Pe. Ari Antônio dos Reis[1]
Eu era estrangeiro e me acolhestes! (Mt 25,35).
Estamos nesse período de tempo, 13-20 de junho, assinalando a Semana do Migrante, que apresenta como tema, migração e diálogo e lema, quem bate a nossa porta? É importante a Igreja pautar o tema das migrações para a sociedade. Migrar é condição humana. O deslocamento em busca de melhores condições de vida faz parte da dinamicidade do ser humano.
O tema envolve três conceitos: imigração, emigração e migração. São oriundos do termo latino immigratus que significa “se mudar para”. Imigração é o movimento de chegada de pessoas em um país estrangeiro. Emigração é o movimento inverso, de sair do seu país ou região de origem em busca de melhor condição de vida. Migração é o movimento dentro do país com a mesma perspectiva.
As condições provocadoras da imigração, emigração e migração, tais como fome, guerras, mudanças climáticas, entre outras, serão sempre constantes na trajetória humana e, em algumas épocas e determinadas regiões, acontece com maior intensidade. Cito como exemplo as migrações dos habitantes do continente africano para a Europa e demais regiões do mundo. Também dos latino-americanos para o Estados Unidos e outros países, vistos com maiores possibilidades de sobrevivência. O Brasil atrai muitas pessoas, mas também tem visto muitos emigrarem para as diferentes regiões do mundo. Existem mais brasileiros fora do Brasil, do que estrangeiros que aqui chegaram.
A história do nosso país revela que a sua ocupação se efetivou não apenas pelos proprietários de sesmarias, mas também por muitos portugueses pobres que aqui chegaram em busca de novas oportunidades ou foram degredados de Portugal.
A região de Passo fundo se constituiu como foco de migrantes no passado. Estas terras foram habitadas pelos imigrantes italianos, alemães, poloneses e outros em menor número. Os negros chegaram não primeiramente pelo intento migratório, mas pelo ritmo do comércio escravagista. Mais tarde chegaram outros negros migrantes vindos de outras regiões do Brasil. Os deslocamentos em busca de oportunidades se deram além-mar e também dentro do país, inclusive com os migrantes descendentes dos colonos europeus.
A tradição histórica da migração humana se reveste de novas provocações em tempos atuais. Certamente fica a base da migração por necessidade. Tais necessidades mudam com o passar dos anos. Segundo o relatório da PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, publicado no mês de setembro de 2019, a quantidade de pessoas habitando fora do país de nascimento chega a 271 milhões, ou 3,5 % da população mundial. Outra cifra significativa diz respeito às migrações internas. No mundo são em torno de 750 milhões de pessoas. O Brasil é um país marcado pela migração interna. O fato de ser um país com dimensões continentais torna o fenômeno mais complexo. Sair da terra de origem para muitas pessoas significa não poder retornar mais por diferentes fatores. Ingenuamente pode-se pensar que a facilidade dos meios de transportes facilita o retorno ou a visita. Contudo tudo tem um custo alto e nem sempre a pessoas têm condições de arcar com a despesa.
A migração leva a uma série de consequências na perspectiva pessoal. Cito duas: a perda do contato familiar e o desenraizamento cultural. As migrações efetivadas individualmente apresentam este risco. Dependendo de como se dá o processo na vida a pessoa, ela pode perder ou fragilizar os laços familiares. É sabido que a família se mantém pela presença física, cultivo dos afetos e pela história vivida conjuntamente no dia a dia. Na medida em que ela se distancia da família e não há o cultivo dos laços familiares cria-se um processo de afastamento e há o risco de perda do contato com a estrutura familiar.
Sobre a cultura sabe-se que o deslocamento para outra região implica na experiência de outras referências culturais. Compreendamos aqui como cultura os elementos locais do grupo específico expresso na religiosidade, jeito de agir, expressão artística que ajudam a dar sentido à vivência do grupo e consequentemente à pessoa a ele ligado e que ela foi assimilando ao longo do tempo. Em outro lugar geográfico pode perder esta ligação que pode implicar na sua fragilização existencial pela vida toda. Uma das estratégias do projeto escravagista para manter o domínio sobre os negros foi a de não permitir a proximidade entre pessoas da mesma etnia e também impedir as manifestações culturais porque assim se fortalecia o domínio sobre aqueles homens e mulheres escravizados. A migração coloca estes riscos para a pessoa.
O lema: quem bate à porta nos remete à figura de Jesus que se coloca à frente da porta e espera o convite para entrar e tomar parte da vida da pessoa (Ap 3,20). Certamente a vida da pessoa não será a mesma porque demandará uma comunhão profunda com o Filho de Deus. Este mesmo Jesus, segundo o evangelho de Mateus, colocou como um dos princípios da salvação a sua acolhida na pessoa do estrangeiro: “eu era estrangeiro e me acolhestes” (Mt 25,35).
A capacidade de acolher enriquece a pessoa que procura e enriquece muito mais quem recebe, porque terá a oportunidade de viver uma outra experiência de relacionamento marcada pela sensibilidade, solidariedade e profetismo, um relacionamento verdadeiramente samaritano, antídoto contra a xenofobia e outras formas de preconceito. Nossas nações são desafiadas a construir pontes e jamais muros. O muro separa e isola numa aparente segurança egoísta e mesquinha. A ponte aproxima e permite a troca de dons. A pergunta sobre quem bate a nossa porta leva a respondermos também sobre a disponibilidade em abri-la.
[1] Pároco da Catedral Nossa Senhora Aparecida, Passo Fundo – RS. Mestre em Teologia Pastoral, Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, São Paulo, SP; Graduado em Teologia, Itepa Faculdades, Passo Fundo, RS; Licenciado em Filosofia, UPF, Passo Fundo, RS.