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O resultado da luta e resistência da população negra encontra-se presente nos
avanços de muitas legislações, que mesmo apresentando contradições, expressam algum
grau de conquista da luta dos negros contra a situação de exploração. A luta implica na
construção de uma nova história, como no caso da própria Lei Áurea, de 13 de maio de
1888, comumente apresentada como uma data em que ocorreu a concessão da liberdade a
todos os escravos pelo poder imperial. Tal lei precisa ser questionada quanto a sua efetiva
contribuição na libertação dos escravos, considerando que muitos fatores que
determinaram a lei são desconsiderados e desconhecidos. Ademais, as condições em que os
escravos passam a viver com a libertação, revelam que não se tratou de libertação, mas de
abandono dos negros a própria sorte, sem os meios básicos de sobrevivência. Somente a
luta e a busca de alternativas pelos próprios escravos é que os tornou efetivamente livres,
embora em condições precárias. Por isso, pergunta-se: o 13 de maio é uma data para
comemorar? E o dia seguinte, 14 de maio, como foi? Em quais condições passa a viver a
população escravizada que a partir de então? Sem acesso à terra, ao trabalho, aos meios de
sobrevivência, como sobreviveram os escravos então libertados? Que alternativas eles
encontraram para sobreviver? Como sabemos, a população negra, mesmo após a abolição,
nunca teve condições de igualdade e de participação efetiva na sociedade brasileira. No
entanto, resistiu e conseguiu avançar em suas conquistas.
As mulheres negras e os homens negros sempre reagiram e continuam a reagir às
tentativas da mentalidade colonialista de impor, pela força, uma vida totalmente diferente
a que viviam em sua terra mãe África. O movimento negro vem organizando, desde alguns
os anos que precederam o final da escravização, formas de luta e resistência contra o racismo
e a discriminação racial. Essas práticas antirracistas
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têm continuidade nos dias atuais.
Um avanço da luta antirracista no Brasil são as conquistas da Lei 10.639/2003 e da
Lei 11.645/ 2008, que alteraram a Lei 9.394/1996 Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, incluindo no currículo a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e da Cultura Indígena. Estas leis, apesar de inúmeras dificuldades, têm
possibilitado que as questões que envolvem estas culturas comecem a ser conhecidas e
estudadas nas escolas e no ensino superior, nos cursos de formação de professores.
Entre os marcos legais na luta antirracista destacamos, ainda, a Lei 12.288/2010,
que institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinada a garantir à população negra a
efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos, individuais,
coletivos e difusos e o combate à discriminação e as demais formas de intolerância
étnica. Soma-se a ela a Lei 12.711/2012, a chamada Lei de Cotas, que garante a reserva
de, pelos menos, metade das vagas nas universidades públicas e Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia a alunos pretos, pardos e indígenas, oriundos
integralmente do ensino público.
São conquistas importantes que precisam ser consolidadas e ampliadas. Para tanto,
uma das lutas que tem sido destacada, é o da descolonização dos pensares e saberes que se
fazem presentes em diferentes contextos. A permanência das visões patriarcais, machistas,
racistas são desafios que precisam ser enfrentados por novas concepções de mundo, de
vida, de conhecimento, de saber. Descolonizar os diferentes espaços de saber envolve,
também, a descolonização da visão espiritual, da visão religiosa e das fontes da formação
5 Destacamos que existem diferentes maneiras de praticar o antirracismo, que vão além de denunciar o racismo, crime
considerado hediondo no Brasil, sem direito a fiança. Outros tipos de antirracismo são as ações do movimento negro
que buscam levar à sociedade o conhecimento sobre a história de lutas dos homens e mulheres negros pela liberdade,
durante a escravatura e no pós abolição, pelo reconhecimento das suas singularidades culturais e civilizatórias.
Também representam outro tipo de antirracismo as iniciativas dos governos, sob a pressão do movimento negro, de
fazerem valer leis que foram criadas para garantir direitos iguais para homens negros e mulheres negras na educação,
na saúde, na segurança, no desenvolvimento cultural e no mercado de trabalho.
PRATES, Ana Maria da Rosa; BUENO, Francisca Izabel Da Silva; OLIVEIRA, Marcio Luiz de
Negras mulheres e mulheres da bíblia: trajetória de lutas e resistência por uma educação antirracista
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.39, n.132, p.68-80, Jan./Jun./2022. ISSN On-line: 2763-5201.