação, desilusão, fracasso e, quando nem sequer na oração conseguimos encontrar o sossego da alma, pelo menos um bom livro ajuda-nos a enfrentar a tempestade” (Francisco, 2024, n. 02).
O livro permite a demora sobre a leitura, o exercício da leitura faz com que o processo da paciência seja trabalhado, pois no decorrer das linhas e páginas, vagarosamente vamos compreendendo a história ou o que se passa. “Uma obra literária é, portanto, um texto vivo e sempre fértil, capaz de falar de novo e de muitas maneiras, capaz de produzir uma síntese original com cada leitor que encontra” (Francisco, 2024, nº, 03).
A busca acelerada da eficiência e dos resultados instantâneos estão barbarizando[2] o ser humano. O esquecimento da literatura, o afrouxamento nos estudos, da leitura, mostra um caminho de pouca memória, do empobrecimento da capacidade de fundamentação daquilo que falamos. Sem dúvidas, isso tem aberto caminho às chamadas fakenews, que tanto têm feito mal à sociedade. É imprescindível resgatar o valor da literatura, das obras clássicas, dos romances e poemas. A leitura nos faz imaginar, habitar outros mundos, deslumbrar novos horizontes, aguçando-nos a curiosidade.
Os livros como companheiros de viagem ajudam-nos a dar sentido à existência. A vida para ser bem vivida necessita da boa literatura. “No fundo, ao chorar o destino das personagens, estamos a chorar por nós mesmos: o nosso vazio, as nossas falhas, a nossa solidão” (Francisco, 2024, nº, 07). A literatura nos toca, mexe com nossos sentimentos e emoções.
A leitura nos fala ao coração, aquece nossa interioridade, onde reside o núcleo do ser humano. As riquezas dos acontecimentos históricos literários redirecionam o nosso presente. A importância de entrarmos em contato com personagens, movimentações históricas e decisões humanas, oferecem-nos toda a abertura para pensarmos nossa própria vida, livrando-nos do individualismo e até mesmo da solidão.
As obras clássicas representam uma enormidade de cultura que a literatura nos oferece através da leitura. Papa Francisco faz menção a Basílio de Cesareia, do século IV, que nos seus discursos sempre orientava a juventude a ter contato com as leituras clássicas. A esse respeito comenta Francisco: “E concluía exortando os jovens cristãos a considerarem os clássicos como um ephódion (‘viático’) para a sua instrução e formação, obtendo deles ‘proveito para a alma’” (Francisco, 2024, nº, 11). Uma obra clássica é aquela que perpassa os limites da história, sempre possui uma reflexão atual, detém o poder de nos iluminar, apesar da distância temporal.
A literatura nos liga profundamente à cultura de nosso tempo. É intensa, tem o poder de mexer com os abismos humanos e a partir daí, propicia um diálogo sereno e vivo com a cultura. A verdadeira aproximação com nós mesmos se dá na leitura. Além disso, a leitura, é um remédio à alma estressada e angustiada: “[…] estimula também a imaginação e a criatividade; simultaneamente, permite que as pessoas aprendam a exprimir as suas narrativas de uma forma mais rica; melhora também a capacidade de concentração” (Francisco, 2024, nº, 16).
As obras literárias preparam o ser humano para a vida. A ideia central de Francisco é “[…] redespertar o amor pela leitura” (Francisco, 2024, nº, 19). Mergulhar nos textos clássicos, na imaginação e contemplação que as grandes obras nos oferecem. Isso possibilita movimentar a sensibilidade humana tão fragilizada nos últimos tempos.
O ato de ler é relevante para o equilíbrio humano, é “[…] como um ato de ‘discernimento’, graças ao qual o leitor é implicado na primeira pessoa como ‘sujeito’ da leitura e, ao mesmo tempo, como ‘objeto’ do que lê” (Francisco, 2024, nº, 29). As letras nos leem e nós as lemos. O processo formativo acontece ao mesmo tempo em que se debruçamos sobre uma leitura clássica, pois nos envolvemos por inteiro na experiência da vida.
O capitalismo da informação[3] suga o tempo todo, toda a vida. Diante disso, “[…] é necessário e urgente contrabalancear esta inevitável aceleração e simplificação da nossa vida cotidiana, aprendendo a distanciarmo-nos do imediato, a reduzir a velocidade, a contemplar e a escutar” (Francisco, 2024, nº, 31). O bom humano é disciplinado na escuta.
A busca de novas formas de existência é possível. A paciência da vida e o tempo necessário diante das situações da vida devem voltar a ser relevantes. Nisso, a literatura nos auxilia como uma mestra: “A literatura torna-se, então, um ginásio onde se treina o olhar para procurar e explorar a verdade das pessoas e das situações como mistério” (Francisco, 2024, nº, 32). A literatura nos permite interpretar a vida com paciência e liberdade.
Uma boa leitura nos abre possibilidade de sentir a dor do outro, chorar com quem chora, rir com quem ri, atitudes fundamentais para a vida. “[…] a literatura educa o seu olhar para a lentidão da compreensão, para a humildade da não simplificação, para a mansidão de não pretender controlar a realidade e a condição humana” (Francisco, 2024, nº, 39).
Na literatura o leitor é direcionado para a sua fraqueza humana, onde encontra a sua maior fortaleza, a sua interioridade e isso o joga em uma escuta profunda que gera disponibilidade e solidariedade. Pois, trata-se de “[…] um exercício livre e humilde da sua racionalidade, de um reconhecimento profundo do pluralismo das linguagens, de um alargamento da sua sensibilidade humana” (Francisco, 2024, nº, 41).
Enfim, o tema da literatura na formação humana é um diamante que necessitamos lapidar diariamente. Francisco nos ajudou a perceber a importância de entrarmos em contato, através da leitura, com obras literárias clássicas. Quiçá, este apontamento não seja uma “brecha” que nos dá possibilidade de respirar com calma e encontrarmos novas condições de existência para além do modelo neoliberal de existir.
Elcio A. Cordeiro
Padre e Professor da Itepa Faculdades
Doutorando, bolsista CAPES, em Educação na Universidade de Passo Fundo – UPF, sob a orientação do Profº. Dr. Claudio A. Dalbosco.