Sinodalidade e Esperança

Pe. Jair Carlesso

 O Papa Francisco convidou-nos a mergulharmos no sentido do termo “sinodalidade”. Nunca ouvimos tanto falar disto como neste momento. Sinodalidade significa caminhar juntos na mesma direção apontada por Jesus de Nazaré. Esse caminhar juntos requer fazer processo, implica em corresponsabilidade. Caminhar juntos apresenta-se como uma das marcas distintivas dos seguidores de Jesus: “Enviou-os dois a dois à sua frente a toda cidade e lugar onde ele próprio devia ir” (Lc 10,1). Para serem seus verdadeiros missionários, deviam caminhar juntos no exercício da missão designada por Jesus. Por isso, para o Papa Francisco, sinodalidade “é o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio” (2015). É o “modo de ser” da Igreja, uma “dimensão constitutiva” da Igreja.

Um contexto de crise

Vivemos num contexto marcado por características próprias, muitas delas nunca vistas antes na história. Dentre elas destacamos a urbanização da sociedade, a busca do conhecimento e o avanço tecnológico, o pluralismo, a emergência do sujeito individual e o crescimento cada vez maior do individualismo, o pragmatismo, a absolutização do dinheiro/capital em detrimento do humano, o aumento do abismo entre ricos e pobres, a mudança de padrões culturais…, atingindo a família, a comunidade e a sociedade. Há um temor diante de um “futuro incerto”.

Ao mesmo tempo, cresce o anseio por um mundo mais justo e feliz para todos. Embora os avanços, vivemos um “vazio de valores”. Muitos estão “abandonando Deus” e não mais participam da comunidade, não conseguindo “ser mais humanos, nem mais livres, nem mais felizes”. Muitas pessoas anseiam por uma experiência nova de vida, “um caminho para viver de modo mais pleno”. Para muitos o problema não é “ter problemas”, mas “não ter força interior para enfrentá-los”.

A escuta sinodal realizada na primeira fase do Sínodo revelou grandes lacunas, dentre as quais destacamos a pouca presença da Igreja nas periferias geográficas/sociais/econômicas/existenciais…, da sociedade. Neste sentido, entende-se que o mandato de Jesus – “Dirigi-vos, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 10,6) – não está sendo plenamente vivido. Por isso o Papa Francisco ousadamente remete a Igreja para as “periferias existenciais”. Outra questão é a ausência em grande medida da juventude na Igreja. O Documento de trabalho para a etapa continental do Sínodo diz que “é universal a […] escassa presença […] dos jovens […] na vida da Igreja”. Por isso se faz necessária “uma atenção renovada para com os jovens” e “a sua formação e o seu acompanhamento são uma urgência” (nº 35).

Sinodalidade e superação da crise

Nunca saímos iguais de uma crise. Ou saímos melhores ou piores! Por isso, podemos dizer que esse contexto nos desafia a sermos “fecundos” (Gn 1,28). Diante das situações do contexto atual somos chamados a abandonar a acomodação e a passividade e a sermos cocriadores do nosso futuro. O Bom Samaritano (Lc 10,29-37) apresenta-se como a grande referência indicada por Jesus. A parábola mostra que o levita e o sacerdote, ao se desviarem do homem caído, fecharam-se em si mesmos, em suas seguranças e status quo, quando a crise os impelia a uma atitude de abertura ao outro. O Samaritano agiu movido de compaixão. O olhar do seu coração compassivo permitiu-lhe que o sofrimento do outro fosse o centro de suas atenções e o impelisse a agir em seu favor. Significa que nesse contexto somos desafiados a buscar uma vida cristã mais inspirada e mais centrada em Jesus e no projeto do Reino de Deus.

No complexo contexto atual, marcadamente individualista, secularizado e clerical, o exercício da “escuta” do outro/diferente é uma provocação salutar do Papa Francisco. Ele nos remete para algo essencial: ouvir o outro, abrir-se ao diálogo e ao respeito, a valorizar o outro, a acolher o que o outro, sobretudo o caído, tem a dizer. Essa experiência mostrou que a “escuta” se constitui num elo de aproximação respeitosa às pessoas, possibilitando uma abertura à participação e à construção de relações novas. Por isso, essa experiência de “uns colocarem-se à escuta dos outros e todos à escuta do Espírito” apresenta-se como indicativo de uma prática permanente na vida da Igreja, “um berço de esperança”.