A vocação é um dom que capacita a pessoa para responder ao chamado que Deus lhe faz. Geralmente, quando falamos de vocação logo imaginamos o chamado à vida religiosa, ser padre ou irmã que deixa tudo para colocar-se a serviço da Igreja ou da missão daquela Congregação religiosa. No entanto, a palavra vocação leva a um significado bem mais profundo. Vocação tem sua origem da palavra latina “vocare” que significa “ser chamado”. É a inclinação ou habilidade que leva a pessoa a exercer e viver uma determinada “profissão”. É buscar uma forma de vida, uma forma de colocar-se a serviço dos outros e do bem comum a partir das aptidões naturais, dons e talentos que a pessoa tem.
A vocação, portanto, nasce do chamado que Deus faz a todas as pessoas e é uma resposta qualificada da pessoa chamada em ser útil e prestativa aos outros no ambiente, no espaço e no tempo onde vive.
A pessoa humana recebe de Deus quatro chamados: à Vida, ao Batismo, ao Serviço e à Vida eterna. Gostaria de refletir estes quatro chamados usando analogia entre a vida de meus pais e a minha vida. Tudo do que sou devo a eles, pois foram eles que me geraram, me cuidaram, me alimentaram, me educaram, me colocaram limites, me deram segurança, me colocaram no mundo como pessoa humana, como cristão e como cidadão.
a) Vocação à Vida
Nosso nascimento, nosso sim à vida é o primeiro chamado que Deus nos faz. Por meio de meus pais fui gerado, mas quem me chamou à vida foi Deus. Meus pais poderiam ter interrompido à geração da minha vida, mas eles deram continuidade àquele sopro de vida que Deus deu. Eles foram instrumentos para gerar a minha vida. Eles, portanto, responderam ao chamado à vida. Não nasci por acaso, mas Deus tinha um plano e meus pais colocaram-se a serviço de Deus para gerar o ser que eu sou. Por isso, cada um de nós não é uma criatura qualquer. Somos criados à imagem e semelhança de Deus. Somos “corpore et anima unus”, isto é, somos a “unidade do corpo e da alma” (GS 14,1). Meus pais me deram o corpo e Deus me deu a “anima”, o sopro da vida. “A doutrina da fé afirma que a alma espiritual e imortal é criada diretamente por Deus”, como afirma o Catecismo da Igreja Católica (CIgC 382). E, noutro parágrafo, afirma: “o homem é, por natureza e vocação, um ser religioso. Porque provém de Deus e para Ele caminha…” (CIgC 44). Portanto, o primeiro chamado que Deus nos faz é à vida, à vida humana.
b) Vocação ao Batismo
O Sacramento do Batismo é buscado a partir do anúncio de Jesus Cristo (Kerigma), no caso do Batismo de adultos, ou através do testemunho e da vida de fé da família, sobretudo dos pais, no caso do Batismo de crianças.
O Sacramento do Batismo se configura no segundo chamado de Deus: o chamado à santidade. Através do Rito do Batismo a pessoa passa do estado de pecadora, fruto da herança do pecado original, para o estado de santa, fruto da dignidade do Sacramento do Batismo.
No Rito do Batismo há o momento da passagem do pecado para a graça, da criatura do mundo para o ser filho de Deus, do ser pecador para o da santidade. O Sacramento do Batismo, porém, não é buscado para algo pessoal, embora o efeito do Sacramento acontece de fato na pessoa batizada. O sentido mais profundo deste Sacramento é a inserção numa comunidade de batizados, numa comunidade de cristãos. O sentido etimológico de batismo vem ainda do tempo de Homero, bapto, que significa o caldeirão de aço derretido derramado numa vasilha de água para esquentá-la. Daí deriva baptizo que significa mergulhar, imergir, afundar, afogar. Neste sentido, batizar quer dizer mesmo mergulhar para dentro da comunidade e viver nela a nova vocação: à santidade.
De novo, o Batismo tem muito a ver com a família. Fui batizado 16 dias depois do nascimento e isto se deu porque meus pais já queriam que eu fosse batizado. Antes de eu nascer já tinham escolhido os padrinhos e não foi por conveniências ou agrados, mas por afinidade e importância. Meu vínculo com os padrinhos ficaram pra sempre. A fé que meus pais viviam e professavam, a queriam para mim, por isso me levaram à Igreja para ser batizado. Nela fui marcado, ungido, lavado, vestido, perfumado, iluminado, tocado e incorporado a uma comunidade de irmãos que já viviam a fé. E, como cristão, dentro e fora da Igreja, desempenho minha vocação batismal: ser um ungido no Cristo para ajudar a iluminar o mundo. “Pelo Batismo, o cristão é sacramentalmente assimilado a Jesus, que antecipa no seu Batismo a sua Morte e a sua Ressurreição” (CIgC 537).
c) Vocação ao Serviço
O batizado, incorporado à Igreja, isto é, à comunidade dos cristãos, vai desempenhar o seu múnus batismal: ser profeta, sacerdote e pastor (rei). Ele é incorporado a Cristo e assume a missão que é do próprio Cristo.
Do chamado à santidade (Batismo) surgem outros serviços dentro da comunidade ou da própria sociedade. O cristão, vivendo sua fé assumida no Batismo, responde a um terceiro chamado na sua vida: a um serviço específico. Cada pessoa humana tem uma missão neste mundo. Esta missão pode estar mais vinculada à Igreja através da vocação à vida consagrada, como padre, irmão ou irmã religiosa. É uma vocação que deixa família, deixa às vezes o seu lugar, para ir a outros lugares, outros povos e culturas para colocar-se a serviço do Evangelho.
Outro chamado é ao Sacramento do Matrimônio. Através deste Sacramento, os cônjuges oferecem um verdadeiro serviço de educar os seus filhos na fé e nos valores. E quanto mais diversa for a cultura e a sociedade, mais complexo e desafiador é este serviço. No seio de uma família é exercida uma verdadeira vocação.
Muitos escolhem viver como solteiros e, com sua opção, dão testemunho de sua fé e através dos serviços que Deus vai colocando em suas vidas.
E há, também, outros serviços, “profissões”, que são exercidos como verdadeira vocação. Quando alguém está feliz com o que faz e consegue ajudar os outros, ali na sua profissão, no seu trabalho, está vivendo a sua vocação. Apenas dois exemplos: quando os professores não medem esforços para ir às suas escolas e lá se dedicam a todos os estudantes, mas com um cuidado especial àqueles que tem dificuldades ou problemas, estes professores estão vivendo plenamente sua vocação. Ou os médicos quando colocam o exercício da medicina não para ganhar dinheiro, mas para salvar vidas, curar pessoas ou dar melhor qualidade de vida aos seus pacientes, estes profissionais estão exercendo à vocação que Deus espera.
Paulo, quando escreveu à comunidade dos Efésios, exortava para que todos levassem uma vida digna da vocação que haviam recebido e que pudessem exercê-la com humildade, mansidão, solicitude, na unidade e na paz. Desta forma, diz ele, a cada um de nós foi dada a graça conforme a medida do dom de Cristo (Cf. Ef 4,1-7).
d) Vocação à Vida Eterna
Nós não fomos feitos para a terra, mas para o céu. À terra desce o nosso corpo mortal, mas nós temos o espírito de Deus, por isso fomos feitos para a eternidade. E aqui está o último chamado que Deus nos fará. Nós não fomos feitos para ficar “perambulando” com nosso espírito por aí. Nem “subindo” e “descendo”. Quando o nosso corpo descer à sepultura, Deus nos chamará para a eternidade, porque somos destinados à ressurreição. O ser humano, “como ‘semente de eternidade que leva dentro de si, irredutível à só matéria’, sua alma não pode ter sua origem senão em Deus” (CIgC 33). Só alcança, porém, quem colocar sua vocação a serviço dos outros e do bem comum. “A vocação do ser humano para a vida eterna não suprime, antes reforça seu dever de acionar as energias e os meios recebidos do Criador para servir neste mundo à justiça e à paz” (CIgC 2820).
No Batismo recebemos uma marca (indelével) e um nome que é eterno. O nome que foi dado por nossos pais fica gravado para a eternidade. “No Reino, o caráter misterioso e único de cada pessoa marcada com o nome de Deus resplandecerá em plena luz” (CIgC 2159).
Cada pessoa veio a este mundo como um chamado de Deus para exercer sua vocação e, um dia, voltar ao convívio eterno de Deus. Por isso, se cada pessoa viver plenamente seu batismo iluminará este mundo dissipando-o de todas as trevas. E se cada pessoa descobrir a sua vocação (missão) neste mundo, se realizará, ajudará muito os que precisam e deixará Deus muito feliz.
Pe. Clair Favreto
Pároco da Paróquia Catedral São José, de Erechim, e professor de Sacramentos de Iniciação à Vida Cristã na Faculdade de Teologia e Ciências Humanas – Itepa Faculdades.