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importantes como a solidariedade e a vida comunitária? E diante desses desafios, como a
Igreja tem organizado sua prática pastoral? São perguntas atuais, inquietantes e por isso,
“uma das preocupações necessárias é compreendermos essa nossa época”
2
. Nesse ínterim,
um conceito bastante utilizado por autores do âmbito político, social e educacional, para
demonstrar como a sociedade vem sendo acarretada, é o conceito de neoliberalismo,
definido por “um conjunto de discursos, práticas e dispositivos que determinam um novo
modo de governo dos homenssegundo o princípio universal da concorrência”
3
.
Concernente a isto, ainda em 2009, Benincá e Balbinot, faziam uma leitura de época,
demonstrando que os tempos mudaram, pois, “passamos de um tipo humano que coloca
toda a sua vida à disposição do processo produtivo para um outro que tenta gozar da
produção, e para isso, não vê problema em mercantilizar a si próprio”
4
. Percebe-se que
depois de muitos anos, essa lógica apoderou-se dos comportamentos, a forma relacional
com os outros e consigo mesmo. Ou seja, é uma luta econômica que adentra a “forma de
nossa existência”
5
. Sendo assim, essa mercantilização, precisa ser compreendida também
pelo olhar de pensadores que problematizam a “subjetivação neoliberal, que opera na vida
comum, no trabalho e fora dela, provocadas pelo neoliberalismo que operam no sentido do
egoísmo social e da negação da solidariedade”
6
. Ou seja, a subjetivação transforma os
sujeitos em mercadoria, por um processo que adentra as relações sociais, produzindo “a
mercantilização implacável de toda a sociedade”
7
. Sendo assim, “o que o neoliberalismo
passa propor não é somente uma ressignificação de uma racionalidade mercantil, mas sim,
a concepção de uma sociabilidade que passa a ser regida por uma lógica empresarial”
8
.
Também, é importante frisar que essa lógica neoliberal, para os autores Dardot e
Laval, torna-se uma nova racionalidade, na medida que orienta políticas e
comportamentos numa nova direção, ou seja, “quando tornar-se uma norma geral de vida,
que passa a ser incorporada ‘naturalmente’ na alma e no coração das pessoas”
9
. Dessa
forma, como consequência, as relações são individualizadas e pautadas por uma
concorrência generalizada “que transforma desde os mais ricos, até os extremamente
pobres, colonizando o inconsciente, a subjetividade e a própria vida”
10
.
Tal dimensão ressaltada acima, revela o caráter obscuro e perverso dessa nova
subjetividade pautada pela lógica empresarial. É sistematicamente a construção de pessoas
tuteladas pelo mercado, pela empresa e desejo de realização pessoal. Isso significa, que a
racionalidade coletiva, ou o exercício da solidariedade são banidos, através do controle dos
comportamentos e da redefinição do caráter. Em outras palavras, "a racionalidade neoliberal
produz o sujeito de que necessita ordenando os meios de governá-lo para que ele se conduza
realmente como uma entidade em competição”
11
. Esse ordenamento, expõe os indivíduos
aos próprios riscos e inteira responsabilidade por seus fracassos. Como consequência, nega-
se o caráter fundamental das políticas, através da instrumentalização da empresa como
primordial para a superação de si mesmo, a prosperidade e resolução de problemas.
Ao se tornar especificamente um projeto de construção de uma racionalidade
instrumental da vida e uma poderosa ferramenta de dominação dos sujeitos, o modelo
2 Elli BENINCÁ; Rodinei BALBINOT. Metodologia pastoral: mística do discípulo missionário, 2009, p.10.
3 Pierre DARDOT; Christian LAVAL. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal, 2016, p.17.
4 Elli BENINCÁ; Rodinei BALBINOT. Metodologia pastoral: mística do discípulo missionário, 2009, p.11.
5 Pierre DARDOT; Christian LAVAL. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal, 2016, p.16.
6 Pierre DARDOT; Christian LAVAL. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal, 2016, p.9.
7 Pierre DARDOT; Christian LAVAL. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal, 2016, p.23.
8 Regiano BREGALDA. A formação humana no contexto da colonização neoliberal da subjetividade, 2020, p.200.
9 Regiano BREGALDA. A formação humana no contexto da colonização neoliberal da subjetividade, 2020, p.201.
10 Regiano BREGALDA. A formação humana no contexto da colonização neoliberal da subjetividade, 2020, p.201.
11 Pierre DARDOT; Christian LAVAL. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal, 2016, p.328.
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.39, n.133, p. 72-80, Jul./Dez./2022. ISSN On-line: 2763-5201.
FÁVERO, Altair Alberto; SANTOS, Antônio Pereira dos
Desafios da pastoral transformadora a partir da práxis benicaniana no contexto neoliberal