No último dia 5 de Agosto, os padres da Arquidiocese de Passo Fundo se reuniram no Seminário Nossa Senhora Aparecida para celebrar o dia o padre. Na ocasião, os diáconos e seminaristas prepararam uma mensagem, que foi lida no final da celebração eucarística. Eis a íntegra da mensagem:
‘Hoje é um dia especial… Por isso agradecemos a Deus pela resposta que vocês deram ao chamado dele, com alegria e generosidade. Sabemos que ‘a messe é grande e os trabalhadores são poucos’.
Desde o último encontro que ocorreu aqui até o dia de hoje, muitas coisas aconteceram. Despedimo-nos, por exemplo, do Pe. Rodimar, do Pe. Paulo, de Dom Urbano, do Pe. Moisés, mas também de alguns familiares e amigos que deixaram marcas significativas em nossa vida. Cremos na ressurreição, na grande esperança que não decepciona.
Olhando para a Arquidiocese, estamos felizes e animados com alguns passos concretizados; um deles é o lançamento do novo diretório sobre os sacramentos do Batismo, da Eucaristia e, logo mais, da Crisma. Sem dúvida, valeram a pena todos os esforços fecundos e de ressurreição ao longo deste período, expressos nas reuniões, reflexões e partilhas que fizemos; produzimos um material muito rico, em sintonia com o magistério do Papa Francisco. Acreditamos na fecundidade dos processos pastorais refletidos e assumidos juntos.
Outro avanço importante foi a elaboração conjunta e a efetivação de projetos nas Áreas Pastorais, a fim de responder mais intensamente a uma das Urgências do Plano da Ação Evangelizadora e aos apelos da Campanha da Fraternidade deste ano, sobre políticas públicas. Sem dúvida, sentimo-nos motivados ao ver o empenho da Área de Tapejara com a Horta e o Horto Ecológicos; a dedicação da Área de Guaporé para promover a cultura da Paz; o cuidado da Área de Passo Fundo com o processo de Iniciação à Vida Cristã; o esforço da Área de Carazinho para ser profética e misericordiosa, servindo a vida dos irmãos e irmãs que passam frio em meio à ausência de políticas públicas habitacionais; a coragem da Área de Marau para denunciar e conscientizar o povo acerca dos danos causados pelos agrotóxicos; a preocupação da Área de Tapera com o alto índice de câncer e com a alimentação saudável; o trabalho da Área de David Canabarro, que sonha em criar Conselhos de Juventude nos respectivos municípios; a atuação das Áreas de Sarandi e de Casca para encontrar modos de promover a Leitura Orante da Bíblia…
Além disso, temos em mãos as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2019-2023 e, logo mais, elaboraremos o novo Plano Arquidiocesano da Ação Evangelizadora, documentos que orientarão nossa caminhada. Por isso, dispomos de diversas indicações importantes e necessárias para a missão.
Parabéns aos padres que assumiram o 17º Plano de Evangelização, o diretório sobre o Batismo e a Eucaristia e a caminhada proposta pela Igreja, e que não mediram esforços para cultivar-se, trabalhar pelo Reino e fazer da própria vida um dom! Somos gratos aos padres jubilares, Darci e Ivo, e enchemo-nos de esperança com as práticas de acolhida e de saída em direção aos últimos.
Vivemos num período complexo, marcado por velhas e novas feridas[1]. Nossa geração e as gerações mais jovens, tem outros modos de ver o mundo; ser padre nos dias atuais é algo diferente de algumas décadas atrás no que tange à cultura. Apesar disso, não estamos num beco sem saída, mas também não podemos relativizar questões tão delicadas, nem precisamos ter uma resposta sempre pronta para todos os problemas, como se fôssemos detentores da verdade. Foi edificante a postura do Papa Francisco nas Filipinas, após o tufão Haiyan; naquele momento ele disse: ‘muitos de vocês perderam tudo. Eu não sei o que dizer para vocês, apenas manter silêncio e acompanhá-los em meu coração, silenciosamente'[2].
Permitam-nos expressar algumas das nossas preocupações ligadas com as dificuldades desse tempo:
O grito dos pobres torna-se cada vez mais forte, porém menos ouvido, porque é abafado pelo barulho de poucos ricos[3]. O papa disse que ‘nada é mais urgente do que […] abeirar-se da carne do irmão que sofre'[4]. É preciso superar a miséria e a fome. Causa escândalo quando um cristão apoia projetos que oprimem e destroem o povo ou quando alimenta estilos de vida não evangélicos, ostentando poder, luxo e buscando a glória pessoal. A verdadeira opção pelos pobres exige que façamos constantemente renúncias doloridas. O Papa Francisco salientou que precisamos sujar as mãos com os problemas do povo e rejeitar qualquer espiritualidade desencarnada[5], porque ‘à semelhança do profeta Jonas, sempre permanece latente em nós a tentação de fugir para um lugar seguro, que pode ter muitos nomes: individualismo, espiritualismo, confinamento em mundos pequenos», os quais, longe de fazer com que as nossas entranhas se comovam, acabam por nos afastar das feridas próprias, das dos outros e, consequentemente, das feridas de Jesus.'[6]
Poderíamos nos questionar: onde está o nosso coração? Estabelecemos relações com os necessitados ou com os abastados? Temos a ousadia de ir às periferias ou esperamos que elas venham até nós? Nossas celebrações e reflexões são espaços proféticos de denúncia das injustiças, ou insistimos em questões que não são essenciais?
Outro mal atual é o mundanismo. Segundo o Papa Francisco, as pessoas não se escandalizam quando o sacerdote é um pecador que se arrepende e vai em frente, mas sim quando ele tem o espírito do mundo, é insensível, fechado ao Espírito Santo, não se dispõe a dialogar e a crescer, não admite ser contrariado[7]. O Santo Padre frisou: ‘não tenhais em vós atitudes soberbas, arrogantes nem prepotentes. Para testemunhar de maneira crível o Ressuscitado, devemos recordar que, antes de sermos sacerdotes somos sempre diáconos; antes de sermos ministros sagrados somos irmãos de todos, servidores’.[8]
Testemunhar com a vida, na compreensão do Papa Francisco, significa evitar qualquer falsidade e hipocrisia, ligadas ao clericalismo e ao carreirismo; segundo ele, ‘não se pode viver uma moral dupla: uma para o povo de Deus e outra na própria casa. […] O testemunho é um só’. A testemunha de Jesus empreende uma batalha diária contra os próprios vícios e qualquer mundanidade alienante, mas também evita provocar intrigas, divisões, falar mal e mexericar, ações que negam a identidade do sacerdote, marcada essencialmente pela comunhão.[9]
Temos consciência de que no processo de configuração ao Senhor, é necessário carregar a cruz, ser radical e superar a tendência à acomodação, às vezes traduzida em expressões do tipo: ‘sempre fui assim e não mudarei’, ‘esse é o meu jeito’. É preciso auto avaliar-se constantemente, deixar-se ajudar, crescer e investir na formação integral e permanente. Deus faz maravilhas em nossa vida e o seu amor é maior que todas as experiências negativas e doídas que tivemos. Ele remove até mesmo as pedras mais duras.
Preocupa-nos também a escassez de candidatos para o ministério ordenado… Cada um de nós poderia perguntar-se: o que estou fazendo para promover mais vocações? As minhas práticas, o meu modo de vida, contagiam e atraem outras pessoas? De que forma realizo o trabalho: com ardor ou de qualquer jeito? Consigo ser criativo, dinâmico, ousado e profundo em minhas reflexões? Quais caminhos poderemos seguir na Arquidiocese? Como envolver os vocacionados na missão contagiante, numa Igreja em saída? Segundo o Papa Francisco, ‘um ministro ardoroso é um ministro sempre em saída; e «estar em saída» leva-nos a caminhar […] à frente, para guiar a comunidade; no meio, para melhor a compreender, animar e sustentar; atrás, para a manter unida, a fim de que ninguém se atrase demais […].[10]’
Diante de tantas situações complicadas que vivemos em termos sociais, econômicos, políticos, mas também eclesiais e vocacional, buscamos ter um olhar fixo para Jesus. Não tenhamos a postura de derrotados, mas alimentemos o fio de esperança que abrasa nosso coração. Como disse o Papa Francisco, ‘para nós, cristãos, o futuro tem um nome e seu nome é esperança. A esperança é a virtude de um coração que não se fecha na escuridão, que não para no passado e não apenas sobrevive no presente, mas é capaz de ver um amanhã'[11]. O Santo Padre ainda nos deu uma dica para o futuro: viver a sinodalidade, ou seja, ‘caminhar juntos’.
Para caminhar juntos é fundamental cultivar a participação, o diálogo, a mútua compreensão, o respeito e o envolvimento efetivo na evangelização. Caminhar juntos exige deixar de lado a auto referencialidade mesquinha e mundana, assumindo os dons que a Graça Divina nos oferece, também através do ministério ordenado, para fazer da missão em prol do Reino de Deus o paradigma de toda a ação da Igreja.
Por fim, deixamos um muito obrigado a todos que colaboram conosco de uma forma ou de outra. Juntos queremos trilhar esse percurso e continuar construindo a história. Nunca deixemos de lado nossas raízes, fortalecidas com o trabalho, a doação, o serviço e a oração de tantos irmãos sacerdotes que não mediram esforços para que esta Igreja caminhasse de maneira profunda, comprometida e participativa. Que Deus, por intercessão da mãe Maria, nos ilumine abundantemente! Parabéns por este dia e pelo testemunho de entrega pelo Evangelho. Tenhamos ânimo (Cl 2,2) porque o Senhor é nosso pastor! Contem sempre conosco e muitas felicidades.”
[1] Carta do Papa Francisco aos presbíteros. Disponível em <w2.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2019/documents/papa-francesco_20190804_lettera-presbiteri>.
[2] Filme: Papa Francisco, um homem de palavra.
[3] Papa Francisco, Homilia no II Dia Mundial dos Pobres. Disponível em <www.vaticannews.va/pt/papa/news/2018-11/integra-homilia-papa-dia-mundial-pobres>.
[4] Carta do Papa Francisco aos presbíteros. Disponível em <w2.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2019/documents/papa-francesco_20190804_lettera-presbiteri>.
[5] Papa Francisco, encontro com o clero, os religiosos e os seminaristas das dioceses de Piazza Armerina e de Palermo. Disponível em: <w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2018/september/documents/papa-francesco_20180915_visita-palermo-clero>.
[6] Carta do Papa Francisco aos presbíteros. Disponível em <w2.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2019/documents/papa-francesco_20190804_lettera-presbiteri>.
[7] Ibidem.
[8] Ibidem.
[9] Ibidem.
[10] Carta do Papa Francisco aos presbíteros. Disponível em <w2.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2019/documents/papa-francesco_20190804_lettera-presbiteri>.
[11] Filme: Papa Francisco, um homem de palavra