Fraternidade e Amizade social

Somos todos irmãos e irmãs (Mt 23,8)

Ao propor o tema da amizade social a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, assinala uma dimensão importante da vida humana e que exige toda atenção. A reflexão proposta se fundamenta na Encíclica Fratelli Tutti, lançada pelo Papa Francisco no ano de 2020. O texto conclama o mundo todo a um processo de responsabilidade coletiva capaz de levar as pessoas à fraternidade e amizade social como resposta aos males que ameaçam a humanidade. É o amor que ultrapassa as diferentes barreiras e interpela a humanidade à comunhão e à solidariedade, lembrando que somos todos irmãos (cf. Mt 23,8).

O ser humano é um ser de relações nas quais conjuga a racionalidade e a afetividade. O teólogo norte-americano James Cone afirma que somos feitos uns para os outros e ninguém pode viver sua plena humanidade a não ser participando para que todos, também, possam viver sua plena humanidade[1].

O texto base da Campanha da Fraternidade apresenta o conceito de amizade em diferentes acepções porque é difícil defini-lo de uma forma única. Os filósofos clássicos apresentam diferentes significados que nos ajudam a uma aproximação. Para Homero a amizade é o vínculo de eleição e afeição recíprocas, fundado na confiança e lealdade. Para Sócrates (470-399 a.C.), a amizade está colocada no âmbito pessoal, um sentimento natural, próprio do ser humano.

Platão afirma que a amizade tem uma dimensão transcendental, que implica na abertura das pessoas que se amam para o belo e o verdadeiro. Ainda afirma que a amizade é a forma fundamental de toda a comunidade humana, não meramente natural, mas espiritual e ética. Aristóteles compreende a amizade como vínculo social por excelência, que mantém a unidade entre os cidadãos da mesma cidade, grupo ou empresa. Ela não é provocada por uma paixão, mas por uma eleição, uma escolha da vontade inteligente. Também afirma que a política tem por objetivo fomentar a amizade virtuosa.

 Santo Tomás de Aquino escreve que todo o homem é naturalmente amigo e familiar de outro homem. Para ele a amizade é uma virtude política necessária para o bem viver da sociedade. Ela pode ser compreendida no âmbito da caridade e é fruto da amizade com Deus que leva à amizade dos seres humanos entre si.

As diferentes leituras da amizade social legam a compreensão de que é um processo de escolha com consequências para o ser humano, assinalando que ele não viverá bem se viver isolado e não viverá dignamente se aviltar o seu semelhante. A amizade é um processo de enriquecimento marcado pela doação ao outro e pela acolhida dos dons e diferenças do outro. Segundo Francisco, amizade social é: amor que ultrapassa as barreiras da geografia e do espaço; uma fraternidade aberta que valoriza todas as pessoas, independentemente de sua proximidade física; é o amor desejoso de abraçar a todos; é comunicar com a vida o amor de Deus; é viver livre de todo o desejo de domínio dos outros; é o amor que se estende para além das fronteiras.

Os relacionamentos humanos são importantes na construção de uma vida digna e feliz. Tais relacionamentos, quando sadios e livres, permitem ver o semelhante como irmão. Realmente somos todos irmãos, temos uma mesma filiação, o criador de tudo que nos colocou no centro da obra criada (Gn 2,15). A expressão somos todos irmãos recorda que possuímos a mesma dignidade. Somos iguais porque possuímos a mesma alma racional e criada à imagem e semelhança de Deus e somos todos um só em Cristo Jesus (cf. Gl 3,26-28).  As diferenças entre os seres humanos não são um problema, são riqueza a ser compartilhada. As situações de divergência ou oposição não podem impedir de cumprir com o mandato de Cristo, viver a profundidade do amor como ele mesmo pede: deveis amar-vos uns aos outros (Jo 13,34). Na irmandade herdada da criação a diferença é vista como fator de crescimento e enriquecimento.

A situação de pecado consiste no rompimento da irmandade, da relação fraterna. No pecado rompemos com o desejo divino da vida fraterna como vemos na história de Abel e Caim. Caim não suportava seu irmão Abel. A resistência ao seu irmão levou ao desejo do seu desparecimento, algo posteriormente concretizado.

 É preciso enfrentar com decisão os diferentes processos que levam a negação do outro e a dificuldade de conviver com as diferenças. O outro e suas diferenças não é ameaça, mas convite à convivência e enriquecimento. A questão se agrava quando aliamos a resistência ao outro à resistência aos pobres, negros e indígenas ou quem tem uma orientação sexual diferente. As redes sociais tem sido um canal fértil de proliferação desta inimizade social.  São atitudes contrárias ao evangelho pois rompem a comunhão com Deus e com os irmãos.

O diagnóstico proposto pela Campanha da Fraternidade, uma sociedade marcada pela aversão ao diferente e ao que diz respeito ao outro, sugere o processo de recuperação do fundamento existencial de que somos uma única família humana e não há espaço para a globalização da indiferença. A amizade social propõe este caminho. As dificuldades não podem tolher a vontade de mudança. Somos homens e mulheres de esperança. Somos chamados à amizade social pela nossa própria natureza.

Apesar das dificuldades existem sinais inequívocos que ajudam a renovar a esperança por fortalecerem o bem querer humano. Destacam-se a permanente disposição à solidariedade expressa pelo povo brasileiro de forma gratuita e voluntária; a sadia e complementar pluralidade existente entre os seres humanos; os movimentos sociais que assumem corajosamente a constante tarefa de criar esperança em situações de medo e desolação; as expressões associativas comunitárias e grupos de entreajuda que revelam o princípio do agir comunitário.

Salientamos também as motivações do Papa Francisco a toda a Igreja com destaque ao Pacto Educativo Global, à Economia de Francisco e Clara ao processo sinodal que tem imprimido a proatividade eclesial; a experiência das comunidades eclesiais que no cotidiano resgatam a vida e testemunham a fraternidade e amizade social.

Somos vocacionados ao relacionamento humano construtivo e sadio. No encontro com o outro nos fortalecemos.

Assumamos com coragem este chamado divino.

Pe. Ari Antonio dos Reis
Professor da Itepa Faculdades

Seminarista Rodrigo Isotton
Acadêmico da Itepa Faculdades

[1] James CONE. Deus dos Oprimidos. p. 26.