Que todos sejam um (Jo 17,21)!
Nesta semana que demarca o final do mês de maio e início do mês de junho as comunidades cristãs se preparam para a Solenidade de Pentecostes, evento acontecido cinquenta dias após a Páscoa do Senhor (At 2,1-11), fundado no envio do Espírito Santo prometido por Jesus aos seus discípulos (Jo 16,7). É tradição secular neste tempo a experiência da Semana de Oração pela Unidade Cristã promovida pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e pelo Conselho Mundial de Igrejas. Acontece em períodos diferentes nos dois hemisférios. No hemisfério Norte, o período tradicional é de 18 a 25 de janeiro em diálogo com a festa da conversão de São Paulo. No hemisfério sul as Igrejas geralmente celebram a Semana de Oração no período que antecede a Solenidade de Pentecostes, momento considerado simbólico para a unidade da Igreja. Neste ano está inspirada no Evangelho de Mateus tendo como tema: “Vimos o seu astro no oriente e viemos prestar-lhe homenagem”. A referência da unidade está em Jesus mesmo. Ao rezar oferecendo ao Pai o discipulado Jesus fazia esse pedido: todos sejam um (Jo 17,21) vivendo a plena comunhão, assim como Ele e o Pai.
A busca pela unidade cristã é uma resposta processual que foi se dando ao longo da história em contrapartida a dois rompimentos traumáticos, o Cisma Oriental (1054) e a Reforma Protestante (1517). Esta resposta talvez lenta, contudo, firme, das igrejas cristãs, nasceu no século XIX a partir do questionamento dos missionários cristãos. Perguntava-se: como vamos pregar Jesus Cristo, se estamos divididos e nos agredimos mutuamente? Passou-se também à preocupação de assegurar a proposta cristã diante de um mundo em profundas mudanças pelas transformações econômicas, políticas e sociais. Que testemunho os cristãos deveriam dar naquele contexto? Outro passo voltou-se às próprias denominações no sentido de também assumirem uma caminhada de diálogo a partir das suas orientações doutrinais.
A caminhada ecumênica compreende a acolhida sóbria e caridosa das diferenças entre cristãos e também a consciência dos fatores de separação. Implica em estar com os “pés no chão”. Todavia tem presente as potencialidades dos fatores de união, aqueles que levam ao encontro do outro para enriquecê-lo e ser enriquecido por ele. Os vínculos de união profunda entre os cristãos partem da consciência da mesma paternidade. Somos filhos do mesmo Pai. Decorre então outros elementos fundantes.
O primeiro é Jesus Cristo, o Filho de Deus que se apresentou à humanidade com a perspectiva firme de conduzir todos à salvação. A expressão tenho ovelhas que não são desse curral (Jo 10,16) remete ao desejo de acolher a toda a humanidade no projeto salvífico. Enfrentou a cruz em nome desse projeto e, a partir da sua pessoa, a cruz se revestiu de um amplo significado. Por isso se diz que na cruz Jesus atraiu todos a ele. Na cruz Jesus une todos os grupos humanos destruindo nela a inimizade (Ef 2,16). Os cristãos seguem a Jesus e sua proposta. Ele é fator de união entre os que defendem a sua proposta. Nos une a fé em Jesus Cristo.
Lembramos o Batismo. Os cristãos são, pelo batismo, mergulhados na vida cristã, configurados a Jesus. É o ponto de união entre os cristãos das diferentes denominações. Temos um só batismo em Jesus Cristo. É o grande ponto de partida de um projeto cristão voltado a testemunhar Jesus no mundo. Todo o batizado é membro do Povo Deus, um povo a caminho, rumo à realidade definitiva. Enquanto caminha, como batizado, unido a outros batizados testemunha o ressuscitado. Se, na cruz, Jesus Cristo uniu todos a si, pelo batismo ele os conclama a uma pertença ampla e rica, o corpo dos batizados.
A Sagrada Escritura é outro ponto de união fundamental entre os cristãos. É o patrimônio comum de todos os seguidores de Jesus Cristo. São João Paulo II afirma que é a suprema autoridade em matéria de fé. É uma herança valiosa que, se bem interpretada, empresta uma contribuição imensa não só nos processos internos de cultivo da fé cristã das igrejas, como nas possibilidades e caminhos comuns a partir do estudo, meditação e formação cristã.
Oração é um vínculo muito especial entre os cristãos. Todos rezamos e temos necessidade de rezar. A oração é a sede constante e saudável que nos une aos outros irmãos mesmo que seja proferida de jeitos diferentes. Somos pessoas de oração e a busca da prece com o outro implica em um profundo movimento espiritual inspirado pelo Espírito Santo. O Documento Unitatis Redintegratio promulgado no Concílio Vaticano II tratando do diálogo ecumênico menciona a oração comum como a alma de todo o movimento ecumênico e, como razão, pode ser chamada de ecumenismo espiritual (UR 8). O ato de rezar pelo outro ou rezar com o outro já é uma grande ponte de proximidade e diálogo.
Por fim lembramos a prática de caridade. São Paulo em carta à Comunidade de Corinto dizia que no fim de tudo permanece a caridade (1Cor 13,13)). No diálogo ecumênico é um elo potente em nome de uma causa maior, a proximidade afetiva e efetiva com aqueles que estão com a vida ameaçada. Estabelece um vínculo enquanto discípulos de Jesus, que veio para que todos tivessem vida e em abundância (Jo 10,10). O cuidado da vida une os cristãos. Cria um vínculo entre as denominações em nome de uma causa importante, dos sofredores, que permite o mútuo reconhecimento na prática do bem. Aprofunda o compromisso espiritual na perspectiva de que a prática religiosa voltada para o bem se autorrealiza e cumpre com o desejo do criador. Deixa também um sinal visível na sociedade de unidade a partir da preocupação com o outro fragilizado e não para demarcar espaços ou conquistar adeptos. A caridade faz as igrejas caminharem unidas deixando um rastro do bem em uma sociedade marcada pelo mal.
Haveria outros pontos de unidade, elos de comunhão. Sugerimos esses por compreendermos como basilares. Possamos não só nessa semana tê-los presente, mas assumi-los como próprios do agir cristão, abrindo espaço para uma espiritualidade do encontro, diálogo e o desejo de caminhar juntos.
Pe. Ari Antonio dos Reis