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FRATERNIDADE E DIÁLOGO:
COMPROMISSO DE AMOR
Cristo é a nossa paz. Do que estava
dividido fez uma unidade. (Ef 2,14)
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FRATERNITY AND DIALOGUE:
COMMITMENT OF LOVE
Christ is our peace, who has made the
two groups one. (Ef 2,14)
Romi Marcia Bencke*
Resumo: O principal testemunho do movimento ecumênico é o diálogo.
Em diferentes mome nt os da história o diálogo é assum id o como a
principal estratégia para a superação de conflitos e polarizações. Sem
diálogo não é possível a convivên ci a ente igrejas e nem entre religiões. No
entanto, o diálogo não pode ser compreendido como isento de
contradições. A partir de Martin Buber, o texto problematiza aponta os
limites do diálogo e pergunta pelas disposições dos diferentes sujeitos
envolvidos na Campanha da Fraternidade Ecumênica/2021 para a
promoção de espaços seg u ros de di álog o.
Palavras-chave:Diálogo. Jesus. Política. Ecumênico.
Abstract: The main testimony of the ecumenical movement is dialogue. At
different times in history, dialogue is assumed as the main strategy for
overcoming conflicts and polarizations. Without dialogue, coexistence between
churches and between religions is not possible . However, the dialogue cannot be
understood as free from contradictions. Based on Martin Buber, the
problematized text points ou t the limits of dialogue and asks about the
dispositions of the different subjects involved in the Ecumenical Fraternity
Campaign/2021 for the promotion of safe spaces for dialogue.
Keywords: Dialogue. Jesus. Politics. Ecumenical.
v. 38, n. 130, Passo Fundo,
p. 19-25, Jan./Jun./2021,
ISSN on-line: 2763-5201
DOI:dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v38i130.45
* Possui graduação em Teologia pela
Faculdade EST (1998) e me st rad o em Ciência
da Religião pela Universidade Federal de Juiz
de Fora (2014). Atualmente é secretária geral
do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do
Brasil.
E-mail: romibe nc ke @ g mai l.c om
https://orcid.org/0000-0002-8389-6230
Recebido e m 11/11/20
Aprovado em 09/02/21
1 Ele é parte do artigo com o mesmo título publicado no Livro do Curso
de Verão 2021 CESEEP.
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1DIÁLOGO PARA DERRUBAR MUROS DE INTOLERÂNCIAS
Não são poucos os textos, as palestras, conversas em lives que apon tam o diálogo
como caminho para a superação das intolerâncias. O diálogo é lembrado sempre que os
conflitos se ap rof un dam a ponto de inviabilizar o convívio entre diferentes culturas e o
respeito à diversidade de pensamentos.
Assim como tudo o que envolve a exist ê nc ia humana, o diálogo també m tem suas
dissonâncias, descompassos e desafinaç õe s. Neste sentido, o diálogo sozinho não é c apaz de
resolver desentendimentos, disput as por poder e exclusivismos culturais e religiosos. É
necessário tomar cuidado para que não se veja no diálogo alg o ingênuo em que desejos de
perpetuação de poder estejam ausentes. Te r em mente as disputas, as polaridades e as
dualidades inerentes à prática do diálogo é importante para não sucumbir à lógica
romântica de q u e o exercício do diálogo é isento do desejo de dominar o outro e de
convencê-lo da minha verdade. O diálogo pode servir de armadilha para alcanç ar uma
paz de cemitério, que é a paz que uniformiza e elimina todos os contrastes ou diferenças
geradoras de conflito.
O filósofo Martin Buber
2
, conhecido por desenvolver uma filosofia da Relação, do
Encontro e do Dialógic o, chama a atenção para três tipos de diálogo. O primeiro é o
diálogo autêntico, que pode ser falado ou silencioso. Neste diálogo, cada uma das pessoas
envolvidas tem em mente a outra pessoa, tanto na sua presença quanto no se u jeito de ser.
Os interloc u tore s se voltam um ao outro com a intenção de estabelecer entre eles uma
reciprocidade viva. Buber diz que este tipo de diálogo é raro e pressupõe a abertura para
sair-de-si-em-direção-ao-outro. O segundo tipo de diálogo é o que o filósofo chama de
diálogo técnico, que se estabelece unicamente pela necessidade de um entendimento
objetivo. O diálogo técnico faz parte dos bens essenciais e inalienáveis da existência
moderna. Por fim, o terceiro tipo é o monólogo disfarçado de d iál ogo. Ele acontece
quando duas ou mais pessoas, reunidas em um local, falam cada u ma consigo mesma por
caminhos tortuosos estranhamente e nt re laçad os. Neste tipo de diálogo não o
desprendimento de si. A presença da outra pessoa é admitida como uma parte do meu eu.
É o que Buber caracteriza como um dobrar-se-em-si-me s mo. Neste caso, o diálogo
torna-se uma ilusão e um jogo, que rejeita o real, confronta e desintegra a essência da
realidade
3
.
Tendo em conta as ambiguidade s presentes no diálogo e os tipos de diálogos
possíveis cabe m algumas perguntas essenciais, uma delas, é pelo horizonte do diálogo, o u
seja, o que desejamos alcançar com ele? Outra pergunta é até onde estamos dispostos a ir
para alcançar o objetivo? Estamos abertos a rever os pressupostos para a s u pe ração das
crises geradoras de intolerâncias? Reconhecemos o out ro como um interlocutor legítimo e
autêntico? Estamos dispost os a sair-em-direção-ao-outro ou estamos mais dobrados-
em-nós-mesmos? Estamos dispostos a reconhece r a autonomia do outro e a pluralidade
como um valor?
Estas perguntas pr ec i sam ser refletidas quando optamos pela realização do diálogo. A
tentativa de respondê-las nos oportunizará saber se estamos mais para um diálogo
autêntico, técnico ou para um monólogo.
Neste texto sugerimos o diálogo como um instrumento válido em contextos de
intolerâncias. O contexto do qual fala mos é o brasileiro, c u ja característica é de pluralidade
religiosa e cultural e de profu nd as desigualdades. Como país, o Brasil nunca lidou bem com
2 Martin BUBER, Do diálogo e do dialógico, p.53.
3 Martin BUBER, Do diálogo e do dialógico, p.58.
BENCKE, Romi Marcia
Fraternidade e Dlogo: compromissodeamor Cristo é a nossapaz.Doque estava dividido fez uma unidade. (Ef 2,14)
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a pluralidade, compreendida, desde sempre, como algo a ser suprimido. As es tra g i as para
a eliminação da pluralidade foram a violê nc ia e a imposição do crist i ani smo como a
religião ci vi liz adora de selvagens, como os colonialistas se referiam aos povos indígenas e
das não pessoas, como eram identificadas as pessoas africanas es crav i zadas . Apenas com o
batismo, indíge nas e africanos s e riam reconhecidos como seres humanos. O Brasil,
portanto, não construiu sua história a partir de experiências de diálog o e inclusão. Nossa
história é mais caracterizada por autoritarismos, violências e sub mi ss ão. Isso resultou no
extermínio e apagamento de diferentes culturas.
No entanto, ao mesmo tempo, que temos este passado v iol e nto e intolerante,
historicamente, ocorreu um movimento de negação da violênc ia e da intolerância.
Lilia Moritz Schwarcz chama a atenção de que se passou uma espé c i e de verniz
sobre a história brasileira que justifica a dominação e até a elogia, ao mesmo tempo que, a
encobre e minimiza.
Talvez por isso, durante tanto tempo existiu quem definisse a escravidão no Brasil
como a melhor, quando não é possível conceber um sistema como esse de
maneira positiva ou mais positiva; o racismo por aqui vigente como menos
perverso, mesmo diante de índices que revelam o oposto; a convivência de
gêneros como idílica, a despeito da violência que a acompanha; a relação com os
indígenas enquanto amistosa, apesar de nossa história mostrar o contrário...
4
.
Para a autora, esta tendência à negação da característica violenta de nossa história é
uma f orma de intolerância, porque não permite que a crítica e o atrito sejam percebidos. A
ausência da crítica e do atrito forja uma falsa sensação de paz a paz de cemitério se
não existem contradições e problemas não razão para debate e confrontos. A s
ambivalências e as dissonâncias s ão silenciadas s ob o argumento de que o Brasil é o país da
democracia racial, da cordialidade e da coexistência e nt re diferentes culturas e religiões.
Sob esta paz de cemitério invisibili zam-s e os conflitos que estão diariamente latentes e
presentes. O mito das horizontalidades oculta nossa cultura autoritária e vert ic ali zada. É
negando as hierarquias que elas são afirmadas e sutilmente impostas nas re laç õe s sociais,
perpetuando a cultura da escravização nas relações domésticas desiguais. Exemplo disso
identifica-se na forma como são estabelecidas as relações com as t rabal had oras domésticas.
uma elite q u e se nega reconhecê -l as como trabalhadoras e profissionais com direitos
trabalhistas, com direito ao descanso e ao lazer. Durante a pandemi a da COVID-19, esta
relação hierarquizada e com traços fortes da cultura escravoc rata ficou bastant e visível
quando muitos não concederam às trabalhadoras domé s t ic as o direito ao isolamento social,
garantindo o pagamento. Estes distanciamentos sociais hierárquicos são disfarçados com
comportamentos de uma afetuosidade falsa, que jamais permite que se ultrapasse a
fronteira entre casa grande e senzala.
Não é possível conversar sobre as intolerânci as no Brasil sem olhar para a história
brasileira, com abertura para retirar as muitas camadas de tradições inventadas e história
distorcida com o objetivo de negar os conflitos, os autoritarismos, o racismo e a violê nci a
sistêmica e estrutural que caracterizam nossa trajetóri a como paí s.
Se hoje vivemos em contextos polarizados, se a cultura do ódio se sobre ss ai , é
importante assumir q u e isso é a eb ul ão de questões que o Brasil não resolveu, entre estas
questões estão o racismo, a misoginia, a imposição de uma única religião e a negação de
outras, o patrimoni ali smo casado com o patriarcalismo. Todas estas questões, geradoras de
desigualdades e violências, his t ori came n te foram abafa das com a criação de mitos como o
da democracia racial, da festividade e do espírito acolhedor do brasile ir o.
4 Lilia Moritz SCHWARCZ, Sob re o autoritarismo brasileiro, posição e-book 2859.
BENCKE, Romi Marcia
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Importante enfatizar que as intolerâncias não são identificadas apenas nos conflitos
ou na negação da humanidade da outra pessoa. A intolerância pod e ser praticada de forma
muito mais sutil, que é impedindo que s e converse sobre nossas contradições e que se
silencie a voz das pessoas que historic ame nt e tiveram sua dignidade negada, a fim de
manter uma imagem di st orci da de um país que abraça todos os seus filhos e filhas. Esta
imagem às avessas precisa de fissu ras para que os conflitos silenciados possam emergir e o
diálogo necessário se realize de forma autêntica.
2 CRISTO É A NOSSA PAZ: DO QUE ERA DIVIDIDO, FEZ UMA UNIDADE - DESAFIOS PARA O
DIÁLOGO
Não é novidade que parte destas culturas do ódio e da violência são legitimadas ou
justificadas com o argumento da em Jesus Cristo. Ainda são vistas com bons olhos as
pessoas que optam por não ter religião, ou, optam por uma tradição reli g i osa não
monoteísta. Perseguem-se pessoas LGBTQI + sob o argumento de que vive m em pecado e,
por isso, precisam ser c u radas , em nome de Jesus. Orientam-se mulheres a aguentar a
situação de violência física ou simbólica a partir de textos-bíblicos como de Cl 3,1 8 -4 ,1 e Ef
5,22-6,9 e nega-se , em algumas situações, a liderança, a palavra e o protagonismo das
mulheres nas igrejas, utilizando-se de textos como 1Tm 2,8-15, 1Tm 1,1-2.15, 1Tm 3,1-
4.16 e 1Tm 5,1-6.21.
A pergunta a ser feita é, se a partir de Jesus Cristo, a cultura do ódio, das
discriminações, das de s i g ual dade s é possível. As narrativas dos Evangelhos contam a
história de um Jesus que sofreu as consequências das alianças entre os poderes religiosos,
econômicos e políticos do seu tempo. Neste sentido, nada mais i nco er en te com Jesus
Cristo do que instrumentalizar o seu nome para propagar o ódio, para legitimar e justifi car
estruturas sociais e projetos excludentes e violent os.
Precisamos ir à raiz para compreender como, historicamente, foram elaboradas
teologias que poss i bi li taram tanto a instrumentalização do nome de Jesus para argumentar
em favor de projetos autoritários e de exclusão, quanto para criar a imagem de que o
movimento de Jesus não confrontava as estruturas violentas de seu tempo.
Richard A. Horsley, em seu livro Jesu s e o Império, chama a atenção que, ao s e
categorizar Jesus como figura religiosa, foram deixadas de lado as implicações políticas e
econômicas de seu discurso e de sua prática. Quando se projet a na soc ie d ade antiga um
pressuposto ocidental moderno, Jesus é vi st o como uma figura individual que interag e
com o meio social em que estava inseri do. A tendência é ver Je su s interatuando com
pessoas e não com grupos sociais e instituições políticas.
Historicamente Jesus foi despolitizado. A tendência é a de ignorar o fato d e que no
tempo em que Jesus viveu, a região que hoje conhecemos como Oriente Médio, incluindo
a Galileia e a Judéia, era controlada de forma violent a pe lo Império Romano, que saqu e av a
o povo pela cobrança de tributos. O povo que vivia nesta região provavelment e não era
passivo frente a esta dominação. Imagina-se que existissem muitas reações e protestos
contra e s te domín io imperi al. De forma que, é arriscado afirmar que Jesu s ten ha sido
indiferente diante da submissão imposta pelo Império Romano
5
.
Horsley apresenta alguns fatores que estão i nt e r-re lac io nados e que são importantes
para compreender a construção despolitizada de Jesus.
5 Richard A. HORSLEY, Jesus e o império, p.9.
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O primeiro fator é o pressuposto ocidental moderno, que nas reconstituições do
contexto em que Jesus viveu, separou a religião da política e da economia. Nas sociedades
ocidentais esta separação foi i ns ti t u ci onali zad a não apenas na separação entre religião e
estado, mas também da economia capitalista. No entanto, sabemos que esta separação não
é real nem no contexto em qu e Jesus viveu e nem no tempo em que nós vivemos.
Pensemos no papel do Templo na Palestina anti g a. O T e mplo não ti nh a apenas função
religiosa. Seu papel era político, econômico e religioso. Não é por nada q u e o Evangelho de
João 2,13-22 nos apresenta um Jesus que cri ti c a e reage à fu ão econômica desempenhada
pelo Templo. Não podemos ler este texto como um fato episódico. Ao expressar sua
contrariedade é de se suspeitar que Je s u s não estava criticando exclusivamente a venda de
animais que seriam utilizad os para os rituais sacrificiais. Sua crítica se dirige à cooperação
do Templo com o império romano.
O segundo fator é o individualismo, que é um desenvolvimento social relativamente
recente e caracterí st i co das sociedades oci de nt ais modernas. No entanto, mesmo assim, o
individualismo tem servido de pressuposto para interpretar o Jesus histórico. A
consequência disso é que imaginamos um Jesus alheio às disputas e aos c onf li tos de seu
tempo.
Ao d e sc ont e xtu ali zarm os e despolitizarmos Jesus podemos transformar a sua f i g u ra
em justificativa para qualquer situação, inclusive para a injusti ça, para nacionalismos, para
exclusivismos culturais, para a xenofobia, para o neoliberalismo. Quando afirmamos
Cristo é paz precisamos ver Jesus mais do que um instrutor individual despolitizado que
pronunciou aforismos isolados que podem ser aplicados a um estilo de vida contracultural
e individual e política e economicamente descontextualizados. Di f e re nt e di s so, a paz da
qual Jesus falava tem implicações políticas. Isso porque não é possível separar a dimensão
religiosa da vida político-econômica nas sociedades tradicionais .
Desde a perspecti v a da em Jesus Cristo, nem a paz e nem o diálogo podem ser
descontextualizados e despolitizados. A Campanha da Fraternidade Ecumênica/20 21 , ao
abordar o diálogo como compromisso de amor, e ao afirmar que Cristo é a paz que derruba
os muros das divisões e faz unidade , pretende problematizar e incidir nas estruturas
geradoras da violência e da cultura do ódi o. Esta incidência não pode ser única e
exclusivamente na sociedade, mas també m nas igrejas, considerando que a cumplicidade
entre igrejas e o poder mantenedor das estruturas opressoras cont i nu a se n do re ali dade .
O autor da carta aos Efésios, que inspira o lema bíblico da CFE/2021, incide em uma
comunidade polarizada. Nesta comunidade, judeus, que reconheciam Jesus como o Filho
de Deus, entendiam que o s gentios (pessoas de outras tradições e culturas) que também
reconheciam Je s u s como o Filho de Deus, não poderiam participar da comunidade por não
serem circu nc id adas . Havia, portanto, uma compreensão de que existia um grupo mais
legítimo do que outro. Diante do conflito, o autor da carta aos E f é si os , afirma
categoricamente que em Cristo não divisões. Todas as divisões provocadas por
diferenças foram superadas, portanto, não vivência do Evangelho, fora da
comunidade de iguais. A única possibilidade de ser coerente com a Boa Nova é
transformando tudo o que gera desigualdade. Isso significa qu e a é política na medida em
que problematiza as alianças de poder e as transforma.
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3 DESAFIOS PARA QUE O DIÁLOGO SE REALIZE COMO COMPROMISSO DE AMOR
Qual diálogo d e se ja mos promover, o autêntico que implicará também em autocrítica
e em reconhecer o O u t ro como interlocutor legítimo? O diálogo técnico que é estabeleci do
unicamente pela necessid ade de um entendimento objetivo sobre determi nado assunto e
não promove mudanças. Ou o monólogo disfarçado de diálogo, em que as pessoas
participantes dobram-se-em-si-mesmas.
A maturi dade para o diálogo que desejamos realizar te m implicações na identificação
dos muros que precisam se r derrubados para que a unidade e a paz s e tornem realidades
políticas, e c onômi cas e religiosas. Esta maturidade te m relação sobre como ente nd e mos e
vivemos o cristianismo como religião. Nossa expe ri ê nc ia religiosa com o cristianismo
resulta em possessão e acriticidade? Se for esta a experiência, é importante saber que ela
mascara a face de Deus, pois projeta Deus em convicçõeshum anas engessadas. Toda a
convicção que não se abre para a dúvida termina por, mais ce do ou mais tarde, impedir que
se veja o rosto de Deus que está na Outra pe s soa , s e ja ela quem for. Se nossa experiência
com o cristianismo está orientada única e exclusivamente na obediência e cu m prim e nto de
dogmas elaborados, em algumas situações para a subjugação de algumas pessoas, então
estamos imunes à revelação d e Cristo. A revelação, conforme Martin Buber
6
, não vive a
perfeição de um passado.
Os dogmas podem expressar a tendên ci a humana em querer se g u ranç a. Esta
tendência faz com que tornemos a revelação em algo rígido, não encarnado na re ali dad e e
isento de liberdade para se manif e st ar e nos provocar. Neste sentido, temos o desafio de
não ter medo em que st i onar tudo o que aprendemos e afirmamos com veemência sobre
Deus. Esta abertura viabilizará que se viva, de forma autêntica, experiências de revelação
que ocorrem quando deixamos nos transf ormar pelo encontro com aquela pessoa que é
diferente de nós. Esta abertura poderia ser um antídoto contra os f u nda me nt ali smos .
Cristo é a nossa paz? Qual p az? A paz de cemitério que u n if orm iz a tudo, não abre
espaço para a di ve rs id ade e para o diálogo autêntico ou a paz vit al
7
que exig e o
reconhecimento das contradições humanas, a abe rtu ra para o diálogo autêntico e a
acolhida da d iv e rs id ade que nos constitui como seres vivos. Esta paz vital exige que a vida
se manifeste como um equilíbrio dinâmico entre nações, culturas e expressões de fé,
reconhecendo o valor e a legitimidade de cada uma delas.
Para tanto, precisamos recuperar o universalismo dos profetas, q u e não tinham
como horizonte a dissolução das sociedades e de suas formas diferentes de organização, mas a
transformação e a cura como base para a unida de . Os profetas e as profetizas nos
apresentam uma paz fruto da justa, que supera o individualismo e compreende que a vida em
sociedade é posvel se nos reconhecermos como s. Isso incide na forma como vivemos
nossa espiritualidade, que precisa estar intimamente entrelaçada com o mundo, com a vida,
com a ação. A espiritualidade se nutre da unidade da vida e da comunh ão com a C riaç ão.
Os desafios apresentados pe l a CFE/2021 são grandes quand o consideramos nosso
contexto polarizado e fundamentalista, em que o poder econômico e seus interesses são
colocados no lugar do Deus da vida e da diversidade. Esta Campanha desafi a a olhar e m
profundidade e com abertura para a nossa experiência de fé. Ela provoca que nos
reconheçamos uns nos outros e umas nas outras de forma empática e solidaria. Talvez
assim consigamos transformar a intolerância em respeito e amor ao próximo e à Criaç ão.
6 Martin BUBER, Do diálogo e do dialógico, p.51.
7 Martin BUBER, Do diálogo e do dialógico, p.22.
BENCKE, Romi Marcia
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BÍBLIA DE ESTUDO DA REFORMA. Almeida Revista e Atualizada. Barueri/SP: Sociedade Bíblica do
Brasil, 2017 .
BUBER, Martin. Do diálogo e do dialógico. São Paulo: Perspectiva, 2014.
HORSLEY, Richard A. Jesus e o império (Bíblia e Sociologia). São Paulo: Paulus, 2014.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
CONIC. Cri st o é a nossa paz: do que era dividid o fez uma unidade. Texto-Base V Campanha da
Fraternidade Ecumênica Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor. Brasília: Ed. CNBB,
2020.
BENCKE, Romi Marcia
Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor Cristo é a nossapaz.Doque estava dividido fez uma unidade. (Ef 2,14)
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.38, n.130, p.19-25, Jan./Jun./2021. ISSN on-line: 2763-5201.