INTEGRAÇÃO E CONFIGURAÇÃO NA FORMAÇÃO INICIAL DO PRESBÍTERO CATÓLICO DA IGREJA NO BRASIL NO SÉCULO XXI

INTEGRAÇÃO E CONFIGURAÇÃO NA FORMAÇÃO INICIAL DO PRESBÍTERO CATÓLICO DA IGREJA NO BRASIL NO SÉCULO XXI

 

Hélio Rafael Frazão Pereira

“O bom pastor é figura que transcende a todos os séculos, mas em cada época se

realiza conforme as exigências do tempo”

(Dom Helder Pessoa Camara)

A Igreja Católica Apostólica Romana tem enfrentado alguns sérios e graves problemas em relação ao clero na atualidade, tais como: escândalos morais, financeiros e sexuais; o declínio do número de vocações; sacerdotes formados em ambientes clericalistas; a crise de identidade humana. Isso mostra a necessidade de se ter um olhar mais humanístico e cuidadoso para com os que dedicam a vida a este serviço.

Diante da realidade de um mundo cada vez mais plural, secular, fragmentado, de relações líquidas, percebe-se a realidade do ser humano em uma constante busca de identidade, em busca de saber quem se é, mas sobretudo na busca por unidade. Não se pode negar essa realidade no vocacionado que é acompanhado e ingressa nos seminários, inclusive dos novos presbíteros.

Levando em consideração os objetivos da pesquisa, em primeiro momento desejou-se perceber a realidade do formando brasileiro do século XXI segundo a visão do magistério eclesial. Nessa perspectiva, optou-se por fazer um recorte histórico, desde o final do século XX, até a terceira década do século XXI para entender a realidade histórica, social e cultural. Esta possui uma grande marca da mudança de época, que na visão dos documentos magisteriais, torna o ser humano fragmentado, junto a outros fatores, sociais e culturais que influenciam diretamente o seminarista e a formação presbiteral. Ao mesmo modo, a fragmentação ontológica gera a fragmentação pessoal, significando que o pecado original faz com que o ser humano se fragmente em si mesmo e nas relações interpessoais. Desta maneira, a realidade se torna fragmentada.

Na sequência, diante de uma realidade fragmentada buscou-se uma visão antropológica integrada e integradora, mostrando a necessidade de um modelo formativo integrador. Esta necessidade se dá a partir de que o ser humano não pode ser visto a partir do dualismo, mas sim como uma unidade. Portanto, não se pode valorizar mais o corpo do que a alma ou vice-versa. Inclusive na contemporaneidade há uma nova visão antropológica, que entende o ser humano como ser multidimensional e não somente corpo e alma. Assim, o modelo formativo deve ser um modelo que considere o seminarista como pessoa humana e que ele seja formado por uma subjetividade aberta às relações, na integralidade da sua vida e do seu ser.

Posteriormente, a pesquisa se dedicou a analisar se a formação proposta pelas Diretrizes para a Formação da Igreja no Brasil (2019) visa, no processo formativo inicial, a integração humana. Neste percurso, desejou-se percorrer três caminhos. Em primeiro lugar, a imagem de seminário como casa e escola. Na esteira das Diretrizes de 2019, pode-se afirmar que o seminário é o local apropriado para a formação presbiteral inicial, pois é a casa de oração, de estudo e de comunhão, ao mesmo modo que se torna uma escola do Evangelho. Portanto, é o local onde os seminaristas vivenciam a experiência de vida e intimidade com Cristo se preparando para a missão.

Em segundo momento, viu-se a visão multidimensional e unitária proposta pelas Diretrizes de 2019 que, com suas propostas, objetivos e meios, propõe uma formação pautada em dimensões, isto é, as dimensões humana, espiritual, pastoral-missionária e intelectual. Estas mostram uma visão de ser humano em relação, na integralidade, a fim de que permeada pela vida comunitária, como o elo integrador, possa o seminarista ir se formando gradualmente na sua integralidade.

Assim, a gradualidade na formação inicial foi o terceiro caminho percorrido. Este tema mostra uma progressividade na formação presbiteral, até mesmo na construção das etapas após o Concílio Vaticano II. Outrora havia as etapas de seminário maior, em que se cursava filosofia e teologia, e o seminário menor, que normalmente se cursava o ensino médio e fundamental, em alguns lugares. Posteriormente, houve a necessidade de um período propedêutico, antes de adentrar no seminário maior, e mais adiante a etapa da síntese vocacional, que no Brasil já aparecem em documentos pós conciliares. Da mesma maneira, anteriormente se compreendia as etapas a partir dos cursos em que se faziam, dando uma nuance intelectual na formação. Por isso, a partir da nova Ratio Fundamentalis de 2016 e das Diretrizes de 2019, os períodos em que o seminarista vive na formação conduzem a um caminho de discipulado e configuração, sendo esta a meta da formação presbiteral, não somente dando nuances intelectuais, mas uma visão vivencial, gradual e integral, com metas próprias para cada etapa, tendo como centralidade a maturidade integral do seminarista.

Assim, as etapas da formação inicial, a partir da Ratio Fundamentalis de 2016, presente nas Diretrizes de 2019 se regem pelo seminário propedêutico, a etapa do discipulado, a etapa da configuração e a síntese vocacional. A respeito desta última etapa há uma divergência quanto ao período, a Igreja não delimita um tempo específico, mas afirma que deve ser um tempo necessário. Além disso, enquanto as Diretrizes de 2019 mencionam que a síntese vocacional cessa com a ordenação diaconal, a Ratio Fundamentalis de 2016 propõe este período até a ordenação presbiteral, em ambos os casos se cessa a formação inicial e inicia-se a formação permanente. Seria importante um estudo mais aprofundado sobre a questão.

Por fim, a exposição do último capítulo se deteve em apresentar se a configuração a Jesus Cristo Bom Pastor é o fundamento da integração do seminarista. Assim, formar o humano presbítero é um passo exigente quando se pensa na integração e configuração a Jesus Cristo Bom Pastor, pois pressupõe uma cultura formativa que considere a formação para o amor, a formação da identidade e um coração humano, compassivo e misericordioso formado para pastorear. Tais pressuposições foram os caminhos traçados no terceiro capítulo.

Em primeiro momento, a formação para o amor consiste em ir integrando o seminarista nos sentimentos próprios de Jesus Cristo, que se dá na humildade, obediência e oblatividade. De tal maneira, Bento XVI através da Encíclica Deus Caritas Est, embora não falasse diretamente aos seminaristas, mas a toda Igreja, forneceu grande base para compreender o amor integrado entre o amor “eros” e o amor “ágape”, afirmando que não pode existir um sem o outro, mas é necessário um amor oblativo a partir do serviço para ir integrando na vida do seminarista.

Em seguida, a formação da identidade requer que haja um projeto de vida e um caminho de autoconhecimento. Este projeto deve levar em conta a identidade própria, singular de cada um, sem esquecer da identidade presbiteral, contanto que esta última não anule a primeira. Desta maneira, a pesquisa apresentou as catorze imagens de presbítero destacadas pelas Diretrizes de 2019. O que se percebeu é que as Diretrizes fornecem uma identidade presbiteral, sendo preciso um projeto de vida para integrar na realidade subjetiva de cada seminarista e futuro presbítero. Este caminho de identidade orienta o caminho da configuração, vivenciando a caridade pastoral e os sentimentos próprio de Jesus Cristo.

Desta maneira, é necessário visionar uma integração e configuração à figura de Jesus Cristo Bom Pastor. Nesse sentido, se percebeu que a ótica conciliar parecia ver o presbítero como homem da pastoral, porém, o que por vezes se pode perceber é uma volta ao homem do culto, ou do padre de gestão, por vezes retornando à sacristia ou preso às estruturas, ainda que os documentos atuais do Papa Francisco sugiram uma eclesiologia sinodal, a fim de formar presbíteros com a perspectiva sinodal, em saída. – algo que poderia aparecer nas Diretrizes como uma imagem de um presbítero-sinodal. É preciso, portanto, retomar a visão de um presbítero-pastor, que esteja configurado a Jesus Cristo Bom Pastor. Diante disso, alguns elementos são importantes, que partem da iluminação bíblica, como foram vistos os textos do Antigo e do Novo Testamento. Nos Evangelhos se encontra a marca da compaixão, Jesus que olha a multidão que estavam como ovelhas sem pastor. É esse sentimento que ajuda o seminarista, a partir da sua relação com os demais, a vivenciar a configuração. Isso permite olhar para o Evangelho de João, que fala exatamente do Bom Pastor que propõe um projeto de vida em abundância.

Estas visões se convergem no que se chama caridade pastoral, isto é, fazer da vida um dom de si, entregando a vida a Deus, por meio da Igreja, em prol dos irmãos, em específico os mais necessitados. Deste modo, a vocação se torna graça e missão, tema do 3º Ano Vocacional do Brasil, o que poderia ser uma outra abordagem para se trabalhar a partir deste texto, traçando caminhos para a vocação presbiteral no contexto brasileiro do século XXI, a partir da sensibilidade de pastor. Outrossim, outro tema interessante que auxilia na integração e na configuração a Jesus Cristo Bom Pastor é a visão de um curador ferido, segundo a qual, o seminarista e futuro presbítero possa conhecer as suas fragilidades, misérias, limites, pecados e principalmente as possibilidades, experimentando que, onde abundou o pecado superabundou o amor.

Para entender a humanidade ferida, fragmentada, o seminarista e futuro presbítero precisa-se reconhecer em primeiro lugar como humano, nas suas fragilidades, contingências e necessidades, limites e possibilidades, para assim compreender que ao formar o seu coração, perceba onde está o seu coração, a que se direciona e a quem se configura.

A formação não pode ser vista somente a partir dos limites, mas das possibilidades, o que leva a frutificar os talentos, sendo um discípulo configurado a Jesus Cristo Bom Pastor. Desta maneira, o seminarista poderá ser colaborador da alegria do Evangelho. Inclusive pode ser uma outra pista de estudo posterior as alegrias do ministério na atualidade, ou como, na missão presbiteral, ser um colaborador da alegria do Evangelho.