Revista CCI, Edição 18

Certa ocasião, passando por Nazaré e entrando numa sinagoga, Jesus se instituiu cumpridor da profecia de Isaías que diz: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres, enviou—me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19). A Igreja, por sua vez, é enviada ao mundo a dar continuidade a este projeto de libertação desencadeado pelo Mestre.

A matriz deste projeto é a plenificação da vida. Vida abundante (boa) para todos. A Igreja, povo de Deus, atendendo o pedido de Jesus de “ir e evangelizar a todos os povos”, procura efetivar na história a sua missão. Por outro lado, a Igreja, muitas vezes se desvirtuou do caminho originário proposto por Jesus Cristo. Por exemplo, inúmeros aspectos da cultura religiosa dos povos nativos, nos diferentes continentes, não foram levados em consideração na evangelização. Simplesmente se impôs uma doutrina, um modo de ver as coisas sem considerar os seus valores.

As primeiras comunidades cristãs nos servem de exemplo. Os cristãos judeus de Jerusalém queriam impor sua cultura aos cristãos que vinham do paganismo. Ora, Lucas, nos escritos dos Atos dos Apóstolos, não discute esse problema, mas mostra que a fé cristã pode ser vivida em qualquer cultura e ter diferentes formas de prática religiosa. Paulo, após a conversão ao cristianismo, sempre combinou sua fé ao cristianismo com a prática da religião judaica (At 13,5.14ss).

“A Igreja Romana durante muitos séculos, enquadrou—se na cultura da Europa, chamada de greco-latina. Tanto que se fala de boca cheia em civilização cristã como sendo a mesma coisa que civilização latina. muita coisa que foi imposta aos outros povos não—europeus, em nome do cristianismo, não passa de imposição dessa cultura. Isto na doutrina, na moral, no culto e na organização da Igreja. Basta ver os nomes que ainda hoje são usados, como diocese, paróquia etc. Os templos, a liturgia, o modo de tratar as autoridades eclesiásticas mais lembram o culto imperial e os costumes senhoriais de outras épocas do que a vida simples e fraterna das comunidades que aparecem nos atos dos apóstolos” (Eliseu Hogo Lopes — O caminho feito pela palavra).

Como foi evangelizado o continente latino-americano? Respeitou—se a cultura e a religiosidade aqui existentes, ou se impôs pura e simplesmente a visão européia de Deus, de mundo e de homem? Podemos assim dizer que o ano de 1992 é o ano da celebração dos 500 anos de evangelização? “Se evangelização supõe o anuncio das ‘boas novas’ ,pode—se então dizer que a chegada de espanhóis e portugueses na América tenha sido uma ‘boa nova’ para os indígenas? Pode—se por acaso chamar de evangelização a utilização da religião para implementar um modelo de exploração, de escravidão?

Outro aspecto que se nos impõe como um grande desafio e sempre mais aguçado, é o crescente êxodo rural e o inchamento dos grandes centros. O homem do campo sai de seu meio, migra para as periferias e, como consequência, perde suas raízes histórico—culturais—religiosas. Acontece uma mudança de valores. O que era antes uma fonte viva de espiritualidade, agora é questionado. O novo aparece de forma obscura. A insegurança se faz realidade. O tradicional já não responde mais aos seus anseios. As novas perspectivas ainda permanecem ocultas.

Apesar das diversidades, dos impasses e conflitos dentro da evangelização, o espírito de unidade, numa visão dialética, deve estar acima de tudo e de todos. Os desafios sempre emergentes no seio da sociedade devem ter sua superação no grande agente de pastoral que é o Espírito Santo, através do qual nos habilitamos para ler os sinais dos tempos.

Na tentativa de contribuir na gesta de uma fé comprometida com o espirito libertador, trazemos aos leitores algumas reflexões e análises que versam sobre o itinerário da Igreja no mundo. Este número inclui artigos de conteúdo variado, expressando em ultima instância a exigência de uma nova e autêntica espiritualidade, elemento revigorador e sustentador da obra da Igreja.

Nesta edição você encontrará:

  • Eucaristia, sacramento que liberta, texto de Vilmar Giacobbo
  • Evangelização e culturas oprimidas, texto de Angelo Cenci
  • CEBs e as culturas oprimidas, texto de Pe. Valter Girelli, Egon Schuster e Sérgio Vigne
  • Desafios da catequese renovada, texto de Eliseu Vicensi e Ivacir João Franco
  • Construindo o Itepa, texto de Pe. Elli Benincá
  • Entre outros

    Pe. Nelson Tonello

Veja aqui a versão completa em PDF
Para assinaturas e informações sobre edições anteriores envie e-mail: revista@itepa.com.br, ou preencha formulário aqui.

Informações técnicas
Título: Revista Caminhando com o Itepa
Autor: Faculdade de Teologia e Ciências Humanas – ITEPA FACULDADES
Número: 18
Mês/Ano: Setembro/1990
Páginas: 66