Pronunciamento do Coordenador do Bacharelado em Teologia, Pe. Ari Antonio dos Reis, no ato de colação de grau em Teologia, celebrado no auditório Enrique Dussel da Itepa Faculdades em 25 de fevereiro de 2019.
Prezada Comunidade Acadêmica.
Estimados concluintes do curso de Bacharelado em Teologia.
Esta celebração de colação de grau acontece no momento em todos vocês já estão encaminhados nos seus propósito de vida. Já receberam a ordem do diaconado, um grau na caminhada de serviço às suas Igrejas particulares enquanto membros do Clero. Antes disso fizeram a experiência da caminhada formativa no curso de Teologia. Oficialmente estão saindo da Itepa Faculdades para outra missão. É uma saída que não significa rompimento. Esta instituição de ensino tem a tarefa de continuar acompanhando-os em uma perspectiva formal e também afetiva.
O verbo sair tem sido muito evocado nos últimos anos, desde que o Papa Francisco convidou a Igreja do mundo todo para ser uma “Igreja em saída” para responder com fidelidade a Jesus Cristo e não adoecer pelo apego às falsas seguranças. Esperamos que esta condição eclesial seja de fato uma condição de vida e não apenas um chavão eclesiológico pronunciado exaustivamente, mas não vivido no dia a dia. É uma tarefa exigente que implica em compreender toda a grandeza do ato de sair. Vai além da mudança de um ponto geográfico para outro, do deslocamento físico. Implica em colocar-se em outras realidades e assumir como marco outras referências de vida, de relações e de acolhida à providencia de Deus. Felizmente o Papa Francisco além de convidar a Igreja a sair tem mostrado sinais bem explícitos de como isto poderia acontecer.
O desafio da Igreja em saída será assumido de forma mais eficaz se for sustentado por uma teologia em saída. Toda a experiência religosa precisa da luz e da provocação que vem da reflexão teológica para que não se torne um conjunto de ritos estéreis e desconectados da vida. E a reflexão teológica, se busca sendo fiel ao Deus da vida e ao povo que acolhe o amor de Deus, se desafia a sair. Mas a reflexão teológica não está sem base no processo de sair. O Deus Trindade deixou na história da humanidade um itinerário que ajuda a Teologia a sair. A literatura bíblica lembra a saída de Deus como criador de todas as coisas. O ato de criar o mundo revela a saída de Deus que, num gesto amoroso, criou todas as coisas e viu que era muito bom (Gn 1,31). Em continuidade criou o ser humano a sua imagem e semelhança com a responsabilidade de cuidar e guardar a obra criada (Gn 2,15) que era ao mesmo tempo o caminho de interação com a obra Deus. No cuidado e zelo pela obra criada o ser humano sai para assumir um compromisso na obra de Deus.
Deus também sai, segundo o relato do Êxodo, para caminhar com o seu povo rumo à terra prometida. Esta saída foi motivada pela constatação da dor e sofrimento do povo hebreu que provocou a disposição de Deus descer para com este povo, sair do Egito rumo a terra prometida (Ex 3,7ss). Nesta saída, marcada pela travessia no deserto, Deus precisou de paciência e da pedagogia da misericórdia para ajudar o povo a compreender que precisaria uma outra referência de vida. Não adiantaria sair do Egito se a forma de vida aprendida no Egito não saísse da cabeça do povo. O tempo de caminhada no deserto foi fundamental para que este objetivo se concretizasse.
Sair também pela mediação dos profetas com o intento de retomar a aliança firmada na Assembleia de Síquem. Na voz dos profetas, sobretudo os do quarto século, está o apelo para a fidelidade ao projeto do tribalismo. A saída do povo desta aliança era vista como a sua desgraça.
Sair com o povo da situação de exilio na Babilônia. Apesar do sofrimento esta saída tinha marca da esperança. E o profeta Isaias é o porta voz desta esperança. Diz o profeta: Vamos saiam daí (…) ninguém sairá apressado, ninguém corre como se estivesse fugindo, pois Javé caminha à sua frente. Atrás de vocês vem o Deus de Israel (Is 52, 11-12).
Deus saiu de forma definitiva ao encarnar-se em Jesus Cristo para resgatar o projeto de salvação. Em Jesus a luz da salvação brilhou para a humanidade (cf. Jo 1,9). E toda a vida de Jesus pode ser vista na perspectiva da saída. Nasceu quando seus pais estavam saindo para se recensearem na cidade de Belém (Lc 2, 1-7). A notícia do seu nascimento provocou os pastores (Lc 8, 8ss) e magos (Mt 2, 1ss) a saírem das suas atividades para conhecerem o Salvador. Neste tempo, ainda pequeno, com seus pais, saiu em direção ao Egito para se proteger da covardia de Herodes (Mt 2, 13ss). A terra que no passado era ameaça ao povo hebreu tornou-se o lugar do refúgio de Jesus e sua família. São as contingências da história.
Ao assumir a missão saiu de Nazaré, foi batizado no Jordão e anunciou a proximidade do Reino de Deus (Mc 1,15), convidando os discípulos a saírem de suas atividades e comporem o grupo de anunciadores do Reino. Precisou orientar o discipulado a sair da ideologia do messianismo triunfalista para compreenderem a missão marcada pelo serviço e enfrentamento da cruz. Em certo momento os enviou para a missão. Estavam junto de Jesus e saíram da sua proximidade para levar o bem as pessoas (Lc 9, 1-6). Na sua saída Jesus passou por Jerusalém. Enfrentou a cruz, estratégia escolhida por seus adversários para pôr fim ao projeto do Reino. Passou pela morte e ao sair do túmulo (Mc 16,5) mostrou que esta não seria uma realidade definitiva em sua vida e nem na vida dos seus seguidores. Afirmava quem crê em mim terá a vida eterna (Jo 6,47). O Ressuscitado, enviou os discípulos em missão para continuar a sua obra (Mt 28, 16-10; Mc 16, 15-18). Nesta missão os discípulos deveriam sair de Jerusalém e da referência da cultura judaica como condição da universalidade do projeto salvador. Os discípulos e as primeiras comunidades cristãs, iluminados pelo Espirito Santo, saíram para anunciar o evangelho aos povos e culturas (At 2 1,12). Assim acompanhamos, mediados pela tradição bíblica, a ação de Deus em saída.
A Teologia como reflexão da revelação divina reflete esta saída. Tem como condição também ser uma Teologia em saída. Ela sai para ser mais fiel a Deus e seu projeto. Sai em direção aos pobres que moram nas periferias do mundo e faz deles objeto de cuidado e reflexão. Sai para encontrar-se com os migrantes que também saíram de suas terras para continuarem exercendo o direito de viver com dignidade. A Teologia sai para interagir com a criação, superando o viés antropocêntrico e assumido a responsabilidade de refletir a profundidade da responsabilidade do zelo e cuidado com a obra criada. Sai também para perceber o verbo de Deus presente em outras culturas e se dispondo a dialogar com elas, enriquecendo seu caminhar a partir de outras formas de tematizar a revelação divina. Sai em tantas outras teologias para ser uma teologia do Deus da vida.
Assim como a Igreja se desafia a sair para ventilar a sua existência, a Teologia dá este passo. Nisto amplia o leque da sua reflexão. Uma Teologia em saída vive a inquietude de quem se dispôs a peregrinar assumindo as consequências desta condição. Pelo diálogo com a pastoral defronta-se com realidades de dor e sofrimento presentes nas famílias. Mas também se alegra com as sementes do evangelho brotando nestes mesmos lugares. Depara-se com as desconfianças daqueles que compreendem Teologia como pensar limitado à sala de aula ou a textos lidos sem uma reflexão ou contextualização histórica. No desafio de sair e enfrentar outros interlocutores encontra um outro universo, amplia seu horizonte e nisto se faz Teologia de comunhão com Deus que se fez um Deus em saída. Comunga com a história humana que é o lugar onde a salvação é construída.
Nossos irmãos que ora colam grau estão saindo desta Faculdade. Esperamos que a Faculdade, os conhecimentos e tudo o que vivenciaram nestes anos, não saiam deles. Como o apostolo Paulo estão saindo para a missão. Como ele voltarão para se reabastecer e continuar a missão. Esperamos que vocês retornem trazendo para a reflexão coletiva registros de seu engajamento pastoral. Assim a Itepa poderá continuar formando Teólogos em saída.