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International License.
M
ÊS DA BÍBLIA
Pois todos vós sois UM em
Cristo Jesus (Gl 3,28b)
M
ONTH OF BIBLE
"For you are all one in
Christ Jesus" (Gal 3,28b)
Ademir Rubini*
Res
umo: Neste ano de 2021, a Igreja do Brasil propôs como tema do Mês
da Bíblia a Carta de Paulo aos Gálatas, tendo como lema: Pois todos vós
sois um em Cristo Jesus (Gl 3,28b). Abordaremos o tema em três
passos: primeiramente elencando alguns elementos da Carta aos Gálat as; a
seguir, o contexto da província da Galácia, onde estava localizada a
comunidade que recebeu a carta paulina, des tac ando alguns elementos .
Finalmente, refletiremos sobre o tema do Mês da Bíblia, à luz da Encíclica
do Papa Francisco, Fratelli Tu t t i .
Palavras-chave:Fé. Unidade. Fraternidade. Diálogo. Respeito.
Abstract: In t hi s year of 2021, the Church of Brazil proposed Paul's Letter to the
Galatians as the theme of the Month of the Bible, w i th the motto: "For you are all
one in Christ Jesus" (Gal 3,28b). We will approach the topic in three steps: first,
listing some elements of the Letter to the Galatians; next, the context of the
province of Galatia, where the community that received the Pauline letter was
located, highlight ing some elements. Finally, we will reflect on the theme of the
Month of the Bible, in the light of Pope Francis' Encyc lic al, Fratelli Tutti .
Keywords: Faith. Unity. Fraternity. Dialogue. Respect .
v. 3 8, n. 130, Passo Fundo,
p. 7 8-8 5 , Jan./Jun./2021,
ISSN on-li ne : 2763-5201
DOI: dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v38i130.24
* Possui graduação em Ciências - Faculdades
Reunidas de Admin. Ciências Contábeis e
Econômicas de Palmas (1994), graduação em
Filosofia - B pela Universidade de Passo
Fundo (2008), graduação em Teologia - B
pelo Institut o de Teologia e Pastoral (1999),
mestrado em Teologia pela Escola Superior
de Teologia (2011) e doutorado em Teologia
pela Escola Superior de Teologia (2015). É
professor da Itepa Faculdades. Tem
experiência na área de Teologia, com ênfase
em Teologia Bíblica. Presbítero da Diocese
de C hape c ó/SC .
E-mail: ademir_rubini@yahoo.com.br
https://orcid.org/0000-0002-1996-2483
Recebido em 26/09/20
Aprovado e m 18/01/21
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INTRODUÇÃO
A cada ano, a Igreja do Brasil tem como referência um dos livros bíblicos. Nesse ano
de 2021, a proposta é de aprofundarmos a Carta de Paulo aos Gálatas, tendo como lema:
Pois todos vós sois UM em Cristo Jesus (Gl 3 ,2 8 b) . A Lei judaica lugar à em
Cristo. Batizados em Cristo, assumindo a identidade de Crist o, t odos são chamados a viv er
na unidade, na igualdade e na libe rd ade . O Projeto de Deus, concretizado em Jesus Cristo,
eliminou os muros de separação entre judeus e gentios, escravos e livres, homens e
mulheres. Essa realizaç ão constitui-se no chamado fundamental para que t odo s sejam um
como o Pai e o Cristo são um (Jo 17,23), vivendo no amor.
1 ACARTA AOS GÁLATAS
O Apóstolo Paulo escreveu aos Gálatas, provavelmente, de Éfeso, entre 53 a 57 d.C.,
durante sua terceira viagem missionária. Pelas referências que temos, o Apóstolo havia
visitado duas vezes a comunidade (At 16,6; 18,23)
1
. Nesta última visita, tudo indica que a
comunidade estava muito bem, demonstrando fidelidade ao Evangelho anunciado por Paulo.
Não entanto, pela influência de pessoas que se infiltraram na comunidade, provavelmente, os
judaizantes, ou seja, cristãos vindos do judaísmo, os problemas começaram a surgir
2
.
Houve a tent at iv a de substituir o Evangelho de Cristo por outro evangelho (Gl
1,6), deturpando o conteúdo do primeiro anúncio, sobretudo, querendo impor a
necessidade do cumprimento da Lei Mosaic a a todos os que despertaram para a em
Cristo, mesmo sendo cristãos de origem gentílica. Eles afirmavam que os gálatas, para
serem cristãos, deviam em primeiro l ug ar circuncidar-se, ou seja, judaizar-se
3
. Na
verdade, a preocupação de Paulo era q u e o Evangelho estava correndo o risco de ser
deformado, comprometendo a sua essência de que a salvação é fruto do amor gratuito de
Deus, manifestado em Jesus Cristo4. O perigo era de que o cristianismo fosse redu zi do a
uma simples seita judaica, um remendo do judaísmo, fazendo perder a força da cristã.
Embora os judaizantes não negassem diretamente a Cristo, queriam impor condiç õe s a
partir da tradição judaica.
O conflito surgido na Galácia estava ligado à con tro rs ia ocorrida em Antioquia,
pela qual alguns representantes da Igreja da Judeia, mais ligada à autoridade de Tiago,
começaram a ens i nar aos cristãos sobre a necessidade da circuncisão prescrita na Lei de
Moisés como condição para a salvação (A t 15,1-2; Gl 2,11-14). Os adve rsári os de Paulo,
para impor estas ideias aos cristãos, questionavam a autoridade de Paulo, c omo Apóstolo
de Jesus Cristo, por não ser um dos Doze. Além disso, as palavras de Paulo insinuam que
seus adversários o acusavam de bus car ser agradado (Gl 1,10) e de agir assim somente para
conquistar adeptos (Gl 5,11). Paulo é obrigado a reagir e esclarece a si tu ão,
desenvolvendo dois t em as fundamentais na Carta: faz apologia da legitimidade do seu
apostolado, na tentativa de reconquistar os gálatas
5
. Afirma que seu apostolado teve
origem em Jesus Cristo (Gl 1,1); o segundo e principal tema está ligado à defesa que Paulo
faz do Evangelho por ele anunciado, segu n do o qual os cristãos são justificados pela f é em
Jesus Cristo e não pela prática da Lei Mosaica (Gl 15-16)
6
.
1 Jordi Sánchez BOSCH, Escritos Paulinos, p.233.
2 Giuseppe BARBAGLIO, As cartas de Paulo, II, p.20.
3 José BORTOLINI, Como ler a carta aos Gálatas, p.13.
4 Rinaldo FABRIS, A liberdade do Evangelho: cart a de Paulo aos Gálat a s , p.16.
5 Giuseppe BARBAGLIO, As cartas de Paulo, II, p.22.
6 Giuseppe BARBAGLIO, As cartas de Paulo, II, p.34.
RUBINI, Ademir.
s da blia: Poistodos vós sois UM emCristo Jesus (Gl 3,28b)
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.38,n.130,p.78-85,Jan./Jun./2021.ISSN on-line: 2763-5201.
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A grande preocupação de Paulo, em r e lação aos judaizantes, ao que parece, e ra impor
a obrigatoriedade da Lei para quem se convertesse ao crist i ani sm o. Pau lo e ra
absolutamente contra isso, principalmente, quando se tratava de ge nt i os que aderiam à
cristã. O argumento de Paulo não é em favor da nem contra as obras propriament e . É
muito particular: é contrário a que se exija dos gentios a observância da Lei Mosaica para
poderem ser verdadeiros filhos de Abraão’”
7
.
Quando o Apóstolo afirma que ninguém se justifica pelas obras da Lei, mas pela
em Jesus Cristo (Gl 2,16), não significa que ele fosse contra ou desmerece a prática das
boas obras. Pelo contrário, quando se tratav a de viver na prática a vida cristã, orientava as
comunidades a viver segundo o Espírito e não deviam usar o pretexto da liberdade para
viver segundo os instintos egoístas (Gl 5,1 3 -26 ). O que ele rejei t ava era a tentativa dos
judaizantes de atrelar a prática da Lei judaica à vida cristã, es pe ci alme n te , a circuncisão,
como condição para a s alvaç ão, inclusive aos gentios, para os quais a Lei de Moisés lhes era
estranha, não fazia parte de sua cultura. Viver na liberdade, portanto, é agir segundo o
Espírito, tendo como critério fundamental o amor (Gl 5,14).
2 OCONTEXTO DA PROVÍNCIA DA GALÁCIA
Quando nos referimos à Galácia, podemos enten -la de duas maneiras: Primeira,
se ref e ri ndo ao local ocupado pelos gauleses, de etnia celta. Seria hoje bas ic ame nt e a cidade
de Ancara, capital da Turquia
8
; ou pode ser compreendida como a Província romana,
criada no ano 25 a.C., ampliando seu território, ocupando a parte central do que agora é
conhecido como Ásia Menor ou Anatólia
9
.
Quando nos perguntamos para quem exatamente Paulo escreveu, se foi para os
cristãos de origem celta ou para os cristãos nas cidades que compunham a província da
Galácia, percebemos que controvérsias. A pesquisa não é unânime sobre a exata
localização dessas comu ni dad e s. A carta apresenta como destinatárias as Igrejas da
Galácia (Gl 1,2). some nt e uma anotação ge og ráf i ca, e sequer unívoca, pois pode se
referir tanto à região gálata, propriamente dita, quanto às comunidades do sul da
homônima província romana
10
. Caso s e trate da Província da Galácia, localizada no
centro-sul da Ásia Menor, as comunidades teriam sido fund adas no decorrer da primeira
viagem mission ária de Paulo (At 13-14 ) e seriam compostas, pre dom in ant em e nt e, por
judeus-cristãos. Quand o Paulo fundou estas comunidades, normalmente, iniciava seu
anúncio nas sinagogas, onde havia predominantemente pessoas de origem judaica. Por
outro lado, se for a reg i ão da Galácia, as comunidades estariam mais ao norte, no coração
da Ásia Menor, e seriam constituídas, sobretudo, por gentílicos-cristãos.
Embora não haja consenso entre os e xe ge t as , a opini ão que predomina na pesquisa é
o segundo caso, ou seja, foi escrita aos c ris t ãos predominantemente vindos de uma cultura
não judaica. A abordagem da Carta expressa detalhes bem peculiares, qu e reforçam essa
predominância entre os pesquisadores. O trabalho de Paulo na região foi ocasional,
provocado por u ma enfermidade, para a qual o apóstolo foi bu s car ajuda (4,12-15). Os
gálatas o receberam e o trataram muito bem, como a um anjo de Deus. Atr avé s dele
receberam o Espírito e aparent e me nt e presenciaram algum milagre relacionado a ele (3,5).
Mas agora, por influência de adversários, o apóstolo é tratado como um inimigo (4,16).
7 Ed Parish SANDERS, Paulo: a lei e o povo judeu, p.35.
8 A.A. MARTINS, Introdução à epístola aos Gálatas. In: Rev is t a de cultu ra Bíblica, n.93/94, p.30.
9 G.V. ANSEN, Carta aos Gálatas, p.583.
10 Giuseppe BARBAGLIO, As cartas de Paulo, II, p.36.
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Asitua çã odosescravo s
A Ásia Menor, embora pertencente a o Império Romano, tinha sua realidade própria.
Isso podemos constatar em diversos pontos. A realidade da escravi d ão er a di f er en te da que
existia em Roma. Embora a s it u açã o dos escravos sempre se demonstrou precária, parece
que no ocide n te o trato com os escravos demonstrou-se muito mais despótico. Por
exemplo, em Roma, o número de escravos chegava a dois terços da população, enquanto
que na Ásia Menor, onde se localizava a Galácia, girava em torno de um terço
11
. Não havia
somente diferença de porcentagem, no tratamento també m . Tinham um mínimo de
direitos (não perante a lei, mas por força do costume): alimentação, vestes, matrimônio,
um mínimo de vida familiar, inclusive certas posses e poupanças
12
.
Era comum a presença de esc ravos , sobretudo, nas famílias mais abastadas,
praticamente fazendo parte da convivência familiar. Alguns até c ont rib u íam na educação
dos filhos e ajudavam na admi ni s traç ão dos bens de seu senhor. Ainda que a realidade da
escravidão depreciava socialmente o ser humano, diminuindo o valor da pessoa humana,
certamente, a vida dos escrav os na Ásia Menor era um pouco mais tranqu i la do que em
Roma, onde muitos escravos eram prisioneiros de guerra.
Algumasvantagens
O Império Romano, após a conquista violenta dos povos, est abe le c ia uma segurança
militar que garantia, normalmente, certa ausência de conflitos armados. É o que
chamavam de pax romana, a qual tinh a um fundamento ideológico que fundamentava
conotação divin a do imperador romano. A paz romana nos territórios conquistados era
possível, em grande parte, porque os vencidos passavam a reconhecer o direito divino de
Roma de governá-los
13
. O Império dava certa autonomia às províncias, desde qu e
garantissem o pagamento dos impostos e, principalmente, o reconhecimento do domínio
de Roma, mediante o c u lt o ao imperador. Estabelecia-se um pacto: Roma garantia a paz e
as províncias, os impostos e a sujeição. Augusto foi o príncipe da paz nas relações
exteriores, mas travava-se de uma paz no se nt i do romano: um pacto depois da
conquista
14
. Se, por um lado, isso representava uma estratégia de dominação, por outro,
trouxe alguns benefícios, sobretudo, para as famílias camponesas, muitas tinham suas
plantações saqueadas durante as guerras.
Uma das funções d o exército, em tempos de ausência de conflitos importantes, era
de construir obras públi c as
15
. No exército estav am, também, engenheiros e trabalhadores
que construíam pontes sobre rios caudalosos em poucos dias, assim como as estradas que
permitiam uma mobilidade excepcional
16
. Isso favoreceu a circulação de mercadorias e a
mobilidade humana. Essa prática acabou fav ore ce n do o desenvolvimento econômico das
províncias romanas. Os doi s primeiros séculos de nossa era foram de grande surto
econômico, especialmente no tempo dos imperadores Flávi os. Uma das regiões que mais
aproveitou desse b oom econômico foi a Ás ia Menor
17
. Nes sa região havia grande
potencial econômico: terras férteis, produção de grãos, frutas, madeira, gado, lã, além de
11 Eduardo ARENS, Ási a Menor nos tempos d e Paulo, Luc as e João, p.68.
12 Eduardo ARENS, Ásia Menor nos tempos de Paulo, Lucas e João, p.62. Daí vinha a possibilidade de o escravo, depoi s de
certo tempo de trabalho, pagar o valor do seu re g at e , passando a ser um liberto.
13 John Dominic CROSSAN & Jonathan L REED, Em busca de Paulo: como o apóstolo Paulo opôs o Reino de Deus ao Império
Romano, p.63.
14 Richard A. HO R SL EY , Paulo e o impéri o: religião e poder na sociedade imperial romana, p.27.
15 Eduardo ARENS, Ásia Menor nos tempos d e Paulo, Luc as e João, p.90.
16 Pedro Paulo FUNARI, Grécia e Roma, p.8 7.
17 Pedro Paulo FUNARI, Grécia e Roma , p.107. A melhoria das estradas favoreceu as viagens missionárias de Paulo e
seus companhei ros.
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boas redes de comunicação, por mar e por terra. Os judeus foram beneficiados com o
crescimento do comércio e da indústria.
Posiçãosocial
O critério econômico não podia ser conside rado o único, nem o mais importante,
para determinar a posição social de uma pe ss oa no contexto da época, sobretudo, na região
da Ásia Menor. Esta sofreu grande influência da cultura grega, por estar g e ogr af ic ame nt e
próxima da província da Ac ai a, onde se localizava Ate nas e Corinto. Embora o nível
econômico fosse importante, havia o ut ros fatores preponderantes, como ser escravo ou
livre, o nível de educação, a origem étnica, o trabalho que exercia, se era homem ou
mulher, se possuía ou não cidadania, etc,
18
. De st e s diversos elementos resultavam
pequenas pirâmides sociais, consolidando uma gama de d if e re n ci ação social. Por exemplo,
ser livre podia s e r mais import ant e socialmente do que ter posses. Era preferível ser livre
pobre do que escravo com posses. Da mesma forma acontecia com quem tinha cidadania
romana. Era preferível ter cidadania romana e ser pobre do que ser rico e não ter c id adani a
romana. Assim também acontecia com o t i po de ocupação. Quem exercia trabalhos
manuais era inferior socialmente de quem exercia trabalhos intelectuais. E ss as pequenas
pirâmides e s t avam dentro de uma pirâmide maior, divi di nd o basicamente a sociedade em
dois grupos. No topo estava a aristocracia e abaixo os demais trabalhadores.
Acidade
O conceito d e cidade, no período greco-romano, era mais amplo do que,
normalmente, se entende atualmente. Am da parte urbana, formada pela aglomeração de casas,
edifícios públicos, teatros, p raças , etc., envolvia também o campo. Os romanos chamavam
de urbs a parte cercada de muralhas, e rus ou ager, a parte que envolvia o campo
19
.
A cultura helenística predominava na Ásia Menor. A ci da de era o eixo para o
desenvolvimento e o bem-estar. Cada cidade procurava destacar-se das outras por meio
de obras públicas, formar suas praças livres, conforme o est i lo grego, edificar templos e
construir aquedutos e termas e criar teatros e praças esportivas
20
. Na p rovín ci a da Galácia,
as cidades eram mais pobres em relação àquelas que se achavam na costa ocidental, ao longo
do mar Egeu. Éfeso, sobretudo, se destacava pelo porto, possibilitando maior fluxo comercial
21
.
A situação era pior para os diaristas, pessoas que não tinham uma profissão ou
alguma qualificão que lhe desse possibilidade de trabalhar independente. Tinham que se sujeitar
aos trabalhos ocasionais, no campo ou em constru çõe s nas cidades. Ser diarista equivalia,
na opinião de muitos, sit u ar-s e no escalão mais baixo qu e o homem livre podia ocu par. Seu
salário, de mais a mais, o era muito elevado, pois rivalizava com o trabalho de escravos
22
.
3 ALGUMAS LUZES PARA COMPREENDER O TEMA DO MÊS DA BÍBLIA, À LUZ DA
ENCÍCLICA FRATELLI TUTT I
O lema do Mês da Bíblia deste ano, extraído da Carta aos Gálatas, nos convida a
aprofundar este livro bíblico, tendo como chave fundamental a un id ade na diversidade. À
luz da em Jesus Crist o, todos os seres humanos são chamados a participar do plano
18 Pedro Paulo FUNARI, Grécia e Roma, p.4 5.
19 Pedro Paulo FUNARI, Grécia e Roma, p.1 16 .
20 Eduard LOHSE, Contexto e ambiente do Novo Testamento, p.198.
21 Eduardo ARENS, Ási a Menor nos tempos d e Paulo, Luc as e João, p.104.
22 Eduardo ARENS, Ási a Menor nos tempos d e Paulo, Luc as e João, p.112.
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salvador de Deus. O batismo eli mi na os muros de separação, as des ig u ald ade s e tudo o que
leva à divisão e à discórdia. Como novas cri atu ras , configurados a Cristo, todos são
chamados a testemunhar a caridade e o respeito com o outro, o diferente.
O Evangelho anunciado por Paulo aos gálatas, tinha como fundamento principal a
em Cristo. Isso é que dá, acima de tudo, identidade à vida cristã. A extrapola as cu lt u ras.
Não é possível identificar o Evangelho com de t e rmi nad a cultura. Quando Paulo disse que é
a que nos j u st if i c a e não as obras da Lei (Gl 2, 16 ), tinha a intenção de mostrar que não
era justo impor a prátic a da tradição judaica aos gentios. O que deve caracterizar a vid a
cristã são os ensinamentos de Jes u s Cristo, sobretudo, o amor, a solidariedade e a
fraternidade, à luz de cada cultura. Todos os povos são chamados a fazer parte dest a grande
família dos filhos e filhos de Deus, unidos num amor universal.
A Encíclica Fratelli Tu t t i do Papa Franci sc o, ao que parece, convida todos os cristãos
e pessoas de boa vontade a aderir a este espirito de fraternidade e amizade social,
independente de religião. Convoca a todos os povos e n açõe s a empenh are m-s e nesse
projeto. Sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne
humana, como filh os dessa mesma terra que nos obriga a todos, cada qual com a riqueza da
sua ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos (FT 8).
Papa Francisco não discute questões dout ri nári as. A Encíclica possui caráter
marcadamente social, trazendo à tona questõe s e valores univers ais , de interesse de toda a
humanidade. Embora cada igrej a ou religião possua seus princípios e normas próprias,
dando-lhe determinada identidade, valores que são universais e estão presentes,
praticamente, em todas as instituições. A pluralidade ou as diferenças não são empecilhos
para o di álog o. Ao contrá rio, o verdad e iro diálog o te m como exig ê nc ia o conhec i me nt o da
identidade própria. A verdadeira unidade em Cristo respei ta as diferenças e peculiaridades
de cada povo. Quando não o respeito pelo diferente, a unidade fica comprometida,
destruindo a riqueza da singularidade de cada pessoa ou de cada cultura. Hoje vivem os
num mundo globalizado, mas nem s e mpre esta g lob aliz ação significa a garantia dos
direitos humanos univers ais . Os conflitos locais e o desinteresse pelo bem comum são
instrumentalizados pela econ omi a global para impor um modelo cultural única (FT 12).
Nem sempre o desenvolvimento das ciências e da técnica estão voltadas para a inclusão social.
A vivência do amor ao próximo, na cultura judaica (Lv 19,18), estava ligada,
principalmente, a do mesmo povo judeu. Aos poucos, porém, esta fronteira vai se
ampliando. Ex 22,20 é uma das referências ne st e sentido: Não maltrates o migrante nem o
oprimas, porque vós fostes migrant e s na terra do Egito ( Dt 24,21-22). No Novo
Testamento este amor se torna universal (1 Ts 3,12). A parábola do Bom Samaritano é
decisiva nesta perspectiva. Para se tornar próximo e presente, ultrapassou todas as
barreiras culturais e hist óri cas . A conclusão de Jesus é um pedido: Vai e faze o mesmo (Lc
10,37) (FT 81). Papa Francisc o expressa que ainda hoje os preconceitos e a discriminação
estão presentes, muitas vezes, em nome da fé. Todavia, ainda aqueles que parecem
sentir-se encorajados ou pelo menos autorizados por sua a defender várias formas de
nacionalismo fechado e violento, atitudes xenófobas, desprezo e até maus tratos àqueles
que são diferentes (FT 86).
Ser um em Cristo Jesus implica viver a solidariedade, que é muito mais do que
ter gestos e s porád ic os de generosidade. É pensar e agir em termos de comunidade, de
prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. É também
lugar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, a terra e a
casa, a negação dos direitos sociais e laborais (FT 116). Nada pode estar acima dos direitos
dos povos e do respeito ao meio ambiente.
RUBINI, Ademir.
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Uma realidade palpável hoje, vivida no mundo inteiro, é a migração. Embora,
segundo Papa Francis co, o ideal é evitar as migrações desnecessárias, dando oportu ni dade
de vida digna nos países de origem. Quando isso não é possível, é nece s rio respeitar o
direito da busca de um lug ar que pos si bi li t e a realiz ação humana. Os nossos esforços a
favor das pessoas migrantes q u e chegam podem re su mi r-s e em quatro verbos : acolher,
proteger, promover e integrar (FT 129). A busca da unidad e requer o comprometime nt o
com o outro, sobretudo, em situações de maior precariedade.
O c ont at o com outras culturas e crenças, quando acontece de forma sadia, não
ameaça a identidade. Ao contrário, provoca aquilo que o Papa Francisco chama de nova
síntese que benef ic ia a todos. A integração cultural, econômica e política com os povos
vizinhos deve ser acompanhada por um processo educativo que promova o valor do amor
ao próximo, primeiro exercício indispensável para se conse gu i r uma sadia integração
universal (FT 151). O Papa Bento XVI, em uma de suas encíclicas, ressalta o sentido do
amor ágape, cuja vivência extrapola as próprias fronteiras da Igrej a, tornando-se universal.
[...] a parábola do bom samaritano permanece como critéri o de medida, i mpond o a
universalidade do amor que se inclina para o necessitado encontrado por acaso (cf. Lc
10,31), seja ele quem for (DCE 25). O mundo globalizado propicia o encontro com o
diferente. A mobilidade humana e as mig raçõe s favorecem a diversidade religiosa. A
solidariedade pode ser vivenciada por todos, favorecen do o mútuo conhecimento e a
valorização de tu do que nos u ne (DGAE 2019-2023, 173). Neste sentido, é necessário que
os Estados nacionais não se deixem dominar pelo sistema econômico-fi nanc e iro, m as
criem organizações mundiais capazes de garantir os direitos dos povos e a busca do bem
comum. A caridade é que torna eficaz a em Cris to (Gl 5,6). Na sua relação com a
verdade, possibilita o seu universalismo, a base da vida social entre todos os povos (FT
183-185).
A u n id ade que somos chamados a viver, a partir do espírito cristão, acontece
mediante um diálogo capaz de re s pe i tar o ponto de vist a do outro. Sem ne ga r a identidade,
própria de cada um, pode-se contribuir para a edificação de tod os. O que conta é gerar
processos de encontro, processos q u e possam construir um povo capaz de colecionar as
diferenças. Armemos os nossos filhos com as armas do diálog o! Vamos ens i nar-lh e s o bom
combate do encontro! (DGAE 2019-2023, 113). A exemplo de Cristo, nunca devemos
fomentar a violência e a intolerância (Lc 9,51-56; 22,49-51).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta cristã, apresentada pelo Apóstol o Paulo à comunidade da Galácia, de que
todos são chamad os à unidade em Cristo, eliminando todas as formas de divisões, se
constitui num apelo muito atual. Cada cultura possui suas marcas positivas e também seus
limites. Apesar de, muitas vezes, o contexto social, político e econômico, bem como o
religioso, dificultar a vivê nc ia fraterna, sempre permanece a esperança da comunhão
universal. Como pessoas que creem, pensamos que, sem uma abertura ao Pai de todos,
não pode haver razões sólidas e estáveis para o apelo à fraternidade (DGAE 2019-2023,
139). A Igreja é chamada a reconhecer a ação de Deus nas outras religiões, buscando
sempre trabalhar para a construção de um mundo onde todos tenham vida, e vida em
abundância (Jo 10,10), no diálogo, na fraternidade e no respeito ao diferente.
RUBINI, Ademir.
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