Este artigo es licenciado com a licença: Creative
Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0
International License.
VIU-O E MOVEU-SE
DE COMPAIX Ã O
estudo hermenêutico-teológico da
parábola do bom samaritano
HE SAW HIM, HE TOOK
PITY ON HIM
hermeneutic-theological study of the
parable of the good Samaritan
Marcos Alcântara*
Anderson Costa Pereira**
Resumo: O artigo apresenta um breve estudo hermenêutico-teológico da
parábola do bom s amar it ano, narrada somente pelo evange li s ta Lucas (cf .
Lc 10,25-37). Apresenta, de maneira suscinta, uma visão geral do
Evangelho segun do Lucas, seg ui nd o alguns passos metodológicos qu e
ajudam na compreensão do texto bíblico. Em seguida, contextualiza a
referida perícope dentro do Evangelho, apresentando um comentário que
ajuda na compreensão do texto. Por fim, elabora-se algumas conclusões que
ajudam o leitor a refletir sobre a atualidade da parábola.
Palavras-chave:Jesus. Bom samaritano. Próximo. Evangelho segundo Lucas.
Abstract:The article presents a brief hermeneutic-theological study of the parable
of the good Samaritan, narrated only by the evangelist Luke (cf. Lk 10,25-37). It
presents, in a succinct way, an overview of the Gospel according to Luke,
following some methodological steps that help in the understanding of the biblical
text. Then, contextualizes that pericope within the Gospel, presenting a comment
that helps in understanding the text. Finally, some conclusions are drawn up that
help the reader to reflect on the actuality of the parable .
Keywords: Jesus. Good Samari t an. Neighbor. Gospel according to Lu k e.
v. 38, n. 130, Passo Fundo,
p. 51-61, Jan./Jun./2 0 21 ,
ISSN on-line: 2763- 52 01
DOI: dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v38i130.49
* Doutor em Teologia Bíblica pe la Pontifícia
Universidade Gregoriana Roma.
Missionário presbítero da Diocese de
Ilhéus/BA.
E-mail: macalcantara@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0002-5998-9277
** Especialista em Sagradas Escrituras pe la
Faculdade Claretiana e em Ciências da
Religião pela Faculdade UnyLeya. Presbítero
da Diocese de Pinheiro/ MA.
E-mail: pereira-anderson1@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0001-9557-6026
Recebido em 27/1 1/2 0
Aprovado em 16/02/21
52
INTRODUÇÃO
Este artigo nos coloca em contato com uma das parábolas mais belas e conhecidas de
todo o Novo Testame nt o, a sabe r, a p ará b ol a do bom samaritano (cf . Lc 1 0 ,2 5- 37 ).
Trata-se de u ma das parábolas exclusivas de Lucas
1
, inserida na dinâmica do longo
caminho empree ndi do por Jesus rumo a Jerusalém. Sem dúvidas, é um daqueles episódios
em que J e su s esbanja misericórdia, o que é muito recorrente no Evangelho lucano, o
chamado Evangelho da misericórdia
2
.
Sem dúvidas, esta parábola está entre as mais popu lare s histórias contadas por
Jesus
3
. Entretanto, o fato de ser muito popular pode nos passar a impressão de que a
entendemos bem, ou pior, não nos impactar à força de sua mensagem. Não nos deixemos
enganar, achando que conhece mos o suf ic ie n te o te xto, mas perm it amos ser i nt e rpe lados
pela sua mensagem, que nunca perdeu sua atualidade e, tampouco, a sua força comunicativa.
Assim sendo, este artigo deseja auxiliar-nos, de tal modo, que compreendendo a
estratégia literária lucana, possamos aprofundar um pouco mais sobre esta parábola.
Primeiramente, procura-se elucidar alguns tópicos fundamentais para a compreensão do
Evangelho segundo Lucas. Em seguida, situa-se a parábola em questão dentro de seu
contexto mais amplo a partir da estratégia narrativa do autor. Por fim, elabora-se a
conclusão, a partir da atualidade do tema, iluminado pelo texto bíblico parabólico.
1 OEVANGELHO DE LUCAS
Ler o Evangelho segundo Lucas é tornar- se testemunha e deixar-se invadir pelo
poder de Jesus ressuscitado que, através da sua Igreja, ao longo dos séculos, proclama a Boa
Nova do Reino de Deus (cf. Lc 9,2.27). A vida e a mensagem de Jesus se descobrem através
do testemunho das comunidades concretas e diversas. Lucas não usa muito o termo
Evangelho (só duas vezes em Atos) mas utiliza 25 ve ze s o verbo evangelizar
4
. O
Evangelho, neste sentido, é mais do que uma ação, um conteúd o, é uma pessoa: Jesus
Cristo vivo e atuante através das suas testemunhas, na força do Espírito Santo (cf. At 1,8).
1.1Autoredestinatá rio
Desde o século II a obra foi considerada de Lucas. Muitos e st u di os os at ri bu e m-n o a
profissão de médico (cf. Cl 4,14) e o ident if i ca m com o discípulo e colaborador de Paulo
(cf. Fm 23ss, 2Tm 4,11). Porém, essa relação entre Paulo e Lucas vem sendo questionada,
visto que m ui t as diferenças entre a teologia paulina e lucana
5
. Dados extra bíblic os
informam que Lucas era um sírio de Antioquia que morreu na Boécia (Grécia)
6
.
1 Os Evangelhos sinóticos apresentam um total de quarenta parábolas, das quais vinte e nove estão no Evang e lh o de
Lucas e dezesseis aparecem nesse evangelho, a saber: Lc 7,41-43; 10,25-37; 11,5-8; 12 , 13 -2 1; 13,6-9; 1 3 ,2 2- 30 ;
14,7-11; 14,25-33; 15,8-10; 15,11-32; 16,1-8; 16,19-31; 17,7-10; 18,1-8; 18,9-14. cf. Michel GOURGUES. As
parábolas de Lucas: do contexto às ressonâncias. São Paulo : Loyola, 2005; Luise SCHOTTROFF. A s parábolas de Jesus: uma
nova hermenêutica . São Leopoldo: Sinodal, 2007.
2 Um estudo detalhado sob re o Evangelho da misericórdia po de mos encontrar em Johan KONINGS; M A ZZ A R O L O
Isidoro. Lucas: o evangelho da graça e da misericórdia (comentário-paráfrase). São Paulo: Loyola, 2016; Augus t in
GEORGE. Leitura do evangelho segundo Lucas. São Paulo: Paulinas, 1982; Carroll STUHLMUELLER. Evangelho de
Lucas. São Paulo: Paulinas, 1975.
3 O sentido literal da palavra parábolas é lançar ao lado. É uma história que con ta outra história. As parábolas são
metáforas que nascem da realidade cotidiana, de situações corriqueiras, mas sempre trazem um elemento que foge
dos padrões normais. A mensagem é indireta e tem como objetivo causar impacto e qu e m a ou ve é convidado a
tomar uma posição. É um texto aberto e dinâmico.
4 Cf. Gerhard KITTEL e Gerhard FRIEDRICH, Compendio del diccionario te oló gi co del nuevo testamento, p.212.
5 Cf. Eduard LOHSE, In t rod uc ci ón al Nuevo Testamento, p.166.
6 Raymond E. BROWN, Int rodu ç ão ao Novo Testamento, p.378.
ALNTARA, Marcos; PEREIRA, AndersonCosta.
Viu-o e moveu-se decompaixão: estudo hermenêutico-teológico daparábola dobom samaritano
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.38, n.130, p. 51-61, Jan./Jun./2021.ISSNon-line: 2763-5201.
53
Apesar da falta de consens o dos estudiosos em determinar q ue m é o autor do
terceiro Evangelho, estes estão dividi do s quase meio a meio quanto à aceitação da
historicidade dessa atribuição a Lucas, no caso de ele ser o autor de Lucas-Atos
7
.
Apesar das obras lucanas (Lucas-Atos) serem dedicadas à certo Teófilo, é evidente
que destinam-se a leitores cristãos de cultura grega, possivelm e nt e de A n ti oq ui a da Síri a
ou da Ásia Menor
8
, como se pe rc e be pela língua, pelo cuidado em explicar a geografia e
usos da Palestina, pela omissão de discussões judaicas, pela consideração q u e tem pelos
gentios. Lucas a impressão que conhece a comunidade de Jerusalém, pois ele cita o
nome de várias mulheres (cf. Lc 8,1-3). Portanto, a estratégia narrativa de Lucas capacita o
seu leitor, sobretudo de cul tu ra grega, à compreensão das suas obras, pois muitos não
estavam familiarizados com os escritos judaicos aos quais os pregadores se referiam com
frequência ao explicar a história de Jesus
9
.
1.2AR E DAÇÃO DO EVANGELHO SEGUNDO LUCAS
1.2.1 Comp osi ção e dat a
De acordo com Brow n, na composição do seu Evangelho, Lucas utilizou como
fontes principais o Evang e lh o de Marcos, a Fonte Q e as próprias fonte s admitidas pelo
evangelista: as testemunhas oculares e os ministros da palavra que transmitiram a
narração do que aconteceu, e muitos haviam empreendido compilar relatos
10
(cf. Lc 1,1-
2). Estas demais tradiçõe s estão marcadas pelo trabalho do autor, que s e reflete, quer na sua
ordenação, quer no vocabulário, quer no estilo.
A arte e a sensi bi li dade de Lucas ao escrever manife st am-s e na sobriedade das suas
observações, na delicadeza de atitudes, no dramatismo de c e rt as narrações, na atmosfera de
misericórdia das cenas com pecadores, mulheres e estrangeiros, como se nota claramente
na parábola do bom samaritano. Ademais, o autor é influenciado pelo estilo dos
historiadores (cf. Lc 2,1-2) e dos poetas gregos; utiliza a tradução grega dos LXX e conhece
bem o Império Romano.
O terceiro Evange lh o é datado por vários autores, entre eles Kummel, por volta dos
anos 70 a 90
11
, porque Lucas deve ter conhecido o cerco e a destruição da cidade de
Jerusalém por Tito, no ano 70. Brown também defe nd e esta teoria e indica uma data não
posterior ao ano 100
12
.
1.2.2 O tempo de Jesus e o tempo da Igreja
Uma das ideias-mestras de Lucas é distinguir o tempo de Jesus (Lc) e o tempo da
Igreja (At)
13
. Sem esquecer a singularidade do acontecimento salvífico de Jesus Cristo, põe
em relevo as etapas da obra de Deus a partir de uma teologia da História. Mais do que
Mateus e Marcos, ao falar de Jesus e dos discípulos, Lucas pensa na Igreja, cujos
membros se sentem interpelados a acolher a mensagem salvífic a na alegria e na conversão
do coração. É isso que faz deste livro o Evangelho da mi se ri c órdi a, d a ale g ri a, da
7 Raymond E. BROWN, In t rodu ç ão ao Novo Testamento, p.378.
8 Cf. Jerome KODELL, Lucas. In: Diane BERGANT; Robert J. KARRIS, Comentário bíblico. 3.ed. São Paulo: Loyola, 2001.
9 Cf. Jerome KODELL, Lucas. In: Diane BERGANT; Robert J. KARRIS, Comentário bíblico, p.73.
10 Cf. Raymond E. BROWN, Introdução ao Novo Tes t ame n to , p.371.
11 Cf. Werner Georg KUMMEL, Introdução ao Novo Testamento, p.188.
12 Cf. Raymond E. BROWN, Introdução ao Novo Tes t ame n to , p.371.
13 Cf. Rafael A g u i rre MONASTÉRIO; Antônio Rodrìguez CARMONA, Evangelhos e Atos dos Apóstolos, p.284-285.
ALNTARA, Marcos; PEREIRA, AndersonCosta.
Viu-o e moveu-se decompaixão: estudo hermenêutico-teológico daparábola dobom samaritano
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.38, n.130, p. 51-61, Jan./Jun./2021.ISSNon-line: 2763-5201.
54
solidariedade e da oração. No respeito pelo ser humano, a salvação evangélica transforma a
vida das pess oas, com reflexos no seu inte ri or, nos seus comportamentos sociais e no uso
que fazem dos bens terrenos.
1.2.3 Es tru t u ra do Evang e lh o
Existem várias possibilidades de e st ru t ur ar o terceiro E van ge lh o. A estrutura que
aqui se apresenta pode ser dividida de forma esquemática em três grandes partes,
precedidas por uma parte introdutória, conforme estrutura oferecida por Monasterio e
Carmona
14
:
PARTE INTRODUTÓRIA:
Prólogo Literário (1,1-4)
Relatos sobre nascimento de João Batista e sobre o nascimento e infância de Jesus
(1,5-2,52)
Díptico introdutório apresentando a atividade de João Batista e a unção e provação
de Jesus (3,1-4,13)
PRIMEIRA PARTE: Atividade de Jesus na Galileia (4,14-9,50)
SEGUNDA PARTE: Caminho de Jesus para Jerusalém (9,51-19,28)
TERCEIRA PARTE: Atividade de Jesus em Jerusalém (19,29-24,53)
outros modelos possíveis de estruturação do Evangelho, de acordo com outros
comentadores, porém situaremos o texto do bom samaritano neste es qu e ma que se
encontra dentro da seg u nd a parte do Evangelho. Essa parte apresenta a subida de Jesus
para Jerusalém, sendo a parte mais longa de toda a obra. Nela t e mos o eixo central da
mensagem de Luc as: a comunidade cristã é uma comunidade que está a caminho. Durante
essa subida para Jerusalém, o evangelis ta apresenta Jesus ensinando, curando, discutindo
com seus discípulos e adversários , tudo isso como uma forma pedagógica de ajudar sua
comunidade a entender o que significa seguir Jesus e as exigências do discipulado
15
.
1.2.4 Um itinerário a seguir
Lucas é um dos evangelistas que apresentam de forma mais contundente o caminho
de salvação numa perspect i va universal. O tema do caminho ( δς = hodos:
caminho, estrada), na obra lucana, qualifica a vida e a identid ade da comunidade cristã. O
uso do verbo caminhar, que aparece 51 vezes no Evangelho e 3 7 vezes em Atos, confirma
essa tese
16
. Esse verbo aparece tanto nos relatos da i nf ânc ia, para indicar que os pais de
Jesus estão a cami nho de Jerusalé m (cf. 1,39 ; 2,3.41), co mo no final do episódio da
sinagoga de Nazaré (cf. 4,30), quando ungido pelo Espírito Santo, inaugura seu ministério
na Galiléia (cf. 4,14-9,50).
Ao longo de todo o Evangelho Jesus percorre um longo e árduo caminho. Nos
caminhos da Galileia, Jesus pregava e anu n ci ava a Boa-Nova do Reino de Deus (cf. 8,1).
Em Lc 9 ,5 1, Jesus toma decididamente o caminho de Jerusalém (cf. 9,51-19,27), se g u id o
por seus discípulos e grande multidão. Seu destino é Jerusalém, centro do poder religioso e
o coração de todas as expectativas e esperanças de Israel, onde será rejeitado e executado
numa cruz em total obediência ao Pai e, ressuscitado, cumprirá tod as as profecias a seu
respeito (cf. 24,27).
14 Cf. Rafael Aguirre M O NA ST ÉR IO ; Antônio Rodrìguez CARMONA, Evangelhos e Atos dos Apóstolos, p.284-285.
15 Rinaldo FABRIS, O Evangelho segundo Lucas. In: Rinaldo FABRIS e Bruno MAGGIONI, Os Evangel hos II, p.12-13.
16 Cf. Gerhard KITTEL e Gerhard FRIEDRICH, Compendio del diccionario teológico del nuevo test a me nt o , p.514-518.
ALNTARA, Marcos; PEREIRA, AndersonCosta.
Viu-o e moveu-se decompaixão: estudo hermenêutico-teológico daparábola dobom samaritano
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.38, n.130, p. 51-61, Jan./Jun./2021.ISSNon-line: 2763-5201.
55
Deste modo, o caminho de Jesus não termina com a chegada em Je ru s alé m, nem com
sua paixão e morte. Esse caminho continua nas cenas seguintes após sua morte e
ressurreição, com os discípulos de Emaús (cf. 24,28). Neste sentido, o caminho se
revestido de uma nova perspectiva em Jerusalém, quando, reunido com os seus apóstolos e
discípulos, Jesus sobe aos céus (cf. At 1,10-11) e, derramando o seu Espírito sobre todos
(cf. At 2,33), faz da sua Igreja, missionária peregrina do mesmo caminho, e nq u ant o
projeto de vida.
1.3Ot emadaMisericórdiadoPainoterceiroEvangelho
17
Com razão, Dante Alighieri definiu Lucas como scri b a mansuetudinis Christi
(escritor da docilidade de Cristo), justamente pela ênfase que ele à misericórdia do Pai
revelada por Jesus em relação aos pecadores e excluídos
18
. De fato, para muitos estudiosos,
o terceiro Evangelho é o Evangelh o da misericórdia, pois Lucas é o evang e lis t a que mais
vezes emprega o termo. Além disso, em Lucas temos uma Cristologia bem caracterizada
que apresenta um Jesus misericordioso e compassivo d ia nte das pessoas mais necessitadas e
excluídas. Ele é o embaixador da misericórdia e da justiça
19
.
Desde o início do Evangelho, a misericórdia de Deus é cantada ao recordar o que
Deus re ali zou pelo seu povo. Maria no Magnifica t profetiza: a sua misericórdia perdura
de geração em geração (1,50); Ele socorreu Israel, seu servo, lembrando de sua
misericórdia (1,54). Também Zacarias no Benedictus recorda a libert ão do povo realizada
por Deus para faz e r misericórdia com nossos pais (1,72) e a vinda do Messias como
uma ação mise ri c ordi osa: Graças ao misericordioso coraç ão do nosso Deus, pelo qual nos
visita o Astro das alturas (1,78).
O termo compaixão também é usado no Evangelho para referir-se à misericórdia de
Deus. A compaixão vem do verbo grego σπλαγχίζομαι (splangxizomai) e se refere aos
órgãos vitais (coração, r ins , pulmões e fígado)
20
. Portanto, agir com compaixão é sentir
com as entranhas. No Novo Testamento é pouco usado. Lucas usa apenas três vezes ess e
verbo para três passagens que estão em seu Evangelho: a reanim ação do filho da viúva
de Naim (7,11-17); a parábola do bom samaritano (10,29 -3 7 ); a parábola d o f i lh o pr ódi g o
(15,11-32)
21
.
2 APARÁBOLA DO BOM SAMARITANO (LC 10,25-37)
Na primeira parte desse artigo, apresentou-se, de forma sintética e dinâmica, o
processo literário narrativo no qua l Lucas desejava condu zi r o seu leitor a uma profunda
compreensão da mensag e m sempre atual presente na parábola do bom samaritano. Sendo
assim, inicia-se esta seg u nda e ú lt i ma parte situando a parábola num contexto mais amplo
do E van ge lh o de Lucas. Depois analisa-se o contexto específico e ime di at o da parábola e,
finalmente, apresenta-se hermeneuticamente a eficácia da mensagem contida no texto c om
toda a sua força comunicativa e sempre atual.
17 Sobre algumas passagens acerc a da misericórdia (6,36-38; 7,13-14; 7,44-48; 10 , 29 -3 7; 15,4-7; 15,8-10;15,11-31).
18 Cf. Jerome KODELL, Lucas. In: Diane BERGANT e Robert J. KARRIS, Comentário bíblico, p.73.
19 Isidoro MAZZAROLO, Lucas: a antropologia da salvação, p.14.
20 Cf. Gerhard KITTEL e Gerhard FRIEDRICH, Compendio del diccionario teológico del nuevo test a me nt o , p.831.
21 Para esta análise rec orre mos basicamente ao texto clássico de Helmut KÖSTER, splagcnon. In: Gerhard KITTEL,
Grande less i co del Nuovo Testamento, p.903-934.
ALNTARA, Marcos; PEREIRA, AndersonCosta.
Viu-o e moveu-se decompaixão: estudo hermenêutico-teológico daparábola dobom samaritano
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.38, n.130, p. 51-61, Jan./Jun./2021.ISSNon-line: 2763-5201.
56
2.1Ocontextodaparábola(Lc10,25-28)
O texto da parábola do bom samaritano sit u a-s e na segu nda parte do Evangelho,
conforme a divisão apresentada anteriormente. Atento ao contexto desta s eg u n da parte do
Evangelho, conforme o modelo estrutural apresentado, o narrador informa ao leitor que
Jesus está subindo para Jerusalém de forma resoluta, ou seja, Jesus toma a firme decisão de
partir para Jerusalém (Lc 9,51). Este versículo introduz a grande viagem de J e su s em
direção a Jerusalém, a qual ocupa uma extensão de dez capítulos (cf. 9,51-19,28) de um
total de vinte e quatro.
Como aponta Gourgues
22
,
A narrativa do bom samaritano figura na seção central do ev ang e lho de Lucas
(9,51-19,27), que tem por quadro a subida de Jesus a Jerusalém (...) vemos que
em Lucas a mai ori a delas (25 das 29) está situada ne s se quadro muito amplo,
que constitui uma das características de seu evangelho. Para este autor, o
episódio parece es ta r deslocado qu e a narrativa em Lucas está ligada à
discussão de Jesus com um legista sobre o maior mandamento da Lei. Ora em
Mc 12,28 -3 1 e Mt 22,24-34 essa discu ss ão não tem lugar por ocasião da subida a
Jerusalém, mas na própria Jerusalém, na série de controvérsias que marcam a
última etapa da missão de Jesus.
Portanto, é uma parte muito relevante para o conjunto da obra do terceiro
Evangelho. Este percurso, mais d o que geográfico, é um caminho teológico revelador do
modo como o Pai atua na história a partir do jeito de ser de Jesus e de construção da
identidade do discipu lad o maduro e convic t o que descobre e assume o processo formativo
que se no seguimento incondicional à Jesus
23
.
É fundamental perceber que a parábola do bom samaritano f oi elaborada em um
contexto coloqui al, em resposta à pergunta de um mestre da lei feita diretamente a Jesus,
que assumiu a centralidade de todo o diálogo, constituindo, deste modo, uma das páginas
mais be las e conhecidas do terceiro Evangelho. T ambé m é importante considerar que
nenhuma parábola de Jesus, sobret u do em Lucas, surgiu do nad a, mas das situações
concretas, a partir das interpelações dos seus interlocutores. Nesse caso específico, a parábola
ilustra a resposta de Jesus a um mestre da lei que, embora fosse um grande conhecedor das
Escrituras, lhe faltava a vivência do essencial, ou seja, a prática do amor fraterno.
Antes de compreender a parábola em si, é necessário conh e ce r o contexto que deu
origem a parábola. O v. 25 introduz o texto dizendo que E eis que um legista se
levantou e disse para experimentá-lo (Lc 10,25a). Lucas apresenta aqui o mesmo
verbo usado no episódio das tentações (cf. Lc 4,1-13): εκπειραζω (ekpeirazô), c u jo
significado é tentar, pôr alguém à prova. Esse indicativo é importante porque confere
um caráter satânico às intenções d o mestre da lei, pois, tentar Jesus, pondo-o à prova é a
atitude de satanás, conforme a linguagem bíblica.
Conhecida as motivações maliciosas do legis t a, concentremo-nos agora no conteúdo
da pergunta: Mest re, qu e farei para herda r a vida eterna?(v.25b). Se trata de uma
pergunta profundamente espiritual e inteligente, digna de um verdadeiro mestre da lei.
Como era próprio da cultura rabínica responder a uma pergunta com outra pergunta, Jes us
assim o faz, e responde pergunt and o exatamente o que a lei do Senhor di z a este respeito:
QueestáescritonaLei?Comolês? (v.26 ).
22 Cf. Michel GOURGUES, As parábolas de Lucas: do contexto às ressonâncias, p.15-1 6 .
23 Cf. Rinaldo FABRIS, O Evangelho segundo Lucas. In: Rinaldo FABRIS e Bruno MAGGIONI, Os Evangelhos II, p.12-13.
ALNTARA, Marcos; PEREIRA, AndersonCosta.
Viu-o e moveu-se decompaixão: estudo hermenêutico-teológico daparábola dobom samaritano
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.38, n.130, p. 51-61, Jan./Jun./2021.ISSNon-line: 2763-5201.
57
Como bom conhecedor, o mestre da lei re s ponde prontamente combinando duas
citações da Sagrada Escritura, a saber, Deuteronômio:Amarás o Senhor teu Deus, de
todo o teu coração, de toda a tua alma, com toda a tua força e de todo o teu
entendimento(cf. Dt 6,5); e Levítico: eateupróximocomoatimesmo(cf. Lv 19,18).
Resposta própria de quem examinava a Lei dia e noite, como era próprio do se u ofíc i o.
A dupla refe nci a veterotestament ária (Dt 6,5; Lv 19,18) será usa da, de
maneira diferente, nos outros sinóticos (Mc 12,28-33; Mt 22,34-40). Em
Mateus e Marcos, as duas citações estão separadas, Lucas uniu-as. Enquanto
Mateus en qu ad ra o mandame nt o do amor numa in te n ção polêmica doutrinal,
Marcos refere-o no domíni o apologético
24
.
Nas palavras de Schottroff
25
,
Entre Jesus e o intérprete da Torah ocorre um diálogo rico em conteúdo (...) O
intérprete da Torah faz de Jesus Mestre (...) O intérprete da Torah havia
recebido certa formação. Jesus é descendente de pessoas simples da Galileia (Lv
2,1-20). Ele é descrito como uma criança superdotada (Lc 2,40-52). Ele pode ler
a Torah na Sinagoga (Lc 4,16-21 ). Ele não tem uma f ormaç ão como a do
intérprete da Torah. Em toda cena, o intérprete permanece aquele que pergunta
e aquele que aprend e .
Teoricamente a resposta do mestre da lei foi perfeita, tanto que o próprio Jesus
reconheceu: Respondeste corretamente; faze isso e viverás (v.28). Jesus assim
ensinava aquele mestre da lei a como agir para receber a herança da vida eterna, colocando
como prioridade o amor a Deus ao próximo e a nós mesmos. Mas, sua tentativa de
justificar-se demonstrava o quanto sua vida religiosa estava distante desses mandamentos.
Diante da insistência do mestre da Lei em querer justifi ca r-se , Jesus conta a parábola do
bom samaritano para esclarecer quem é o nosso próximo e coloca a situação do próximo
ao inverso do que sempre pensamos.
Como sustenta Gourgues
26
, sem dúvida o verbo justificar-se (dikaioo) não deve ser
entendido aqui no sentido t eo lóg ic o que, aliás, Lucas conhece mas simplesmente no
sentido de que o legista quer justificar-se de ter posto uma questão, qu and o acaba de
mostrar que conhecia a resposta.
2.2Jesusnarraaparábola
Pelo conte xt o percebe-se que Jesus narra a parábola d o samaritano como resposta ao
legista após sua tentativa de justificar-se. Então, Jesus aproveita a oportunidade para
apresentar u m dos seus mais célebres ensinamentos sobre a misericórdia, tema esse tão
caro ao Evangelho de Lucas.
A parábola inici a-se do seguinte modo: U m homem descia de Jerusalém a
Jericó, e caiu no meio de assaltantes que, após havê-lo de spo ja do e espancado,
foram-se, deixando-o semimorto(v.30). Portanto, um homem, não identificado por
Jesus, percorria o caminho que ia de Jerusalém para Jericó. Apesar da distância entre as
duas cidades não ser tão grande (apenas 27 km), o t ext o sugere que aquele caminho era
perigoso e cheio de grandes obstáculos a começar pelo desníve l e nt re as duas cidades.
Enquanto Je ru s alé m estava 750 me tros acima do nível do mar, Jericó estava a
aproximadamente 300 me t ros sob o nível do mar. De fato, uma grande descida. Além
24 Ramiro Délio B. de MENESES, O Desvalido no Caminho (Lc 10,25-37): da audição à recitação pela decisão, p. 25.
25 Luise SCHOTTROFF, As parábol as de Jesus: uma nova hermenêutic a, p.159.
26 Michel GOURGUES, As parábola s de Lucas: do con te xt o às ressonâncias, p.18.
ALNTARA, Marcos; PEREIRA, AndersonCosta.
Viu-o e moveu-se decompaixão: estudo hermenêutico-teológico daparábola dobom samaritano
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.38, n.130, p. 51-61, Jan./Jun./2021.ISSNon-line: 2763-5201.
58
disso, tinha de atravessar o deserto de Judá. Era uma est rad a tão perigosa, que somente se
andava em grupo, considerando tanto os obstáculos da natureza quanto o perigo dos
assaltantes.
Impressiona-nos a atitude do sacerdote e do lev it a diante do homem que havia sido
assaltado. Diz o texto qu e casualmente, descia por esse caminho um
sacerdote(v.31a), ou seja, estava voltando de Jerusalém, sem dúvidas do Templo após
realizar seu serviço litúrgico, portanto completamente puro, conforme as leis de pureza
da época. Porém, viu-oepassouadiante (v.30b). A mesma cena de desprezo e indiferença
do sacerdote é repe t i da por um levita, auxiliar dos sacerdotes no serviço li t ú rg ic o do
Templo: Igualmenteumlevita,atravessandoesselugar,viu-oeprosseguiu (v.32).
Tanto o sacerdote como o levita passaram adiante, por quê? Por causa da Lei, pois
não podiam se sujar com sangue, ficariam impuros e não poderiam servir ao Templo
enquanto não pass ass e a quarentena. E, certamente, aquele homem estava ensanguentado
devido ao espancamento. O sacerdote e o levit a estavam seguindo as rubricas das leis
mosaicas. A lei estava acima da vida para a religião judaica do tempo de Jesus e, na pior das
consequências, impedia o povo até mesmo na prática do amor fraterno em tais situações.
Lucas está quebrando esta visão legalista, pois o que vale e agrada a Deus é a misericórdia.
Após a indiferença do sacerdote e levita, Jesus i nt rodu z um terceiro personagem na
história, desta vez um samaritano: certosamaritanoemviagem,porém,chegoujunto
dele, viu -o e moveu- se de compaix ão (v.33).Vale destacar que os samaritanos eram
considerados pelos j u de u s como uma raça sincrética, impura, sem v alor algum e,
consequentemente, inimigos dos judeus. Os samaritanos não eram considerados apenas
estrangeiros, eles também se caract e riz am como não crentes e idólatras porque, de acordo
com 2Rs 17,6-41, resultam de uma mis tu ra entre judeus e assírios, daí por que cultu av am
deuses pagãos.
Em 722 a.C. o Império Ass íri o conquistou Samaria, e n tão capital do Reino do Norte,
e deportou a população local e trouxe povos estrangeiros para habitar na ci dade (cf. 2Rs
17,6-41). Os novos habitantes levaram seus costumes e crenças religiosas para a Samaria.
Desde então, ela ficou conhecida pelo seu sincretismo, decorrente, sobretudo, das
celebrações de matrimônios mistos entre todos os povos que habitavam aquela
cidade/capital. Outro fato histórico é que quand o os judeus retornaram do Exílio da
Babilônia e começaram a reconstruir o Templo e a cidade de Jerusalém, mesmo em meio
às dificuldades, rejeitaram a ajuda oferecida pelos samaritanos, por causa da lei da pureza ,
como atesta o livro histórico de Esdras (cf. Esd 4,3-16).
Também vale ressaltar que no início de sua longa viagem para Jerusalém, os
discípulos de Jesus tinham sido re je i tad os pelos samaritanos (cf. Lc 9,53) e, log o em
seguida, Jesus apresenta um samaritano c om atitude s e comportamentos fraternos e cheio
de empatia revelados nos verbos fortes: ver, acolher, sentir compaixão, ajudar.
Na parábola temos duas at it u de s completamente opostas.De um lado, o sacerdote e
o levita que, ao verem a situação em que aquele homem se encontrava, preferiram ir por
outro caminho. De outro lado, som en te o samaritano que viu, sentiu compaixão e
aproximou-se.A parábola remete a u ma série de açõe s realizadas pelo samari t ano que
confirmam o se u amor pelo próximo: Aproximou-se, cuidou de suas chagas,
derramando óleo e vinho, depois colocou-o em seu próprio animal, conduziu-o à
hospedaria e dispensou-lhe cuidados (v.34). Nota-se que vários verbos são usados e
todos eles são verbos de ação.
O agir do samaritano não se resume somente naquele momento: No dia seguinte,
tirou dois denários e deu-os ao hospedeiro, dizendo: Cuida dele, e o que gastares a
ALNTARA, Marcos; PEREIRA, AndersonCosta.
Viu-o e moveu-se decompaixão: estudo hermenêutico-teológico daparábola dobom samaritano
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.38, n.130, p. 51-61, Jan./Jun./2021.ISSNon-line: 2763-5201.
59
mais,emmeu regresso tepagarei (v.35). Joachim Jeremias observa que o fato de Jesus
surpreendentemente remetê-lo ao agir como sendo a via para a vida, deve-se ent e nde r a
partir igualmente desta situ ação concreta: todo conhecimento teológ i co de nada serve, se o
amor para com Deus e para co m o próximo não determinar a direção da vida
27
.
2.3Aco ncl usã odaparábola
Interessante o fato que a parábola foi contada por Jesus como resposta à perguntaE
quem é o meu próximo? (v.29), agora, ao final do diálogo, Jesus devolve nova me nt e
uma pergunta ao mestre: Qual dos três, em tua opini ão , foi o pró x imo do homem
quecaiunasmãosdosassaltantes?(v.36) formando uma estrutura quiást ic a do texto:
A. Pergunta do mestre da Lei: Quem é o meu pr óx im o? (v.29 )
B. Pergunta de Jesus: Quem se mostrou próximo? (v.36)
B. Resposta do mestre da Lei: Quem agiu com misericórdia (v.37a)
A. Resposta de Jesus: vai e faze tu o mesmo (v.37b)
Na mentalidade judaica, o próximo era o parente, o companheiro de religião e, no
máximo, o estrangeiro radicado entre eles . Jesus vai inverter esta concepção mostrando
não quem é o meu próximo, mas de quem eu me faço p róxim o.
À pergunta de Jesus o legista responde: Aquele que usou de misericórdia para
com ele (v.37a). Para ele, este é o verdadeiro próximo. Apesar da resposta ser
indiretamente preconceituosa, pois o mestre da le i evita mencionar a pessoa do
samaritano, dizendo apenas aquele, e st á correta, pois revela algo jamai s visto até então
da parte de um mestre da lei: atribuir a uma pessoa humana o uso da misericórdia qu e é
atribuído somente a Deus em todo o Antigo Testam e nto. Esta é a única vez em que se
atribui a um homem o uso da misericórdia tão cara a Deu s
28
.
Na parábola do bom samarit ano, Jesus revela o rosto do Pai. Através de u m pecador,
pagão, herege , Jesus revela a face do Pai das misericórdias. Quem escuta atentamente esta
Parábola faz uma profunda experiência da misericórdia do Pai, revelado ple n ame nt e em
Jesus. Esta parábola quer, de fato, conduzir o leitor, segundo a est rat é gi a narrativa de
Lucas, às três parábolas da misericórdia do capítulo 15 com a mesma força comunicativa.
A parábola lança luzes a toda experiência humana com o conselho de Jesus ao mestre
da lei: Vai,etambémtu,fazeomesmo(v.37b), ou seja, o samaritano torna-se um modelo a
ser imitado pelo leitor de todos os tempos. Portanto, a força do imperativo é t ic o serviu de
proposta ao mestre d a lei na tentativa de abandona r todos os preceitos impostos pela
religião que impedem de se fazer o bem sem olhar a quem, isto porque é preciso ver no outro
um ser humano como condão real de possibilidade de fazer experimentar do amor de Deus.
CONCLUSÃO
À guisa de conclusão, propomos um redimensionament o da pergunta feita por Jesus
ao me st re da lei. A pergunta que se dev e fazer não é quem é o meu próximo? Mas, eu
sou capaz de me tornar o próximo de qualquer pessoa?. A parábola nos provoca e
estimula a sermos presença amorosa na vida de tantas pessoas que sofrem abandonadas à
27 Joachim JEREMIAS, Parábolas de Jesus, p.202.
28 Joachim JEREMIAS, Parábolas de Jesus, p.202.
ALNTARA, Marcos; PEREIRA, AndersonCosta.
Viu-o e moveu-se decompaixão: estudo hermenêutico-teológico daparábola dobom samaritano
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.38, n.130, p. 51-61, Jan./Jun./2021.ISSNon-line: 2763-5201.
60
beira do caminho. Ver, compadecer-se e cuidar são compromissos i nd is pe ns áve i s à vida
cristã e devem ser reassumidos com entusiasmo por todos os cristãos, de ontem e de hoje.
É preciso perguntar-se quem é este bom samaritano da parábola. Numa primeira
leitura podemos identificar cada leitor, pois Jesus deseja realçar a importância da
proximidade amorosa que devemos manifestar uns pelos outros, ainda que não seja tão
fácil assim sentir empatia pelos que se declaram nossos inimigos.
Porém, mais do que um ensinamento moral, Jesus revela-nos a capacidade intrínseca
que cada ser humano tem dentro de si para realizar-se, participando, de forma consciente e
ousada, da história da salvação. Em uma leitura cristã da parábola, o judeu que caminha de
Jerusalém para Jericó é figura da humanidade que desce da Cidade Santa para o lugar d a
perdição. Neste itinerário, o homem (a humanidade) é atacado por assaltan te s (o pecado
de Adão e Eva), que quase lhe rouba a vida. O sacerdote e o levit a - ou seja, os profetas do
Antigo Tes t ame nt o - nada podem fazer de verdadeiramente ef ic az para salvá-lo. E nt ão, é
do samaritano - imagem de Jesus - que vem o auxílio redentor. Depois de socorrê-lo, esse
samaritano o encaminha para uma hospedagem - a Igreja -, onde poderá receber o devido
tratamento (os Sacramentos).
A leitura atenta e profunda que realizamos nos levou a perceber e a descobrir que é o
próprio Jesus que se faz o próximo (bom samaritano) da humanidade. Ele veio libertar
toda a humanidade sofredora, vítima do próprio sistema totalme nt e descontrolado que e s t á
assaltando e espancando com crueldade e sem misericórdia. Por te r entranhas de
compaixão, Ele se aproxi ma, cuida, carrega, ou seja, Jesus repete tais atitudes com toda
humanidade e revela que o Pai deseja dar o Reino ao seu pequenino rebanho (cf. Lc 12,32).
Portanto, Lucas revela através da sua estratégia narrativa parabólica, que Jesus
revoluciona o pensamento religioso, polític o e social do seu tempo e de todos os tempos,
quando relativiza a lei mosaica da pureza, da teologia da retribuição, quando questiona o
sistema que exclui e marginaliza, quando revela a hipocrisia religiosa e pessoal.
Permitamos que a força comunicativa da parábola do Bom Samaritano cure nossos
corações de tod o preconceito e indiferença; abra nossa mente à compreensão de que
ninguém se salva sozinho e nos faça realmente sentir a alegria potencializada em todos os
gestos de solidariedade e serviço incondicional a quem mais precisa, a exemplo do homem
anônimo da parábola que encontrou no bom samaritano a presença amiga e solidária do
próprio Cristo Jesus.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BÍBLIA de Jerusalé m . Revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.
FABRIS, Rinaldo. O Evangelho segundo L u cas . In: FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os
Evangelhos II. 4.e d . São Paulo: Loyola, 2006.
GOURGUES, Michel. As parábolas de Lucas: do contexto às ressonâncias. São Paulo: Loyola, 2005.
JEREMIAS, Joachim. Parábolas de Jesus. S ão Paulo: Paulus, 2007
KITTEL, Gerhard; FRIE DR IC H, Gerhard. Compendio del diccionario teológico del nuevo testamento.
Grand Rapids, Michig an: Libros desafio, 20 0 2.
KODELL, Jerome. L u c as. In: BERGANT, Diane; KARRIS, Robert J. Comentário bíblico. 3.ed. São
Paulo: Loyola, 2001.
KUMMEL, Werner Georg . Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas 1982
LOHSE, Eduard. In t rodu c ci ón al Nuevo Testamento. Madrid: Cristiandad, 1 9 75 .
MARCONI, Benito. Os evangelhos sinóticos: formação, redação, teologia. 2.ed. São Paulo: Paulinas, 2004.
ALNTARA, Marcos; PEREIRA, AndersonCosta.
Viu-o e moveu-se decompaixão: estudo hermenêutico-teológico daparábola dobom samaritano
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.38, n.130, p. 51-61, Jan./Jun./2021.ISSNon-line: 2763-5201.
61
MAZZAROLO, Isidoro. Lucas: a antropologia da salvação. Rio de Janeiro: Mazzarolo Editor, 2004.
MENESES, Ramiro Déli o Borges de. O Desvalido no Caminho (Lc 10,25-37): da audi ç ão à recitação
pela decisão. Theolog i a Xaveriana. Bogotá, Colômbi a, v.58, n.165, p.19- 50 . Enero-Junio de 200 8 .
MONASTÉRIO, Rafael Aguirre; CARMONA, Antonio Rodrìguez. Evangelhos e Atos dos Apóstolos.
São Paulo: Ave Maia, 2006.
MOSCONI, Luís. Leitura Segundo Lucas. Edição do Cebi: São Leopoldo, 1991 (Coleção: A Palavra na
Vida).
SCHNELLE, Udo. Teo log ia do Novo Testamento. São Paulo: Academia Cristã: Paulus, 2010.
SCHOTTROFF, Luise. As parábolas de Jesu s : uma nova hermenêuti ca . São Leopoldo: Sinodal, 2007.
ALNTARA, Marcos; PEREIRA, AndersonCosta.
Viu-o e moveu-se decompaixão: estudo hermenêutico-teológico daparábola dobom samaritano
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.38, n.130, p. 51-61, Jan./Jun./2021.ISSNon-line: 2763-5201.