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OS CEREAIS NA BÍB L IA
alguns aspectos ecoteológicos
THE CEREALS IN THE BIBLE
some ecotheological aspects
Matthias Grenze*
Cassiano Alberto Pertile**
Resumo: A ecoteologia envolve todos os sentidos, especialmente a
audição. Aprender a escutar o eco da criação, a voz que ora sussurra
como o vento refrescante (1Rs 19,12). Ora canta como a água que brota
dos montes (Is 41,18). Ora geme como a mulher parturiente (Rm 8,22) e
ora se revolta e mostra a sua face agressiva como uma terrível tempestade
(Jo 6,16-21). Para fazer ecoteologia é preci s o que o ser humano assuma o
seu papel de cocriador da obra divina. Como disse o Papa Francisco na
Laudato : [] a interpretação correta de ser humano como senhor do
universo é entendê-lo no se n ti do de administrador responsável (L S , 116).
Atualmente, a humanidade vem sofrendo com os efeitos de uma crise que
escorre por várias dimensões: social, econômica, ambie n tal, política, ét i ca,
sanitária, etc. Não pensemos, pois, que esta profunda crise
multidimensional foi provocada unica me nt e pela pandemia de Corona-
vírus. Na verdade, a catástrofe san it ári a apenas tirou a casca da ferida e
expôs a podridão de u m sistema econômico que é matricida, pois explora e
mata a mãe terra. O mundo pós-pandemi a, como muito se fala, não pode
voltar às práticas doentias que desembocaram no patamar atual que a
humanidade se encontra. Neste sentido, a Teolog ia tem um papel
fundamental na contemplação e no apontamento de novos ca min hos
sustentáveis para a humanidad e . Cada área epistêmica d o universo
teológico tem o seu lu g ar próprio de fala. A Teologia Bíblica, por exemplo,
pode olhar para a Sagrada Escritu ra e a partir dela construir uma reflexão
ecoteológica significativa. Procurando responder às demandas atuais, o
presente texto quer investigar e abrir caminho para futuras sistematizações
bíblico-ecoteológicas sobre c omo os povos israelenses antigos produ zi am
o seu alimento e como se relacionavam com a terra.
Palavras-chave: Ecoteologia. Cereais. Ter ra. Cultivo. Agricultura.
v. 3 8, n. 130, Passo Fundo,
p. 26 -3 8 , Jan./Jun./2021,
ISSN on-line: 2763-52 01
DOI:dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v38i130.39
* Possui Bacharelado em Teologia
(Philosophisch-Theologische Hochschule St.
Georgen Frankfurt am Main: 1989), Mestrado
em História (Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo: 2013), Doutorado em Teologia
(Philosophisch-Theologische Hochschule St.
Georgen Frankfurt am Main: 1995) e Pós-
Doutorado em Teologia (PUC-Rio: 2016). É
professor da Faculdade de Teologia da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). Leciona na área de Literatura
Bíblica, atuando nas disciplinas Exegese do
Antigo Testamento (Pentateuco, Profetas e
Livros Sapienciais), História de Israel,
Hebraico e Grego. Desde 2011, lidera o Grupo
de Pesquisa TIAT (Tradução e Interpretação
do Antigo Testamento). Membro da Society
of Biblical Literature (SBL).
E-mail: mgrenzer@pucsp.br
https://orcid.org/0000-0003-3490-3112
** Possui licenciatura plena em Letras,
habilitação em Língua Portuguesa, Inglesa e
respectivas literaturas, pela Universidade de
Passo Fundo (UPF). Bacharel em Teologia,
pela Itepa Faculdades. Especialização em
Espiritualidade pela Itepa Faculdades.
Mestrando em Teologia Bíblica pela PUC-SP.
E-mail: cassianopertile@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0002-6092-8455
Recebido em 14/11/2 0
Aprovado em 25/02/21
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Abstract: E cot he olog y involves all the senses, especially hearing. Learning to
listen to the echo of creation, the voice that now whispers like the cooling wind
(1Ki 19,12). Now it sings like the water that flows from the mountains (Is 41,18).
It sometimes moans like the parturient woman (Rm 8,22) and now it revolt s and
shows its aggre s si ve face like a terrible storm (Jn 6,16-21). To do ecotheology,
human beings must assume the i r role as co-creators of divine work. As Pope
Francis said in Laudato Sì: [] the c orre ct interpretation of a human being as
lord of the universe is to understand him in the sense of responsi ble
administrator (LS, 116). Currently, human it y has been suffering from the effects
of a crisis that runs through several dimensions: social, economic,
environmental, political, ethical, health, etc. Let us not think, therefore, th at this
profound mu lti di me n si onal crisis was caused by the Corona-virus pandemic. In
fact, the health catastrophe only took the skin off the wound and exposed the
decay of an economic system that is matricidal, as it exploits and kills mother
earth. The post-pandemic world, as muc h is said, cannot return to the unhealthy
practices that led to the current level that humanity i s at. In this sense, Theology
has a fundamental role in contemplating and pointing out new sustainable paths
for humanity. Each epistemic area of the th e olog i cal universe has its own place of
speech. Biblical theology, for example, can look at Sacred Scripture and build on
it a meaning f u l ecotheological reflection. Seeking to respond to current demands,
the present te xt wants to i nve s t ig at e and pave th e way for fu t u re biblical-
ecotheological systematizations abou t how the ancient Israeli people produced
their food and how they related to the land .
Keywords: Ecotheology. Cereals. Earth. Cultivation. Agriculture.
v. 3 8, n. 130, Passo Fundo,
p. 26 -3 8 , Jan./Jun./2021,
ISSN on-line: 2763-52 01
DOI:dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v38i130.39
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INTRODUÇÃO
Nas primeiras páginas da Bíblia, o legislador deuteronomista enfatiza o cuidado com
as árvores frutíferas em caso de sítio a uma cidade (Dt 2 0, 19 -2 0 ), recomendando que elas
não devem ser abatidas a golpes de machado. Um pouco ante s desta passagem, o texto
bíblico determina que o soldado que plantou uma vinha e ainda o colheu seus primei ros
frutos deve s e retirar do campo de batalha e voltar imediatamente para casa, a fim de
vindimá-la, para que não ocorra que ele morra na batalha e outro colha seus frutos (Dt
20,6). Pois quem plantou tem o direito de usufruir do resultado do se u trabalho.
A legislação deuteronomista coloca o direito à vida e à sobrevivência acima da
questão da propriedade privada: Qu and o entrares na vinha do teu próximo poderás comer
à vontade, até ficar saciado, mas nada carregues em teu cesto. Quando entrares na
plantação do teu próximo poderás colher as espig as com a mão, mas sem mete r a foice na
plantação do teu próximo (Dt 23,25-26).
Tanto a ordem de não derrubar ou feri r as árvores frutíferas em c aso de sítio a uma
cidade, como a regra que autoriza a pessoa faminta a se alimentar na vinha ou no campo de
outrem, estabelece um princípio ético que normatiza as relações e, de certa forma, põe e m
de igualdade o re s pe it o dos seres humanos en tre si e com a natureza. Tal recomendação
de preservação e cui dad o fazia sentido na antiguidade, pois a sobrevivência da aldeia
dependia da vida da fauna e da flora do entorno de determinado grupo social.
Neste se nt id o, propomo-nos escutar o eco da cri ão e, a partir disso, construir
uma refle xão bíblico-ecoteológica sobre a presença d os cereais na Bíblia (trigo, cevada,
espelta e painço). Aqui serão apres e nta das algumas evidências sobre o processo de
domesticação destas espécies, cultivo, colheita e utilização. O ponto de partida é a relação
estreita entre o homem bíblico e a terra.
1OCULTIVO DO SOLO E A CONSOLIDAÇÃO DOS GRUPOS SEDENTÁRIOS
Olhando para a Palestina da época de Jesus, observa-se uma grande dependência dos
cereais, legumes, óleo e frutas para a sobrevivência human a
1
. J. Jeremias ressalta que:
Entre as regiões produtoras de trigo, Eupolemo cita, ao lado da Transjord âni a, a Samaria e
a Galileia []. O trigo da Galileia passava em Je ru salé m por s e r de primeira qualidade
2
.
Contudo, a região da Judeia sempre sofreu com a falta de chuva e pela composição calcárea
e pedregosa do solo. Além disso, dois grandes cercos contribuíram para o
desflorestamento das cercanias da cidade: Pompeu em 63 a.C.; Herodes em 37 a.C.; é
provável que somente em parte’”
3
.
Na Antiguidade, de toda a região circunvizinha do Oriente Médio, a Palestina
possuía um considerável conjunto de técnicas agrícolas bem desenvolvidas para o seu
tempo. Isto pode ser comprovado a part i r da escavação de sítios arqueológicos, q u e
revelaram indícios do uso de objetos como a enxada para revirar o solo em
aproximadamente 7.000 a.C., em Jericó. Nesta mesma época e local foram encontrados
artefatos de cerâmica e/ou de pedra para a deb u lha (
מץֹ
) de cereais
4
.
Com o desenvolvimento das primeiras técnicas agrícolas, a condição sedentária
passou a ser favorecida. Foram encontrados registros de cultivo agrícola n a Palestina e na
1 O nome da cidade Betfagé, na Judeia, significa casa dos figos verdes (Cf. Joachim JEREMIAS, Jerusalém no tempo de
Jesus: pesquis as de his tóri a econômico-social no período neotestamentário, p.65).
2 Joachim JEREMIAS, Jerusalém no tempo de Jesus: pesquisas de história econômico-social noperíodo neotestamentário, p.60.
3 Joachim JEREMIAS, Jerusalém no tempo de Jesus: pesquisas de história ecomico-social noperíodo neotestamentário, p.62.
4 Cf. DEMIREL, Domestication of Wheat in Anatolia from the Neolithic Period to the Iron Age, p.10.
GRENZE, Matthias;PERTILE, CassianoAlberto.
Oscereaisna Bíblia:alguns aspectosecoteológicos
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.38, n.130,p. 26-38, Jan./Jun./2021.ISSN on-line:2763-5201.
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Ásia Menor que datam de aproximad ame nt e 7.000 a.C., sendo estes os primeiros lugares
do mundo a cultivar a terra:
Foram descobertos indícios de agricultura primitiva em Qalat Jarmo (c. - 6000),
Muallafat (c. - 6000 a - 5000), Chatal Huyuk (c. - 70 00 ), Hacilar (c. - 7000),
Tepe Sarab (c. - 7000), Uadi Tahunet (c.- 7000) e Jericó (c. - 7000 ou mais),
estações arqueológicas situadas no Curdistão, nos planaltos da Anatólia, do Irã e
da Palestina onde se encontraram os mais remotos testemunhos do cultivo das
terras, em níveis acerâmicos (anteriores ao aparecimento da olaria); muito mais
antigas d o que as do Egito, Creta, Chipre, Síria e Turcomênia que não vão além
de 5000 a.C. , não havia mais contradição para as aq u i si çõe s de ordem
fitogeográfica e ecológica que correspondiam afinal à própria evidê nci a dos
fatos
5
.
O início do período Neolític o
6
foi marcado pela consolidação do processo de
sedentarismo das tribos, viabilizado pelos avanços das técnicas agrícolas: O trigo foi uma
das primeiras cultivares domesticadas, junto com a cevada, a lentilha, o linho e algumas
variedades de ervilhas. Estas espécies foram as principais cultivadas nas alde i as do período
Neolítico, no Oriente
7
.
2DESENVOLVIMENTO E APRIMORAMENTO DE TÉCNICAS AGRÍCOLAS NO ORIENTE MÉDIO
Os relatos bíblic os do AT mos tram que os is raelitas cultivavam v ários cereais
(
בַּר
) como: a cevada, o trigo, o painço e a espelta. Alé m de vegetais como a fava e o
fe ijão. Embora a re gião de Israel sofresse com as condições adversas de clima e de
relevo, o que impedia o cultivo de ve getais em vários pontos do Estado, conforme
veremos a seguir, os estudos arqueológicos indicam qu e as técnicas agcolas
praticadas eram relativamente desenvolvidas se comparadas a outros povos
contemporâneos.
Os mais antigos restos de cereais descobertos foram na região do Irã e
remontam acerca de 7.000 a.C. Ao que tudo indica, são espécies de trigo,
lentilha e ervilha, usados para preparar uma espécie de papa
8
.
O aprimoramento das técnicas de cultivo das lavouras possibilitou a expansão d as
espécies domesticadas e a maior disponibilidade de alimento. Inicialmente, o plantio
acontecia com o uso de uma estaca ponti ag u da que perfurava o solo, abrindo pequenas
covas onde as sementes (
זֶרַע
) eram lançadas e, pos te ri orm en te , cobertas com uma
pequena camada de terra.
Mais tarde, a descoberta da enxada e da foice veio associada a uma expansão da
qualidade de vida daqueles agrupame nt os humanos. Com a enxada, os agricultores podiam
revirar a terra com mais facilidade, o que garantia a maciez do solo para o
desenvolvimento das plantas. A foice servia para cortar a capoeira que crescia no entrono
das lavouras e ameaçava sufocar as plantações.
5 José H. LO BO , As orig e ns da agricu lt u ra. In: Revis t a de História , v.38, p.2 .
6 A Pré-História di vi de -s e e m Id ade da Pedra (Paleolític o qu e v ai de s de o surgimento da hu man id ade até 8.000 a.C. e
Neolítico de 8.000 a 5.000 a.C.) e Idade dos Metais (Idade do Cobre 5.000 a.C. a 3.000 a.C., Idade do Bronze 3.000 a
1.200 a.C. e Idade do Ferro, incluindo a Antiguidade Clássica e Tardia 1.200 a.C. a 476 d.C.)
7 DEMIREL, Domestication of Wheat in Anatolia from the Neolithic Period to the Iron Age, p.11.
8 J osé H. LO BO , As orig e ns da agricu lt u ra. In: Revis t a de História , v.38, p.9 .
GRENZE, Matthias;PERTILE, CassianoAlberto.
Oscereaisna Bíblia:alguns aspectosecoteológicos
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.38, n.130,p. 26-38, Jan./Jun./2021.ISSN on-line:2763-5201.
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Encontraram-se nas estaçõe s arqueológicas de Jericó, na sua fas e mais antiga
corresponde a um aspecto tardio do natufense (chamado tahunense ±7.500
a.C.), almofarizes e pilões de pedra para a moenda, e foices com cabo de osso ou
de esgalho de veado e pequenos dentes de sílex engastados
9
.
Estudos apontam que o trabalho com a enxada, na região de Jericó, era destinado às
mulheres, sugerindo uma possível organização matriarcal, en qu ant o os homens ficavam
responsáveis pelo trabalho de caça de animais silves t re s: As mulhe re s trabalham a te rra, e
se for com a enxada podem revolvê-la []
10
.
Outras duas invenções de utensílios agrícolas datados de aproximadamente 7.000
a.C. foram encontradas em Hassuna, na Síria e n a Mesopotâmia:
Da Síria vieram enxadas de pedra e uns tabuleiros ou celhas de barro, em forma
de barco, que se crê terem servido para a debulha do cereal. Na Mesopotâmia
apareceu pela primeira vez a foice met áli ca. Assim iniciou -s e o corte baixo e
rente a terra das espigas, aproveitando a palha
11
.
3DISTINÇÕES IMPORTANTES
Os agrupame n tos sociais que compuseram o cenário redacional bíblico tinham em
seu cardápio cereais (1Rs 5,25; Lv 27,16; Jo 6 ,9 ), leguminosa s e legumes (2Sm 17,28) e
especiarias (Mt 23,23), pepinos, melões, verduras e alho (Nm 11,15). Destes vegetais,
certamente os mais citados na literatura bíblica são os cereais e os legu me s.
3.1Cereais
Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa):
Cereal é qualquer frut o ou semente da família das gramíneas que pode ser
utilizado como alimento. A s gramíneas são plantas herbáceas que apresentam
flores muito peq u e nas e frutos secos chamados grãos ou cariopses,
compreendendo cerca de 8000 espécies. Estas cariopses podem ser nuas,
apresentando somente o gérmen, o endosperma e a membrana da semente , ex.:
trigo, milh o e centeio ou apresentar a cariopse revestida, com a mesma
estrutura revestida de uma casca, ex.: arroz, aveia, cevada e sorgo
12
.
Desde a Antiguidade, os cereais eram destinados à alimentação humana e animal.
Inicialmente, eram consumidos torrados in natura ou moídos, o que possibilitou o maior
aproveitamento de sua composição e s se nc i al, como o glúten e a fibra veg e t al. Com a
descoberta da foice metálica pelos babilônios, a palha (
קַשׁ
) dos cereais passou a ser
oferecida como alimento para os animais.
3.2Leguminosaselegumes
A distinção entre leguminosas, legumes e alguns produtos oriundos da olericultura
não é precisa nem mesmo no universo da Botânica e da Enge nh ari a de Alimentos. Mas em
linhas gerais, as leguminosas:
9 J osé H. LO BO , As orig e ns da agricu lt u ra. In: Revis t a de História , v.38, p.1 2 .
10 DEMIREL, Domestication of W hea t in Anatolia from the Neolithic Period to the Iron Age, p.8.
11 José H. LOBO, As origens da agricultura. In: Revis t a de História, v.38, p.13.
12 EMBRAPA, 2019.
GRENZE, Matthias;PERTILE, CassianoAlberto.
Oscereaisna Bíblia:alguns aspectosecoteológicos
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.38, n.130,p. 26-38, Jan./Jun./2021.ISSN on-line:2763-5201.
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[] constituem uma família da classe das dicotiledôneas, muito rica em espécies
úteis ao homem. Abrigam plantas de peque no porte, arbustos e árvores c om
folhas compostas. Entre as plantas de pequeno porte e s tão alfafa (Medicago s at i va
L.), cornichão (Lat u s carnicuatus L.), ervilha (Pisum sativum L.), ervilhaca (Vicia
sativa L.), soja (Gycine max (L.) Merril) e trevos (Trifalium spp.), além de outras
espécies
13
.
Leguminosas são plantas arbustivas, sendo que suas sementes crescem em bagas ou
vagens. A m das citadas acima, incluímos ainda os feijões, ervilhas, le nt i lhas , favas, grão-
de-bico e amendoim. o legume pode se referir tanto ao fruto das leg u mi nos as c omo aos
produtos da olericultura. Por exemplo: para a Botânica, a cenoura é uma rai z, para a
Agronomia é uma hortaliça e para a Culinária é um legume:
Cientificamente na Botânica, os legumes são os fru t os resultantes da família
Leguminosae, tam m chamada de Fabaceae. É uma da s maiores fa míli as
botânicas, possui cerca de 650 gêneros e 18.000 espécies []. Seus frutos são os
legumes, que tem a característica de serem secos na maturidade, duros e terem
suas sementes protegidas por uma vagem que se abre em duas metades ao longo
da sutura e da nervura
14
.
O sistema radicular dos legumes e leguminosas é e xtre m ame nt e complexo, contanto
com retículos que absorvem o nitrogênio do solo, resultando em maior massa prod u ti va
dos seus frutos. Ainda por conta da eficiência das suas raízes, essas plantas costumam ser
um pouco mais resistentes que os cereais em terrenos pedregosos, onde a umidade
rapidamente é drenada após alguns dias de sol.
Legumes e leguminos as , portanto, são mais resistentes em regiões com grande stress
hídrico como a Palestina, sendo cultivadas em cant e ir os (Ct 6,2). A horta era o jardim do
pobre. Valendo-se de adubação e irrigação e isso podia consis t ir em molhar as plantas
com uma jarra dágua (Is 58,11)
15
. Não obstante , as crises de falta de alimento eram
frequentes em Israel, podendo ser agravadas por um ano de condições climáticas adv e rsa s
(Gn 12,10; 2Sm 21,1; 1Mc 9,24).
O pesquisador J. Jeremias mencionou a existência de um grande mercado de frutas e
legumes em Jerusalém, com produtos dive rs i fi c ados , em sua grande maioria comprados de
fora e revendidos na cidade. O esf orç o em abastecer este mercado era enorme, sobretudo
na época da Páscoa, quando a populaç ão quase dobrava. Nos períodos de estiagem, a região
sofria pela escassez de alimentos.
A alface, por exe mplo, era obrigatória; permitiam, porém, a chicória, o agrião, o
bredo, ervas amargas. Na Páscoa, o mercado de Jerusa m devia expor
condimentos, vinho e vinagre; misturados às frutas esmagadas, f ormav am a
massa ritual haroset
16
.
3.3Abóboraseespeciais
As abóboras formam uma diversificada família de plantas, sendo que, m ui t as vezes,
eram cultivadas no mesmo canteiro das especiarias. Da família das abóboras as mais
conhecidas são o melão, a melancia, o pepino, a abóbora cabotiá. O melão é da família das
13 EMBRAPA, 2019.
14 EMBRAPA, 2019.
15 DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DA BÍBLIA.
16 Joachim JEREMIAS, Jerusalém no tempo de Jesus: pesquisas de história econômico-soc i al no período neotestamentário,
p.67-68.
GRENZE, Matthias;PERTILE, CassianoAlberto.
Oscereaisna Bíblia:alguns aspectosecoteológicos
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Cucurbiteae, sendo que no continente africano foram catalogadas cerca de 30 espécies.
Indícios arqueológicos apontaram a sua ocorrência também no atual Oriente Médio, de s de
5.000 a.C.
17
.
Um fat o inte re s san te é qu e enq u ant o o melão era cultivado no Orient e di o desde
a Pré-História, no continente americano a espécie passou a ser plantada somente em 1 50 9
d.C., trazida pelos colonizadores espanhóis. Porém, as abóboras (Cucurbita sp.) eram
cultivadas neste continente desde 8.000 a.C. pelos povos do Norte do México, Chile e lado
Oriental da América do Norte (c f . CPRA, 2020). Os israelitas conheciam muitas plantas
descendentes das Cucurbiteae (Is 1,8; Jr 10,5). O seu cultivo acontecia em pequenas hortas
ou jardins (2Rs 21,18.26; Is 61,11).
O termo espe ci ari a deriva do latim (species) e se refere a vários produtos de origem
vegetal, sejam eles flores, frutos, sementes, c asc as, raízes e caules. A prin ci pal u t ili dad e das
especiarias é culinária e terapêutica, no caso dos chás obtidos por meio da infusão de
alguns caules, sementes e cascas. O uso medi ci nal das especiarias está associado ao
tratamento de doenças digestivas, gripes e resfriados, infecções em geral As especiarias s e
distinguem das ervas aromáticas, cujas folhas são o principal ingrediente.
O Oriente Médio conh e ci a várias plantas deste gênero, como a hortelã, (Mentha
spp.), o endro (erva-doc e ou funcho) (Anethum graveolens) e o cominho, (Cuminum
cyminum), Mt 23,23
18
:
Hortelã (Mentha spp.) planta perene de folh as opostas dentadas e peq u en as
flores que variam do branco ao violeta e que se desenvol ve m em espigas
terminais. Endro (erva-doce) e cominho: pertencem à família das Apiaceae. É
uma família de plantas [] aromáticas e de caule oco. Possui cerca de 30 0
gêneros, com mais de 3.000 espécies. As flores são pequ e na s e possuem simetria
radial com cinco sépalas, cinco pétalas e cinco estames. Estão dispostas numa
inflorescência em forma de umbela []. Várias espécies possue m
inflorescências apresentando dimorfismo nas flores, com pétalas externas mais
vistosas destinadas à atração dos insetos, enquanto as mais intern as são mais
discretas, destinando-se à reprodução
19
.
Outras especiarias diversificadas também faziam da culinária israelita, como o
cominho negro, a pimenta e a nigela (Is 28 ,2 5-2 7 ; Ex 16,31).
3.4Trigo
20
Com o av anç o do período Pré-h is t óric o Neolít i co a humani dad e sof re u u m lent o
processo de c ons oli daç ão do sedentarismo, passando da forma de vida caçadora-coletora
para o modelo agrário e suas variantes. A domest i caç ão do trigo e demais cereais teve um
contributo inimaginável para a nutrição animal e humana. Tempos depois, isto
possibilitou a organização dos primeiros sistemas econômicos e comerciais
21
.
Estudos arqueológicos e botânicos encontraram evidências de uma espécie de trigo
cultivada no Norte da Síria, chamada eikorn, por volta de 7.500 a.C. Conforme a literatura
17 Centro Paranaense de Referên ci a em Agroecologia (CPRA). Autarquia do governo do estado do Paraná:
www.idrparana.pr.gov.br. Acesso em 17/09/2020.
18 Também são originarias do Oriente Médio as seguintes especiarias: o aipo (Apium graveolens), o coentro (Coriandrum
sativum) e a salsa (Petroselinum crispum). O sabor des sas plantas é acentuado tanto nas folhas quanto nas sementes.
19 Rita de Cassia Alves PEREIRA e Odéci a Gomes dos SANTOS, Plantas condimentares: cultivo e utilização, p.10.
20 Triticum aestivum; Triticum durum; Triticale sp. é uma gramínea originária do Crescente Fértil, uma zona geográfica
que compreende desde a porção africana (Norte do rio Nilo) até a porção asiática (atuais Iraque e Kwait), no Médio
Oriente. Este cereal é o terceiro mais produzido no mundo, depois do arroz e do milho, segundo dados da FAO (2008).
21 DEMIREL, Domestication of Wheat in Anatolia from the Neolithic Period to the Iron Age, p.11.
GRENZE, Matthias;PERTILE, CassianoAlberto.
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botânica, esta g ramí ne a também era u sad a como forragem para os animais
22
, coincidindo
com o advento da foice, na Mesopotâmia, na mesma época. Outra espécie de trigo rústico,
emmer wheat, era cultivada na Ásia Menor por volta de 5.000 a.C. a prime i ra utilização
do trigo para pães que se t e m registro no Oriente Médio foi por volta de 2.000 a.C.
23
.
Na língua hebraica, a palavra trigo (
חִטָּה
) tem a me s ma raiz de hanat, que significa
embalsamamento ou conservação. À palavra trigo, associa-se um campo semântico grande
na Bíblia, que pode ser analisado levando em consideraç ão todas as suas especifi ci dad es
como: farinha, semeadura, lavoura, cultivo, forragem, entre outras.
O ci cl o de cultivo dos cereais, especialmente da cevada e do trigo estava associado à
vida religiosa e cultual de Israel. O calendário agrícola mais anti g o daquela localidade que
se t e m notícias é o Calendário de Gezer, localizado no início do século XX, na Palestina.
Sua escrita remonta ao período pré-hebraico ou hebraico paleolítico, com forte influên ci a
da cultura Persa. Este calendário foi elaborado pelos sacerdotes e incluía como parte do
processo de cultivo do trigo e demais cereais as festas cultuais.
O ritmo de v id a do povo sedentário era determinado pelos trabalhos na la vou ra,
sendo que depois das colheitas, vinham as festas (Is 9,2; Sl 126,5), que proporcionavam um
pequeno período de descanso, sem atividades no campo.
O sentido das f es t as judaicas não era somente cultual-prescritivo, mas estava
relacionado ao universo semita, que compreende o ser human o e a criação como
elementos indivisos. Portanto, constitui- se um binômio antropológico inse paráv e l entre
cultivo da terra e festejos, sendo que o ato de festejar era parte i nt rín se c a do ciclo
produtivo, assim como arar (
חרשׁ
) o solo antes do plantio, semear (
זרע
), capinar o inço,
ceifar (
קצר
), enfeixar (
עמר
) e debulhar (
מץֹ
).
Nesta mesma linha, os primeiros frutos ou pri ci as (Lv 23,9ss) tinham um valor
sagrado e, portanto, pertenciam a Deus, devendo ser entregues em forma de oferendas nas
festas respectivamente prescritas. Oferecer as primícias da lavoura ou do rebanho era o
mesmo que reconhecer que a terra e tudo o que ela encerra é propriedade de Javé. Mais
tarde, o apóstolo Paulo traduziu o ato escatológico e salvador de Cristo como imagem das
primícias da ressurreição (1Cor 15,20).
3.5Cevada
24
Na literatu ra bíblica, juntamente com a trigo, a cevada (
שְׂעֹרָה
) figu ra entre os
cereais mais populares. A g ramí ne a é mencionada 34 vezes no s textos sagrados. Na língua
hebraica, cevada é um substantivo feminino do qual se originam as palavras bode e
cabeludo. Estes dois termos li g am-s e por associação, pois o bode possui uma barbicha
embaixo do queixo, parecendo uma pequena cabeleira. A ce v ada, por sua vez, possui umas
farpas de palha de 8 a 10cm de comprimento, q u e saem juntamente com o grão e se
expandem para além do cacho, recordando uma cabeleira.
Na antiguidade, a cotação da cevada era me nor que o valor do trigo (2Rs 7 ,1 1; Ap
6,6) e considerada alime nt o dos pobre s . De ac ordo com on -Du f or: Os pães de cevada
são, sem dúvida, o alimento dos pobres
25
. No livro de Rute, a personagem luta pelos seus
22 Cf. DEMIREL, Domesticat ion of Wheat i n Anatolia from the Neolithic Period to the Iron Age, p.12.
23 Cf. CONAB, A cultura do trigo.
24 Hordeum sp. pertence à família das gramíneas e sua utili zaç ão remonta desde o Egito Antigo ou Oriente Médio (6000
5000 a.C.), mas foram os gregos e romanos que a utilizaram na produção de pão. Este cereal é o quinto mais
produzido no mundo e é utilizado tanto na alimentação humana como na ração de animais (EMBRA PA , 2019).
25 Xavier Léon DUFOR, Leitura d o evangelho seg u ndo João II, p.81.
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direitos, especialmente pelo direito de catar os restolhos de cevada nas lavouras de Booz
(Rt 1,22; 2,17; 2,23; 3,15; 3,17).
O te xt o bíblico de 2Rs 4,42 narra o prodígio do profeta Eliseu, que alimentou cem
homens adultos com vinte pães de cevada levados por um homem de Baal-Salisa.
Surpreendentemente, após todos comere m à vontade, ainda sobrou pão.
Ao que tudo indica, o relato da multiplicação dos pães de Jo 6,1-15 seguiu a tradição
veterotestamentária do segundo livro de Rei s , pois o texto joan in o traz a exclusiva
informação de que os cinco pães eram de farinha de cevada (κρθινος). No NT, a locução
adjetiva pães de cevada aparece duas vezes em Jo 6 ,9 .1 3 .
O texto do evangelho de J oão surpreend e pela precariedade da qualidade dos pães e
pela disposição do alimento em g e ral, pois era um menino, conside rado insignificante para
a sociedade judaica, quem ti nha os cinco pães e os dois pei xi nh os. Além di ss o, os famintos
formavam uma multidão de cinco mil homens. Mas foi desta condição pobre e precária
que veio a solução para saciar a fome daquelas pessoas.
O processo de cultivo das lavouras era pesado e exigia grande esforço, o que
contribuía para a diminuição da expectativa de vida das pessoas. Nesta empreit ada, era de
grande valia o uso da força animal para virar a terra antes do plantio e transportar o
produto das colheitas. Em alguns casos, os animais serviam também para fazer a debulha
de c er ea is como a cevada e de leguminosas como a lentilha ou ervilha, pois os cachos ou
vagens secas, quando pisados pelos casco s, se abriam e soltavam os grãos. Contudo, ainda
restava o trabalho pesado d e capina (Mt 13,29; Mc 13,16), que tinha duas finalidades
básicas: extirpar as ervas-dani nha s e afofar a terra, permitindo que os retíc ul os presentes
nas raízes dos cereais se aprofundassem no solo e extraíssem mais nutri e nt e s para a planta,
aumentando a produtividade.
Quando os campos estavam madu ros era hora de meter a f oi ce (Dt 16,9; Mc 4,29),
depois se deixava o cereal c ort ado secar ao sol uns dois ou trê s dias. Durante este t e mpo, os
cachos não podiam encostar no solo, poi s umedeciam e as sementes apodreciam; eles
deviam ficar suspensos do chão na própria palha do cereal. Passado este te m po, o produto
era rec olh id o e amarrado em feixes (Sl 126,6; Mt 13,30) e levado para a eira, onde e ra
debulhado pelo pisoteio de um animal ou por um bastão de madeira.
Em termos de composição do grão, a cevada é mais pobre que o trigo, porque
contém menos glúten, elemento responsável pela liga da massa e pela coloração
esbranquiçada da far in ha. Isto explica o valor comercial da c e vada ser inferior ao do trigo.
Além do pão, os grãos da cevada eram consumidos in natura torrados e serviam de
alimento para os animais, assim como a palha (
קַשׁ
).
Contudo, é importante que se di g a que os grãos da cevada e do trigo podem ser
ingeridos por animais ruminant e s, isto é, por bois, cabras, búfalos, cam e los, ovelhas,
veados, etc. Os animais não-ruminantes ou monogástricos como cavalos, coelhos, jumentos,
zebras, etc. não podem ingerir cereais in natura, pois eles contêm grande quantidade de
fibra, que não é processada pelo organismo, podendo intoxicar e levar à morte em poucas
horas. A cevada também era usada para a produção de cerveja (Jz 13,7; Is 29,9).
Estima-se que a produção média da cevada nos solos israelenses chegava a 1:5
26
.
Traduzindo e s t e valor para os pesos agrícolas atuais, significa que a cada saca de 60kg de
semente plantada colhiam-se 5 sacas de grãos de 60kg. Para se ter u ma ideia, atualmente,
segundo o relatório de acompanhame nt o da safra 2019/2020, produzido pela Companhia
Nacional de Abastecimento (Conab), o estado do Paraná é o maior produtor brasileiro do
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cereal, atingindo a marca de 1:66,66. Ou seja, cada saca de semente de 60kg plantad a rende
em média 67 sacas de 60kg por hectare ( ha)
27
.
Evidente que os números de produtividad e mencionados acima precisam ser lidos
dentro do cont e xto de cada época. Contudo, desde a Antiguidad e , era empregada no
campo a tecnologia que estava ao alcance de cada grupo social. Citam-se as descobertas da
enxada e da foice metálica e a construção da eira para debulhar os grãos, como avanços
agrícolas significat iv os.
Depois de debulhados, os grãos eram peneirados para separar a palha e as impurezas
(Am 9,9; Lc 22,31). Os cereais secos como o trigo e a cev ada podiam ser armazenados de
três formas básicas. Em silos subt e rrâne os , onde os grãos eram envolvidos e cobertos com
palha e te r ra, impedindo a entrada de ar e o consequent e aparecimento de carunchos. Nas
casas de armazenamento de grãos (1Rs 9,19; Lc 12,18) ou em vasos d e cerâmica tampados.
Em todos os casos, podia-se misturar um pouco de cinza para conservar os grãos.
Os artefatos de cerâmica eram variados e tinh am grande utilidade no universo
agrícola, servindo como recipientes para armazenage m de grãos, como pratos para as
refeições e para preparar os alimentos. O pão era assado na forma de um prato de
cerâmica e outros alimentos eram servidos nele. De modo que não era nec e ss ári a uma
mesa; se um hóspede chagasse, uma esteira servia ao propósito
28
.
3.6Espelta
29
ePainço
30
A varie d ade de cereais que os povos do Oriente Médio tinham ao seu alcance a partir
do período Neolítico Tardio propiciou-lhes uma dieta rica em carboidratos e proteínas. Os
cereais em geral, particularmente a variedade de trigo eikorn e a espelta poderiam suprir
por um tempo relativamente curto a carência de ingestão de proteína animal, c u ja única
fonte era a caça de animais silvestres. Pesquisas apontam que o consumo de cereais
colaborou para o aumento da expectativa de vida da humanidade. Muito embora, hoje, não
seja possível traçar com exatidão o mapa genético das variedades dos grãos cultivados, pois
as mudanças gené ti c as que estas gramíneas sofreram ao longo dos milhares de anos
alteraram os valores de sua constituição nutricional.
Evidências científ i c as apontam que:
A espelta produzia bem, comparada ao trigo, em regiões cuja precipitação
pluviométrica ficava entre 250-300mm de chuva por ano. Mas, em
consequência disso, os valores nutricionais da planta eram pobres. [] estima-
se que na Idade do Ferro a produção da espelta era de 140kg por hectare
31
.
27 Um hectare (ha) equival e a 10.000m². O hectare é a medida oficial para comerciali zaç ão de terras agrícolas no Brasil e
o pre ço varia de acordo com a característica do solo, com o tipo de planta que é cu lt iv ada na região e outros fatores
como o clima. Atu alme n te , órgãos competentes como a Embrapa, or ie nt am que a densid ade de plantio de cereais
como o trigo, a cevada e o milho s e ja de 1:1, ou seja, 1 saca de 60kg deve ser semeada em 1ha (Cf. CONAB, A cultura
do trigo).
28 NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO , p.1227.
29 Triticum spelta é uma cultivar da família das gramíneas, próxima ao trigo, inclusi ve , é considerada por muitos como
uma subcultura do trigo. Popularmente é chamada de trigo vermelho. É cultivada desde a Idade do Bronze em
regiões como a Europa, Ásia Menor e Orient e Médio (Idem, op. Cit.)
30 Panicum miliaceum L. é uma gramínea de ciclo anu al, cu lti va da para produção de gr ãos e para uti li zação na
alimentação animal (EMBRAPA).
31 Este valor (140kg/ha) significa que a cada saca de 60kg de sement e plantada em 1 hectare eram produzidos em média
2,33 sacos de 60kq de cereal. Como foi dito anteriormen te , este resultado é baixíssimo, pois a média de colheita da
cevada no Brasil na safra 2019/2020 foi de quase 67 sacas por hectare (Tim DENHAM e Peter WHITE, The
emergence of agriculture: a global vi e w , p.219; 2 22 , tradução no ss a).
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Segundo a Embrapa (2 0 19 ) a e spe lt a é u m subproduto do trigo, resultado de
mutações genéticas ocasionadas por uma combinação de f at ore s como: deficiência hídrica,
mudanças climáticas, variedade d e solos d e uma re g i ão para out ra onde o cereal era
produzido e o refinamento da semente. Conforme Denham e White:
Em 1988, pesquisas encontraram e vi nc i as de que o habitat primeiro da
espelta foi a Síria e o Norte da Turquia. Nesta mesma região foi detectada a
existência de uma espé ci e de trig o mais antig a que o eikorn e não muito
cultivada nas lavouras. Esta espécie pri mi ti v a de trig o pode te r mutado e
originado a espelta (ver Ex 9,32)
32
.
O profeta Isaías a entender que a es pe lt a era cultivada como um cereal de refúgio:
[] não semeia ele a nigela? Não espalha ele o comin ho? Não lança na terra o trigo, o
painço e a cevada e a espeltanum afaixamarginal? (Is 28,25, grifo nosso).
A técnica de plantio de refúgio ou barreiras naturais é usada ainda hoj e na
agricultura. Consist e em plant ar entorno da cultura principal uma planta de menor valor
ou com um potencial genético inferior. Desta forma, a plantação de refúgio funciona como
barreira natural para os insetos, pois eles atacarão primeiro as plantas de re f ú g io, que têm
normalmente ciclo breve, enquanto a cultura principal se desenvolve e foge do ataque
dos predadores. Hoje, para cultivar o milho transgênico é preciso que se f aça u ma barre i ra
natural não muito extensa, com sementes convencionais, a fim de que predadores como a
broca do milho, que de vor am a espiga ve rde atinjam primeiro a plantação de refúgio, que
naturalmente é menos produtiva.
O painço que foi mencionado neste texto é o que mais se assemelha a qu e le cultivado
no Orient e Médio Antigo (Is 28,25), cuja característica da planta lembra mui to o arroz
(existem outras variedades de painço muito parecidas com o sorgo, que produzem espig as
ao invés de cachos). A gramínea cresce aproximadamente 80cm a 1m e dife re nt e dos
outros cereais , é plantada exclusivamente na primavera, desenvolve-se no verão e é colhida
na entrada do outono. Na ponta da planta, surge um cacho com pequenas flores que se
desenvolvem em dezenas de grãos (pouco menores que um grão-de - bi co - Ez 4,9;).
Quando o painço está pronto para a colheita, os cachos amarelados se dobram e as folhas
do secam e caem, produzindo um espetacular campo dourado.
O cereal se adapta muito bem às regiõe s semiáridas, assim como a espelta. Ainda
hoje, tanto o painço de cacho como o painço de espiga são usados na alimentaç ão humana,
seus grãos podem ser torrados e consumidos in natura, como sopa, papa ou moído e
misturado com outros alimentos . Para a alimentação animal, o grão pode ser dado para os
bovinos moído e s e co ou triturado junto com toda a planta. No entanto, no Brasil, o
painço não tem expressão comercial significati va e é encontrado para compra em casas de
cereais e produtos naturais.
ÀGUISA DE CONCLUSÃO
Em geral, a re laç ão da sociedade israelens e antiga com a terra não se pautava
unicamente pelo vínculo extrativista. A criação era compreendida num estado de sinerg i a
ou interdependência. Atualmente, impulsionado pelos estudos da ecoteologia e pelos
escritos do Papa Francisco, aprofunda-se o sentido de ecologia integral e se busca no
descobrimento das práticas agrícolas do universo semita pi s tas para um agir sustentável e
para o avanço da re f le xão bíblica ecoteológ ic a.
32 Tim DENHAM e Peter WHITE, The emergence of agricultur e: a global view, p.2 2 0 (tradução nossa).
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Tanto
assim que causa surpresa para alguns leitores a menção a muitos vegetais
como leguminosas, legumes, abóboras e especiarias nos textos bíblicos. Muitas vezes s e
pensa que a agricultura israelense antiga se restringia ao cultivo do trigo. No entanto, de
todo o Oriente Médio, a região da Palestina foi pioneira no desenvolvimento de técnicas
agrícolas que possibilitaram o aume nto na oferta de alimentos e a expansão da expectativa
de vida.
Outro fator importante que a ecoteologia bíblica vem considerando nas últimas
pesquisas relaciona-se às fe stas. Os fe ste jos e os e spaços ce lebrat ivos não e ram um apêndice
na vida israelense, mas faziam parte do calendário anual e eram tão importantes como o
processo de plantio, cultivo e colh e ita.
Deste modo, o cultivo do solo era trabalho sagrado, assim como o oferecimento das
primícias das plantações e dos animais a Javé (Dt 26,1ss; Ex 34,26). Aliás, a espera pelos
primeiros frutos das lavouras gerava uma expectativa enorme nos aldeões. Afinal de
contas, aguardava-se dez ou onze meses para comer o primeiro cacho de uva do ano, por
exemplo. Hoje em dia, falar em primícias dos frutos não faz muito sentido, pois os
produtos estão dispostos nas gôndolas dos supermercados o ano inteiro, produzidos de
forma artificial.
A maior parte do tempo de vida das pessoas no Israel Antigo era ocupada com a
produção de alimentos. A relação com a terra e com os animais era de respeito e de
cuidado. Toda a criação, ou seja, se res humanos (escravos ou livres ), animais domesticados
para o trabalho, a terra e as plantações tinham o direito de descansar e refazerem as suas
forças (Ex 23,12; Lv 25,8-17). É mandamento divino evitar os maus tratos aos animais e
socorrê-los em caso de perigo de vida, sobrecarga ou se estiverem perdidos, mesmo que
seja o boi ou o jumento do inimigo (Ex 23,4-5). Ao homem moderno, cabe o imperioso
dever de se perceber como responsável pela guarda da criação e dependente de toda a
forma de vida.
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