Reflexão do Coordenador do curso de bacharelado em Teologia, Pe. Ari dos Reis, no ato de colação de Grau da turma 2020

Discurso colação de grau bacharelado em teologia 2020

Saúdo a comunidade acadêmica da Itepa Faculdades, os senhores bispos, presbíteros e irmãos que estão presentes neste momento significativo. Uma saudação especial ao Pe Pablo Cechinato de Lima que hoje cola grau de bacharel em Teologia. O fato de termos um único acadêmico colando grau é um sinal destes novos tempos que não devem gerar medo ou insegurança, mas nos provocar na criatividade e ousadia em busca de respostas ao desafio vocacional em suas diferentes dimensões. Este é o desafio das dioceses que tem contribuído na existência e caminhada da Itepa Faculdades.

Recordamos aqui a saudosa memória do Pe Elli Benincá, falecido recentemente. Sentimos presente o testemunho do Pe Elli neste espaço de trabalho.  Foi um dos fundadores da Itepa Faculdades e a criação do Curso de Teologia foi muito importante para a formação teológica e pastoral dos presbíteros, leigos e religiosos da Província Eclesiástica de Passo Fundo, integrada pela Arquidiocese de Passo Fundo e pelas Dioceses de Erechim, Frederico Westphalen, Vacaria e Chapecó/SC e de outras Dioceses do Brasil. Pe. Elli tinha preocupação para que a formação teológica fosse dialogante com os sujeitos dos diferentes contextos e ajudasse a encontrar caminhos para a eficácia da ação evangelizadora. E este tem sido o desafio desta casa ao longo da sua trajetória.

E justamente, o contexto em que vivemos nos convida a continuar refletindo, em diálogo, com os novos e emergentes contextos. Esse é o desafio da Teologia que busca ser fiel ao Deus da vida e aos seus filhos e filhas. O professor Clodovis Boff, no artigo “Conselhos a um jovem teólogo”[1], sugere em um dos conselhos que se estude Teologia tendo em vista a realidade do povo de Deus e esteja a seu serviço. A experiência pastoral de acadêmicos e professores, provocando uma constante reflexão teológica, documentada e refletida em sala de aula e em outros espaços da vida acadêmica, é uma sólida ponte que liga a academia com os diferentes contextos de vida do povo de Deus. É necessário que continuemos buscando esta relação que pode ser sempre mais ampla.

Nestes dias de carnaval foi possível presenciar o alcance da arte como caminho de conscientização. Considero uma boa contribuição à Teologia.  Os clamores que chegaram a Deus relatados no Livro do Êxodo foram explicitados através da criatividade artística. O que foi dito, mostrado e cantado revela que a situação da população brasileira é preocupante. E não há como esconder ou banalizar a dor e o sofrimento de quem é vítima da violência, da fome, do preconceito, das discriminações diferenciadas. Que bom que a arte está provocando a sociedade e também a Teologia

Ao longo dos anos a Teologia foi assumindo diferentes desafios. Nos tempos atuais são muitos. Cito três.  O primeiro:  dentre os tantos preconceitos que têm se explicitado, por diferentes meios, está o preconceito contra o pobre. O clamor, explicitado pelas escolas de samba e por diferentes blocos de carnaval, revela o sofrimento nas entranhas do nosso país. Este preconceito mata.

A aliança do conservadorismo econômico-cultural com o neoliberalismo , recuperado recentemente,  coloca a questão da pobreza e suas diferentes consequências como algo secundário na esfera macro política brasileira.

Junto a essa classificação, em segundo plano, surge a concepção dos pobres como entrave. Eles atrapalham a eficácia das políticas econômicas. Por isso, urgiram as reformas trabalhistas, previdenciária e no horizonte, a tributária.  Alguns economistas consideram os pobres entrave ao sonhado crescimento do país. Indígenas, quilombolas, idosos, crianças não são pessoas revestidas da dignidade de criaturas de Deus, mas seres que atrapalham um possível círculo virtuoso de crescimento econômico.  Neste caso cabe recuperar a profecia de Amós: “eu quero, isto sim, é ver o direito brotar como água e correr a justiça como torrente que não seca” (Am 5,24). “Os pobres são os interlocutores da Teologia e da Igreja, que se fazem as advogadas da justiça e defensoras dos pobres diante das intoleráveis desigualdades sociais e econômicas que clamam a céu” (DAp 395). Os tempos exigem esta coragem profética, samaritana e misericordiosa.

O segundo desafio é religioso. Também vivemos um tempo em que a religião cristã, nas suas diferentes denominações, explicita-se por alguns posicionamentos preocupantes. A liberdade religiosa é um preceito constitucional, também reconhecido na declaração Dignitatis Humanae sobre a liberdade religiosa aprovada durante o Concílio Vaticano II. Existe um consenso de que a religião tem sentido se faz o bem e se está a serviço do bem comum. Vivemos em tempos em que estes princípios estão relativizados e a luta pelo poder assume o lugar de vetor principal, se revestindo de discurso religioso e também discurso teológico. Existe o risco de se prestar um grande desserviço à nação. As alianças em busca do poder avançam e exigem um novo posicionamento dos organismos ecumênicos e de diálogo inter-religioso. É também um desafio teológico visto que a Teologia contribui para a sobriedade da religião.

O terceiro desafio é teológico. Junto à questão religiosa está o discurso sobre Deus, explicitado, nos últimos anos, de diferentes maneiras, muitas delas preocupantes. Tem aparecido com força o nome de Deus; infelizmente com uma conotação diferente ao que se aprendeu a partir de uma boa exegese hermenêutica da Sagrada Escritura. Coloca-se, via discurso, Deus como avalista de práticas totalmente contrárias àquelas que aprendemos a partir do estudo da Bíblia que é, para toda a humanidade, a explicitação mais apurada da sua revelação.

O nome de Deus não é pronunciado no sentido de uma experiência de fé e compromisso com a conversão ou com uma vida ética e justa. Em nome de Deus se explicitam preconceitos e racismos; defende-se a violência como caminho de relação social; desconsideram-se povos e culturas milenares; criam-se leis que aumentarão cada vez mais a pobreza e a miséria; diz-se que o ser e pensar diferentes são errados e por isso, devem ser tratados como violência. Então a pergunta: que Deus é este? É possível usar do nome de Deus para justificar projetos contrários ao seu dom de amor e bem para toda a humanidade?[i]

Cabe à Teologia, ciência que reflete a revelação divina, que é também a reserva crítica da religião, enfrentar, naquilo que é próprio da sua índole, estes posicionamentos preocupantes.

Contudo não fará isso sozinha. Aqui desponta o desafio do diálogo interdisciplinar, a Teologia em saída e comprometida em ser uma referência para a sociedade. Talvez o caminho não nos oriente no sentido de encontrar  respostas, mas o da problematização, escuta e diálogo.

Pe Ari Antônio dos Reis – Coordenador do Curso de Teologia


[1] Clodovis Boff. Conselhos a um jovem teólogo. Revista Perspectiva teológica, número 31, 1999, pág 76-96.

[i]. http://rdplanalto.com/noticias/40815/nao-tomar-o-nome-de-deus-em-vao