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1 RETROSPECTO HISTÓRICO
Na Bíblia, no A.T. encontramos mulheres citadas como líderes, juízas, profetisas e
outras importantes ações, entre elas, Sara, Míriam, Raabe, Rute, Ana, Ester. Entretanto, de
acordo com a teóloga Maria Clara Bingemer, em determinado momento, isso mudou.
Quando a “circuncisão” passou a fazer parte do ritual de iniciação ao Judaísmo, a mulher
passou a ser oprimida, inclusive, pela sua constituição corporal. Começou a receber menos
mandamentos do que os homens, o que a diminui em sua dignidade, pois para o povo de
Deus, a glória era viver segundo a lei de Deus. Nesta época, até os seus ciclos menstruais
foram considerados impuros, e elas segregadas em muitas esferas da vida (FURTADO,
2022, p.115). No entanto, ainda de acordo com esta teóloga, “Jesus resgatou a dignidade das
mulheres, pela sua práxis libertadora, e a Igreja Primitiva parece ter assimilado as
esperanças de Jesus ao introduzir um ritual de iniciação não sexista, como o
batismo” (BINGEMER, et al, 2008, p.92). Para ela, “o batismo trouxe uma ruptura radical
com o passado, surgindo um novo modo de ser. Com esta ruptura o batizado se faz
semelhante a Cristo, por uma morte semelhante à sua” (BINGEMER, 2010, p.36). Jesus foi
revolucionário, e na Igreja Primitiva a mulher era ativa, engajada, discípula, missionária,
líder, e responsável pelas igrejas domiciliares.
De acordo com Ana Maria Tepedino, Jesus não fazia acepção de pessoas. “A todos
acolheu e com todos se relacionava da mesma forma” (TEPEDINO, 1990, p.82). Ela cita a
feminista Elisabeth Schüssler Fiorenza, dizendo que esta teóloga vai ainda mais além,
quando afirma que as mulheres exerciam liderança, como apóstolas, em situação de
igualdade com os 12” (IDEM, p. 90). Entretanto, o forte androcentrismo em Israel,
decretava que o fato de se nascer homem ou mulher determinava um grau de maior ou
menor dignidade da pessoa.
A teóloga Tereza Cavalcanti (2002, p.355), nos relembra que, na sociedade judaica,
no século II d.C., os judeus rezavam três vezes ao dia uma oração em que “agradeciam por
não ser mulher”. Talvez esta compreensão, ajude-nos a entender que a liderança de
mulheres, dificilmente, poderia ser aceita por muito tempo, em uma sociedade, com tão
fortes padrões androcêntricos. Este pode ser o motivo para que, entre os escritos de Paulo,
onde há forte valorização da mulher, exista uma passagem, nas Cartas Paulinas que, no
início do século XIX, passou a ser usada para marcar a mulher, na esfera doméstica,
submetendo-a ao marido, mandando-a se calar na Igreja. Passagem não compatível com as
ações de Paulo, que levou diversas mulheres a assumirem cargos de liderança em suas
comunidades, inclusive, citando-as, nominalmente. De acordo com o biblista Jerome
Murphy O`Connor (1996, p.296), esta passagem não foi escrita por Paulo. Teria sido uma
inserção feita, posteriormente, como aconteceu com outras passagens.
Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas
dos santos. As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é
permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. E se querem
aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é
vergonhoso que as mulheres falem na igreja (1Cor 14,34-35).
Aos poucos o Cristianismo para penetrar no mundo grego e Romano, foi se
afastando de alguns importantes aspectos da revolução de Jesus, e ao aproximar-se da
filosofia estoicista, deixou penetrar em sua doutrina não só os aspectos positivos, mas uma
forte negatividade sobre a sexualidade. Esta passou a ser vista como pecado, e admitida
apenas em função da ‘procriação’. Com isto as mulheres voltaram a ser vistas como
inferiores ao homem, e consideradas traiçoeiras e pecadoras. Pouco a pouco, foram
FURTADO, Maria Cristina S.
Mulheres, sociedade e a Igreja Católica Apostólica Romana
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.135, p. 33-41, Jul./Dez./2023. ISSN On-line: 2763-5201.