Elisabete Gambatto[1]
No dia 04 de outubro celebramos São Francisco de Assis. Um Santo que, a mais de 820 anos atrás, acolheu em seu coração o desafio de buscar respostas de como viver a fidelidade ao Evangelho de Jesus Cristo. Francisco apreciava todas as obras do Criador, irmanando-se com todo universo. Divinamente inspirado, ao entoar o “Cântico ao irmão Sol”, proclamou seu amor à toda criação. Em 29 de novembro de 1979, o Papa São João Paulo II, reconhecendo seu empenho dedicado à natureza, o declarou “Padroeiro da Ecologia”. Mas, neste texto procuro recordar que antes disso, Francisco foi conhecido por ser o Santo dos pobres e por buscar “reconstruir a Igreja de Cristo”.
Durante os períodos de sua infância e adolescência, Francisco desfrutou da riqueza de seu pai. Ambicioso como outros jovens, desejava conquistas, fama e títulos de nobreza. Incentivado pelo pai, Francisco partiu de Assis para a guerra em Perúsia. No entanto, foi capturado e levado para a prisão. Na solidão do cárcere de Perúsia, Francisco, meditava sobre a inutilidade dos lauréis obtidos com a guerra, almejando para si uma glória que não fosse sujeita à morte. Com o desejo de um “universo de paz, de justiça, de amor e de beleza suma, que é o Reino de Deus”[2], escutou a voz de Cristo que lhe ordenava a reconstruir a Igreja. Tomou a atitude de servir ao Senhor com alegria. Foi um revolucionário autêntico, pacífico e criador de um mundo de paz, de amor e de bem.
CHAMADO A RECONSTRUIR A IGREJA DE CRISTO
“A reconstrução da Igreja só pode ocorrer quando cada parte constitutiva seja reparada e a estrutura seja refeita inteiramente. E o modo pelo qual se faz essa reconstrução é importante: como penitentes, com humildade e em espírito de oração, exatamente como São Francisco fez há oito séculos. ”[3]
O Poverello nasceu na época em que a instituição Igreja queria ser a “senhora do mundo”, porém, ele queria ser o menor de todos; enquanto a burguesia queria muito dinheiro, ele quis ser o mais pobre entre os pobres; enquanto se faziam “guerras santas” e cruzadas contra os muçulmanos, ele quis dialogar com o sultão do Egito; enquanto o machismo impedia a atuação das mulheres, ele valorizava Clara e outras. Deste modo, Francisco encontrou um rosto de Deus diferente daquele do senhorio da Igreja e das disputas por territórios: “seu Deus estava ligado ao que havia de mais fraco e menor no mundo”[4]. Ele via Jesus pobre e humilde e era esse Cristo que Francisco desejava seguir.
A partir de seu encontro com o Evangelho, Francisco intensificou suas orações. Ao entrar numa igrejinha pobre e abandonada, motivado pelo Espírito Santo, prostrou-se diante da imagem do Crucificado e ali, de joelhos, com os olhos marejados de lágrimas, ouviu uma voz que vinha da cruz que lhe dizia: “Francisco, vai, restaura a minha casa que, como vês, está toda destruída! ”
À maravilhosa comoção desta voz estupenda, o homem de Deus, primeiramente assustado e depois repleto de alegria e de admiração, levantou-se prontamente, recobrando todas as suas forças para cumprir o mandato de restaurar a casa da igreja material, embora a principal intenção da palavra se referisse àquela [Igreja] que Cristo conquistou com o precioso preço de seu sangue (cf. At 20,28), como o Espírito Santo o instruiu e ele posteriormente revelou aos que lhe eram familiares.[5]
Deus soube usar um símbolo que tocou profundamente Francisco. Aquela imagem do crucificado que tinha lhe falado em voz suave e bondosa, era de um Jesus rejeitado e abandonado que se dirige a um homem debilitado pela decepção e ausente de si próprio. Ao deixar-se tocar por Cristo, sua vida foi transformada.
Em um primeiro momento, Francisco não conseguiu interpretar o verdadeiro sentido de “reconstruir a Igreja”. Saiu desfazendo-se de tudo por amor a Cristo, vendendo os bens que eram da família, levando o dinheiro ao sacerdote para restaurar a pequena igreja de pedras e para as necessidades dos pobres. Renunciando a herança de seu pai, Francisco persistiu na ideia de reconstruir um templo de pedras, conforme a missão que lhe fora dada pelo Crucificado. Enquanto mendigava por seu alimento pelas ruas da cidade, pedia por pedras para a obra de reconstrução, as quais carregava em seus ombros até a igrejinha, lugar onde os pobres se reuniam para rezar. Entretanto, somente com o passar do tempo, Francisco compreendeu que o real significado da mensagem de Deus era praticar o Evangelho, buscando a irmandade na paz e na solidariedade com os pobres.
Reprovando todo o luxo e privilégios que a vida do clero de sua época possuía, tirou suas sandálias, trocou seu cinturão por um pedaço de corda e ficou somente com uma túnica. A partir de então, sua vida não estaria mais centrada em si mesmo, descobrindo, assim, o significado da nova vida e missão: reconheceu que Cristo ordenara espalhar ao mundo o que estava vivendo. Como ato contínuo, pregava os princípios de humanidade, solidariedade e compaixão, não somente em Assis, mas em todos os lugares por onde passava. Aos poucos, da construção da igrejinha de pedras, foi reconstruindo a Igreja feita de pedras vivas, começou a ver a necessidade de que cada coisa, principalmente o ser humano, necessita de cuidado e misericórdia. Francisco fora tocado pela imagem do Jesus pobre e humilde que, abandonado, estava morrendo sozinho.
São Francisco, tocado pela imagem de Jesus pobre e humilde entendeu que sua missão era de retornar ao Evangelho da pobreza, de ser pobre pregador da paz e, de maneira particular, de seguir a Jesus Cristo optando pela minoridade. Estimulado pelo sopro da humildade divina, caminhou pelo mundo anunciando a Boa Nova. Buscou reconstruir a Igreja feita de “pedras vivas”; transformar a Igreja em servidora e pobre, na qual o Evangelho deveria ser testemunhado a partir do ideal de pobreza.
Francisco, extremamente impressionado com as palavras do Evangelho, colocou em prática tais palavras. Enquanto todos queriam riqueza, fama e poder, o Poverello jogou fora seu dinheiro e vestiu-se com uma túnica de trabalhador submetendo-se ser o menor dos menores. Francisco entendia que a pobreza é a mais importante virtude humana para chegar a Deus. Pregava o Evangelho, de forma que as pessoas não fossem escravas do dinheiro, dos ricos e das guerras. Anunciou Jesus pobre e adere um modo de vida de pobreza voluntária, isto é, viveu conforme o Evangelho, em relação à pobreza.
Para Francisco, a pobreza garantia liberdade, alegria, paz e firmeza para anunciar a alegria do Evangelho aos pequenos e excluídos e também a capacidade de dizer aos pobres que são amados por Deus. O Poverello reconhece o rosto de Cristo em todos os homens e mulheres e, iluminado pelo Evangelho, buscou viver a pobreza, imitando Aquele que viveu essa opção: Nosso Senhor Jesus Cristo.
Hoje temos o Papa Francisco como Bispo de Roma, que certamente modelou seu pontificado segundo São Francisco de Assis, o santo dos pobres, da paz e do meio ambiente. Com voz profética no mundo, o Papa faz este regate buscando primeiramente a renovação da Igreja de Cristo baseada no Evangelho, pedindo que a Igreja se recuse a ficar trancada dentro dos “recintos sagrados” e assim se transforme em uma Igreja missionária e capaz de testemunhar o amor de Cristo a todos, uma “Igreja em saída”. Como o Francisco de Assis, o Francisco de Roma, que a Igreja ainda irá reconhecer numa grandeza maior também estabelece um marco na história da Igreja, sendo a estrela-guia que move o povo de Deus para frente.
[1] Bacharelanda em Teologia pela Itepa Faculdades.
[2] PINTO, Ernesto. Francisco de Assis e a Revolução Social. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1956. p. 71.
[3] HORAN, Daniel P. Frade dominicano em artigo publicado por National Catholic Reporter, 06-03-2019.
[4] MEMÓRIA DE AULA. Memória da aula da disciplina de Teologia e Espiritualidade, do Curso de Teologia, no Instituto de Teologia e Ciências Humanas, ministrada pelo Prof. Dr. Pe. Ivanir Antonio Rampon, no dia 19 de março de 2021.
[5] FONTES FRANCISCANAS E CLARIANAS. Biografias/Legenda menor de São Boaventura. Quinta leitura, p. 689.