ARTIGOS
Este artigo está licenciado com a licença: Creative
Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0
International License.
O FEMININO NO
CRISTIANISMO ANTIGO
Um ensaio sobre a Matrologia
THE FEMININE IN
ANCIENT CHRISTIANITY
An essay about Matrology
Elisângela Pereira Machado*
Resumo: É possível constatar, nos últimos anos, o empenho do escrutínio
histórico que vem sendo realizado com relação à presença e à liderança da
mulher na sociedade e na Igreja. Não mais dúvidas, resistências, talvez,
de que a mulher teve papel fundamental na consolidação do Cristianismo.
O feminino foi responsável agente transformador na expansão dessa
tradição de fé, preponderante na cultura ocidental. É esse feminino, de
muitas nuanças, que, em grande parte, segue responsável pela formação
sistemática da maioria dos fiéis em um serviço autêntico, gratuito e
anônimo. A emergência da questão feminina lança luzes a figuras
esquecidas, testemunhas autênticas de uma profunda experiência de Deus e
de uma maestria espiritual tão solicitada hoje, em nosso plural contexto,
dominado pela velocidade, funcionalismo e economismo. Em um encontro
do passado com o presente, este artigo pretende evocar algumas figuras
femininas da tradição espiritual do Cristianismo Antigo, mulheres do
Império e do deserto, ammas-madres-mães da Igreja, que alicerçaram duas
desconhecidas ciências, a Matrologia e a Matrística. Junto delas, queremos
problematizar a importância de retomar elementos de sua Força vital, capaz
de gerar e de cuidar da Boa Nova.
Palavras-chave: Espiritualidade. Mulher. Força vital. Boa Nova.
Abstract: It is possible to see, in recent years, the commitment of the
historical scrutiny that has been carried out in relation to the presence and
leadership of women in society and in the Church. There is no longer any
doubt resistance, perhaps that women played a fundamental role in
the consolidation of Christianity. The feminine was responsible for the
transforming agent in the expansion of this tradition of faith,
preponderant in Western culture. It is this feminine, with many nuances,
that, to a large extent, continues to be responsible for the systematic
v. 40, n. 135, Passo Fundo,
p. 11-21, Jul./Dez./2023,
ISSN on-line: 2763-5201
DOI:
dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v40i135.195
* Doutora em Teologia pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(2021). Mestra em Filosofia pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(2012). Graduada em Teologia pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(2006). Assessora de Retiros. Educadora e
coordenadora da Pós-graduação em
Protagonismo Feminino na Igreja na
PUCMINAS. Tem experiência nas áreas da
Educação, Filosofia, Ética Naturalizada e
Teologia Sistemática, atuando nos seguintes
temas: educação, mulher, transcendência,
espiritualidade e mística. É pesquisadora s-
Doc junto ao Grupo de Pesquisa Educação,
Gênero e Trabalho Artesanal, liderado pela
Profª. Edla Eggert/PUCRS. Pesquisa o
protagonismo e experiência de Deus na voz e
presença da mulher na Igreja, desde origens
primitivas das mães do deserto, medievais
em diálogo com as modernas, a partir do
pensamento e obra de Edith Stein.
Email: elispmachado@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-6820-3590
Recebido em 04/08/2023
Aprovado em 12/11/2023
Este artigo está licenciado com a licença: Creative
Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0
International License.
formation of the majority of the faithful in an authentic, free and
anonymous service. The emergence of the female question sheds light on
forgotten figures, authentic witnesses of a profound experience of God and
a spiritual mastery that is so requested today, in our plural context,
dominated by speed, functionalism and economy. In an encounter between
the past and the present, this article intends to evoke some female figures
from the spiritual tradition of Ancient Christianity, women of the Empire
and the desert, ammas-mothers-mothers of the Church, who founded two
unknown sciences, Matrology and Matristics. Together with them, we
want to problematize the importance of resuming elements of their vital
force, capable of generating and caring for the Good News.
Keywords: Spirituality. Woman. Vital force. Good News.
INTRODUÇÃO
Percebe-se que toda investigação sobre o legado do feminino
sofre uma escassez de vestígios em torno de seu passado e, isso se
traduz numa das mais agudas questões em termos da legitimidade de
seu protagonismo. De fato, ainda hoje, queiramos ou o, é o
discurso dos homens que valida as representações construídas sobre
as mulheres. Uma constatação averiguada desde quando encontramos
mulheres que sobressaem na história, mediante seus conhecimentos,
sabedoria e maestria espiritual, essas, quase sempre, estão permeadas
de elementos de vida transmitidos mediante o imaginário masculino,
que apresenta esses registros de forma mais “fantasiosa do que
condizente com a realidade histórica de seus fatos memoráveis.
Atenta às reivindicações e aos avanços do feminino hodierno,
ainda que permeado de muitas lacunas e indagações, quem redige as
páginas que seguem é uma mulher, religiosa, educadora, ciente dos
desafios da viragem dos tempos, da nova cultura midiática, bem
como do apelo ao retorno do calor de uma reflexão antropológica
intuitiva, de uma espiritualidade que resgate e integre o ser humano
em todas as suas dimensões e propósito último. Assim, ancorada em
leituras sobre questões relacionadas aos estudos de gênero e histórias
de mulheres dos primeiros séculos do Cristianismo (I-VII), a proposta
é a de apresentar a Força vital do feminino no testemunho de mestras
espirituais que podem inspirar, hoje, a pessoa humana imersa em um
mundo materializado e aparentemente ignorante de transcendência.
Nossas investigações decorrem de um estágio pós-doutoral
1
,
ainda em andamento, em textos reconhecidos dos chamados “Pais da
Igreja”. Este título é originado do termo grego pater, pai, ou do
hebraico abba, paizinho, do qual resulta a conhecida corrente de
estudos teológicos denominada “Patrística”. De modo surpreendente,
foi possível localizar, no acervo patriarcal das origens da história
ocidental da fé cristã, a presença de mulheres que rompem silêncios e
que são mencionadas, mesmo que em linhas brevíssimas.
v. 40, n. 135, Passo Fundo,
p. 11-21, Jul./Dez./2023,
ISSN on-line: 2763-5201
1 Um ano de Pós-doutorado, sem bolsa, em estudos na linha de pesquisa “Teorias e Cultura
em Educação, Teologia e Pensamento Contemporâneo”, junto ao Grupo de Pesquisa
“Educação, Gênero e Trabalho Artesanal” da PUCRS.
13
Sabe-se que os Pais da Igreja tardia eram, principalmente, orientais, pois procediam
de comunidades e igrejas do Oriente Médio e da Ásia. Mas quem eram essas mulheres?
Ao planarmos no cenário da Igreja cristã tardia, dos séculos II e III, encontramos um
intermediador entre os padres apostólicos e as escolas teológicas; uma figura transeunte
entre as Igrejas do Oriente e Ocidente em tempos repletos de celeumas relacionadas à
Igreja em expansão e sua relação com o Império Romano: Irineu de Lyon (103-202). Dele é
a sentença: a Fonte tem sede de ser bebida. Movida por essa xima do Bispo de Lyon, o
convite é o de revisitar a Fonte e de encontrar mulheres que expressem o feminino do
Cristianismo antigo, e que puderam sorver de seu frescor e experienciar em suas vidas a
abundância de seu conteúdo.
Sabe-se que o sistema patriarcal da tradição cristã contou com a colaboração de
muitas mulheres que acolheram, naturalmente, o ancestral status de inferioridade do ser
mulher na sociedade e na religião. Mulheres que ciclicamente, tiveram de se adaptar às
mudanças impostas. Elas tiveram de elaborar em suas vidas o giro de uma anterior
condição do livre seguimento, da diaconia das casas, da entrega martirial
2
, do patrocínio
financeiro às viagens missionárias de líderes da Igreja, das traduções e propagação da
Palavra, ao obscuro silenciamento e submissão em um novo contexto. Ainda assim, houve
aquelas que buscaram recorrer a outros modos de viver a dimensão do feminino.
Elas o identificadas como ammas da Igreja, mulheres repletas do Espírito Santo,
mães espirituais que buscaram abraçar uma forma de vida radical de oração, conversão e
anúncio. Mulheres sábias, tanto no nível pessoal quanto coletivo, determinadas em
romper com os limites impostos pela estrutura do poder patriarcal que se estruturava e
fortalecia o Cristianismo e, aos quais, elas estavam sujeitas. Como em nossos dias, essas
mulheres não ocupavam postos de responsabilidade eclesiástica, mas, de um modo
criativo, elas propunham uma igualdade espiritual para ambos os sexos. Obviamente,
ciente das controvérsias teológicas e da perspectiva de gênero, muito importantes, não nos
deteremos em questões que solicitem mais profundidade no quesito do patriarcado
mantido por um confortável feminino da época. O que nos retém no presente estudo é o
processo de muitas mulheres avançarem para além da casa e do matrimônio,
condicionadas pelo contexto de Igreja, contudo, dispostas ao risco em um tempo em que a
coragem e a autenticidade poderiam resultar em heresia e exclusão comunitária na
sociedade cristianizada.
O que se propõe é uma aproximação, um olhar atento a um movimento feminino
silencioso, de pequenas revoluções, resultantes da autêntica opção por uma vida de
interioridade radical partilhada. Opção essa em que elas se revelaram verdadeiras mestras
de sabedoria e oração, mulheres ocultas, repletas do Espírito de Deus, que exerceram
grande ascendência aos homens da tradição e aos peregrinos que as buscavam e que nelas
reencontravam o propósito de suas vidas. Por isso, é emergente o exercício de releitura de
suas vidas e de seus ensinamentos, numa hermenêutica feminina que compreenda a força e
a extensão de seu pioneirismo em romper a subordinação milenar prescrita pelo homem.
De fato, elas têm algo a dizer e a contribuir na atualização e no ressignificado vital do
progresso da religião cristã em nossos dias.
Trata-se da história de gênero, em seu plural contexto e diálogo, de uma
antropologia inclusiva que incentiva o questionar dos parâmetros de estudos
2 Não como subestimar o número de vítimas nas perseguições do Império Romano contra os cristãos. Aos que
morriam, assassinados brutalmente, confessando a em Jesus Cristo, a Igreja deu o nome de “mártires”. Muitas das
mulheres de que iremos nos aproximar, dos sécs. III IV, tinham amigos ou familiares que sofreram perseguições e
martírio, reconhecido nos primeiros séculos como “martírio vermelho”; depois, como “martírio branco”, relacionado
à vocação ascética e celibatária (Nota da autora).
MACHADO, Elisângela Pereira
O feminino no Cristianismo Antigo: um ensaio sobre a Matrologia
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.135, p. 11-21, Jul./Dez./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
14
socioculturais e da religião, no que condiz ao papel da mulher aqui, especificamente, no
Cristianismo. Mulheres que nos instigam ao exigente exercício da indagação histórica, em
um dinamismo teológico profundo, mediado pela hermenêutica da suspeita, numa espécie
de escavação arqueológica dos seus silêncios e de seus ditos; resquícios de seu
protagonismo originário, ainda tímido no tocante a sua capacidade de liderança, produção
e de promoção da palavra, seja ela dita ou escrita. Um movimento vital, da força interior
do ser mulher que fez e potencializou o deserto, na trajetória dos séculos I a VII, um lugar
de encontro da história Sagrada e da história humana.
Para elas, o deserto foi lugar decisivo em que se adquire a experiência do madurar
das próprias opções, espelho profundo em que se reflete o que somos, temos e,
autenticamente, desejamos (PEDRÓS, 2003, p.28). Em tempos emergenciais, em que há de
se cuidar da pedagogia integral do ser, elas são, por excelência, modelo da pedagogia
divina; do viver em plenitude convicções e verdades transcendentes comprometidas com o
humano, especialmente, o mais fragilizado, deixado à margem do propósito do Reino
anunciado pelo Mestre que as inspirou: Jesus de Nazaré, o Cristo Ressuscitado.
Assim, iniciemos o resgate histórico das mulheres da Igreja primitiva que o
portadoras de uma corrente teológica espiritual valorosa para o presente. Elas nos
convocam para uma peregrinação em seus lugares e vidas (MARTINS, 2017, p.133), ou
seja, da realização de um emergente exercício arqueológico em seu estilo sapiencial de ser,
de estar, de viver e de protagonizar o feminino em relação ao Mistério, ao Eterno, ao
Amor. Um Amor em discordância do belicoso e do poder que corrompe a vida em todas as
suas instâncias. Portanto, que a viagem comece, assim como nas palavras dirigidas às
senhoras da alma, amigas de Egéria: Vnde si Deus noster Iesus iusserit et uenero in pátria, legi si
uos, dominae animae meae.
3
1 UMA INEXPLORADA LITER ATURA
O estudo da Matrologia é um peregrinar por territórios um tanto inexplorados da
literatura cristã. Afinal, por muito tempo, a mulher esteve refém de uma sociedade que a
impedia de ler e escrever - felizmente, o de pensar. Por certo, é possível encontrar
brevíssimos relatos, escritos, menções, sombras de um feminino eclipsado pela literatura
cristã dos Pais da Igreja. Contudo, é visto que o período de nossa investigação, os séculos
I-VII, está repleto de mulheres que se lançaram dos anseios de sua natural condição finita a
uma jornada sem volta rumo às possibilidades do Eterno. Disso resultou que elas iriam
caminhar nas ruas de Roma, passar pelas portas das Igrejas e se lançariam na aventura do
deserto e da vida monacal; buscariam os lugares sagrados em que Jesus esteve. E, a partir
daí, elas começaram a falar franca e corajosamente daquilo que experienciaram.
Foi um tempo de muitos questionamentos acerca da Igreja, de Jesus e de Sua
mensagem
4
, de desafios, em que as pessoas desejavam, ardentemente, o Sagrado, buscando
na singularidade das vidas acionar a interioridade, conscientes de transcendência em um
movimento em que se consideravam peregrinos/peregrinas e, assim, rezavam como o
salmista: Escuta a minha súplica, Senhor, atende o meu grito, não sejas surdo a minhas lágrimas,
pois sou teu hóspede, peregrino, como todos os meus pais.(Sl 39,13). Pessoas que buscaram a
3
(...) E se Jesus nosso Deus ordenar e eu voltar desse lugar à pátria, vós também as lereis, senhoras de minha alma. (Trad.
da autora).
4 Quando o Cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano, algo notável e estranho aconteceu. Um
movimento de pessoas começou a se reunir às margens do Império para buscar a Deus. Elas foram para os desertos
da Palestina, Capadócia, Síria e Egito. Este é o surgimento daqueles e daquelas que chamamos coletivamente de Pais
(abbas) e Mães (ammas) do deserto. Esses indivíduos no deserto procuraram refletir mais profundamente sobre o
Mistério de Deus e a vontade de Deus por meio do trabalho, da oração e do estudo das Escrituras.
MACHADO, Elisângela Pereira
O feminino no Cristianismo Antigo: um ensaio sobre a Matrologia
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.135, p. 11-21, Jul./Dez./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
15
Fonte e que, em seu testemunho de vida espiritual, transbordavam de um fervoroso amor
pela Pessoa de Jesus, Verbo Encarnado, Deus feito humanidade.
A raiz da palavra “Matrologia” vem da denominação madre-mãe-amma e está ligada
ao termo “Patrologia”, cuja raiz repousa no termo mencionado: pai-padre-abba. O
criador do termo “Patrologia” foi o luterano J. Gerhard (1637). Com ele, quis expressar tudo
o que se relaciona ao estudo histórico e literário, à vida e obra de autores antigos, também
conhecidos como “Pais da Igreja”, homens, mestres da fé, nem sempre sacerdotes, responsáveis
pela história e pela literatura cristã e eclesiástica. Logo, a Patrística, mais conhecida em
nossos dias, é um adjetivo que se refere ao conteúdo teológico dos padres da Igreja
5
.
Matrologia e Patrologia estão, lado a lado, da Patrística e da Matrística; estas
últimas, ciências posteriores, estão presentes na Teologia por meio de documentos
autorizados mais elaborados, estudos sistematizados oriundos dos Pais da Igreja
(PEDRÓS, 2003). A Matrística é pouco conhecida e divulgada; no entanto, mesmo
próxima da Matrologia, ela avança em um período em que a tradição oral começa a ser
organizada e redigida. Nela, encontramos nomes de mulheres da aristocracia romana,
economicamente bem-sucedidas na sociedade e, consequentemente, na Igreja. Mulheres,
portadoras de uma herança familiar cristã que procuraram dar continuidade à de seus
ancestrais. Assim, elas acompanhavam, em viagens e na elaboração de estudos bíblicos,
homens eruditos, como São Jerônimo.
Figuras como Paula, Marcela, Marcelina, Asela, Princípia, Lea e Fabíola estão na
lista das precursoras na fundação de monastérios no Oriente. Marcela, por exemplo, é
carinhosamente chamada pelo Santo de philoponotate, que significa “a estudiosa”. Assim
como outras de suas companheiras, é mencionada nas Cartas de o Jerônimo
(JERÓNIMO, 1963).
A diferença entre Patrologia e Matrologia é unicamente cultural. O legado da
Matrologia, da tradição oral das ammas dos séculos I a VII, teve os seus ensinamentos
recolhidos e, como mencionado, transmitidos através de literatura autorizada em escritos
respectivos. Vale a ressalva de que estamos nos referindo a um período em que a teologia, o
estudo da Escritura Sagrada, não era uma atividade puramente intelectual, mas era
entendida por relatos de uma experiência interior, abertura do coração e reto entendimento
dos mistérios de Deus em Jesus, manifestação do divino na natureza efêmera de ser.
À medida que a história avança, o legado da tradição oral inclusiva, que dignifica e
considera o feminino, lugar a um processo de construto interpretativo dos Evangelhos,
da Boa Nova do Mestre resguardada, redigida e proclamada por homens que irão lançar às
sombras o testemunho ocular da mulher discípula e apóstola. De fato, à medida que a
tradição cristã se expandia e estruturava, o universo masculino suprimiu o protagonismo
de suas homólogas. As mulheres, mães, ammas espirituais, jamais foram incentivadas a
escrever, plasmar uma doutrina ou a redigir tratados da fé, desde a perspectiva da
experiência de Deus em seu gênero; no entanto, elas souberam viver, até as últimas
consequências, as disciplinas e a Doutrina em que se firmavam. Delas, encontramos
somente 128 apotegmas
6
. Talvez, inspiradas em Jesus, que nada deixou por escrito, a o
ser os enigmáticos rabiscos na terra quando poupou a mulher adúltera da condenação ao
apedrejamento dos homens (Jo 8,6).
5 Teólogos luteranos e católicos no século XVII utilizam o termo ao especificar a teologia como Bíblica, Escolástica,
Patrística, simbólica e especulativa.
6 Apotegma é um estilo literário de sentenças breves, memoráveis, incisivas e intensas, próximo da parábola e da
sabedoria popular. Ele expressa a sabedoria das eremitas e monásticas; não argumentação, defesa, teorização ou
exegese. São ditos ou palavras iluminadas que intentam abrir o coração do ouvinte peregrino. NdA.
MACHADO, Elisângela Pereira
O feminino no Cristianismo Antigo: um ensaio sobre a Matrologia
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.135, p. 11-21, Jul./Dez./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
16
A Matrologia desponta de uma iniciativa ousada, de partida para o deserto, risco na
procura de uma experiência de encontro íntimo com o Mestre, a fim de, de coração a
coração, ser novamente tocadas e visibilizadas pelo Mistério em todo o ser mulher.
Inspiradas por suas predecessoras, elas sabiam que Nele o melhor da vida pulsa, ergue-se,
dança e avança, proclamando o propósito da existência em uma esperança demencial que
poucos compreendem.
Sem dúvida, de se considerar o período em que se contextualiza a experiência,
bem como aspectos da cosmovisão antiga, traduzindo o tempo e atualizando as suas
mensagens. No calor de uma reflexão intuitiva, recepção criativa aos ensinamentos dessas
mães do viver e do crer, pressupõe-se um legítimo diálogo com a cultura e as comunidades
do Antigo e Novo Testamentos. Sob a orientação do Divino Mestre, Verbo Encarnado, a
teologia espiritual dessas mulheres desdobra-se em pedagogia espiritual. Não no intuito de
ensinar, mas de aprender juntos, de colaborar na formação plena do humano, sempre em
peregrinação e, muitas vezes, distante de si mesmo, exilado em seus desertos pessoais e
míope diante da Fonte - condições que se repetem, seja em qual for o século. Elas nos
conduzem rumo a uma pedagogia da interioridade, da leitura Sagrada da vida, pedagogia
que difere daquela reproduzida pelos homens, mais conquistadora e belicosa.
O papel de liderança da mulher, da cidade ao deserto, nas ammas, mesmo que se
revelando um papel emancipatório, um importante espaço de liberdade e protagonismo,
ante à hierarquização do Cristianismo, sofre, mais tarde, impactos que forçam ao novo
estruturamento de suas vidas. Emergem os monacatos femininos sob o controle do bispo.
Destarte, as ammas, que integram a Matrologia e/ou Matrística, estendem-nos as suas
mãos em um convite salvífico para retomarmos o Caminho (At 9,1-2), reconsiderarmos
que, onde quer que estejamos, o deserto terá de ser atravessado de tempos a tempos, muros
continuarão a ser erguidos, estruturas irão, muitas vezes, sufocar e engessar o Espírito, ou
melhor, a Sagrada Ruah
7
, mas que ela é Vento incessante e sopra onde quer, e é Ela quem
auxilia, sempre mais, na retirada dos poderosos de seus tronos e na confusão dos “sábios”.
É no deserto que a oração cria raízes, e a vida é revitalizada pela Força daquele que
elas encontraram. Um lugar primordial onde o peregrino alcança voo em suas asas da e
da razão e, assim, volta a aterrissar, mais dono de si, ciente das dores da realidade;
compromete-se em cuidar dela. Lugar de abertura, expansão e profundidade, que se
traduzem em comunhão e misericórdia. Em um processo experiencial do Cristo, cristifica-
se, apura a sua sensibilidade e a certeza de que não pode avançar, evoluir, sem buscar o
frescor da Fonte que lhe nutre; somente assim poderá gerar vida, comunhão, caridade e
manter o aperfeiçoamento de sua geração.
Vamos ao resgate histórico da literatura inexplorada dessas mulheres da Igreja
primitiva, figuras portadoras de uma criativa corrente teológica espiritual para o presente.
Elas nos convocam para uma peregrinação até elas (MARTINS, 2017, p.133), ou seja, para a
realização de um emergente exercício arqueológico em seu estilo sapiencial de ser, de estar,
de viver e de protagonizar o feminino em relação ao Mistério, ao Eterno, ao Amor.
2 UM PERFUME QUE SE ALASTRA
O estudo sobre as ammas da Igreja, da Matrologia, diz respeito à vida de mulheres
que transbordavam de maestria espiritual. Elas são parte da história do protagonismo de
mulheres que romperam com um coletivo anônimo, figuras situadas na fileira do legado
7 Em estudos hermenêuticos da Sagrada Escritura, relacionados à terceira Pessoa da Santíssima Trindade, essa é
representada mediante o uso de três termos que a caracterizam, a saber, o termo grego neutro Pneuma, o termo latino
masculino Spiritus, e o termo hebraico feminino Ruah. NdA.
MACHADO, Elisângela Pereira
O feminino no Cristianismo Antigo: um ensaio sobre a Matrologia
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.135, p. 11-21, Jul./Dez./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
17
querigmático, do testemunho de anúncio instintivo, apostólico, profético, feminino da
Nova Aliança, conforme visto em textos como os dos Evangelhos de Mateus (Mt 28,7-8),
Lucas (Lc 24,9-10) e de João (Jo 20,1-2; 17-18). É visto que as suas antecessoras abriram
clareiras no que condiz ao protagonismo da mulher no Cristianismo; foram mulheres
repletas de gratidão, que, irredutíveis, permaneceram em Jerusalém durante todo processo
de julgamento, condenação e execução Daquele que as compreendeu, amou e visibilizou:
Yeshua, Jesus de Nazaré.
De fato, como dissemos, à medida que a tradição cristã se expandia, o universo
masculino suprimiu o protagonismo feminino. Um exemplo está na experiência
querigmática em Madalena, que é desconsiderada quando substituída pela experiência de
Paulo (1Cor 15,1-11). Em Paulo, a experiência do ver o Cristo Ressuscitado (At 9,1-19)
torna-se mais relevante do que a Revelação propagada pelos lábios de Madalena (Lc 20,11-
18). Tais circunstâncias tocam a sensível questão de reaver e de considerar a criatividade do
Espírito (Jo 3,8), a grandiosidade da Revelação e de seu anúncio, que acontece onde menos
se espera e seja para qual for o gênero (1Cor 1,27).
Todas elas, essas amigas da alma, são protagonistas da Boa Nova, mulheres
comprometidas com o cuidado de tudo e do todo e responsabilizadas pelo próprio Jesus a
espalharem o perfume salvífico do Reino. Elas transbordam de transcendental sensível, de
um interior intimo meo que conduz todos e todas que as encontram para o reconhecimento
da presença de um cálido centro do Ser. A Igreja sempre contou com a ajuda incontável
dessas mulheres; infelizmente, poucas foram mencionadas em sua história. Por isso, temas
como a inferioridade feminina e a dualidade de gêneros sempre estarão presentes no
progresso, na evolução da sociedade, em problematizações encontradas, da mesma forma,
na religião.
O Papa João VI, sensível à realidade subterrânea da valoração da mulher na Igreja,
escreveu sobre o estatuto especial de sua dignidade, presente no ser mulher, porque elas
estão chamadas a formar parte da estrutura viva e operante do Cristianismo. Ele escreve: A
Igreja orgulha-se, como sabeis, de ter dignificado e libertado a mulher, de ter feito brilhar durante
os séculos, na diversidade de caracteres, a sua igualdade fundamental com o homem. É por isso que,
neste momento em que a humanidade sofre uma tão profunda transformação, as mulheres
impregnadas do espírito do Evangelho podem tanto para ajudar a humanidade a não decair
8
.
Tempos mais tarde, na Carta Apostólica Mulieres dignitatem, o Papa João Paulo II,
equivocado em chamar a mulher de “complemento do homem” possibilitou a expansão de
sua reflexão ao expor que a mulher é o arquétipo de todo gênero humano e, assim
admoesta: É preciso continuar neste caminho! Estou convencido, porém, que o segredo para
percorrer diligentemente a estrada do pleno respeito da identidade feminina não passa pela
denúncia, apesar de necessária, das discriminações e das injustiças, mas também, e sobretudo, por
um eficaz e claro projeto de promoção, que englobe todos os âmbitos da vida feminina, a partir de
uma renovada e universal tomada de consciência da dignidade da mulher. Ao reconhecimento
desta, não obstante os múltiplos condicionalismos históricos
9
.
Atualmente, o Papa Francisco, em seu testemunho de liderança que escuta e almeja
mudanças, empenha-se em abrir espaços e dar voz e espaço à mulher na Igreja em saída
que ele propõe. E, mesmo com toda movimentação de possibilitar o voto à mulher no
Sínodo, o feminino continua sendo uma novidade e são colocadas, seletivamente, em
lugares específicos, mantendo assim, o curso estabelecido por João Paulo II. Desse modo, a
8 Mensagem do Papa João Paulo VI na conclusão do Vaticano II às mulheres. 8 de dezembro de 1965.<https://
www.vatican.va/content/paul-vi/pt/speeches/1965/documents/hf_p-vi_spe_19651208_epilogo-concilio-donne.html>.
9 Carta do Papa João Paulo II às mulheres. Vaticano, 29 de Junho de 1995, Solenidade dos Apóstolos S. Pedro e S.
Paulo.<https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/letters/1995/documents/hf_jp-ii_let_29061995_women.html>.
MACHADO, Elisângela Pereira
O feminino no Cristianismo Antigo: um ensaio sobre a Matrologia
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.135, p. 11-21, Jul./Dez./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
18
situação do feminino, sucessora de Eva em sua sóror-herança, segue um lento progresso,
de uma minoria silenciada, anônima e silenciosa. Uma herança em que todas somos
partícipes, e isso nos impele a proclamar, ou melhor, poematizar, seriamente implicadas:
Eu fico de pé sobre o sacrifício de um milhão de mulheres que vieram antes e penso o que é que eu
faço para tornar essa montanha mais alta para que as mulheres que vierem depois de mim possam
ver além.” (KAUR, 2017, p.216).
Quanto mais alta a montanha, o nosso empenho por comunhão e esperança, melhor
o propagar do perfume que elas carregam em si. O perfume, essa metáfora repleta de
sentido, é considerado porque, em suas cabeças, mentes, corações e pés, reside a fragrância
da humildade de todas as mulheres que estiveram aos pés do Mestre e as quais, mediante o
Amor, Ele reergue (Rm 8,31). O fato é que estamos todos - e todas as que buscamos
desconhecer menos e evoluir no progresso dos tempos, seja na sociedade ou na Igreja -
ainda reféns do martelo do julgamento no que condiz à vida da mulher e de sua vocação. A
espiritualidade das ammas, a Matrologia, sobre a qual nosso ensaio, modestamente,
discorre, é conteúdo, por si, de uma teologia espiritual do feminino em relação ao Verbo
Encarnado, trata-se de um legado, um sério compromisso testemunhal que fundamenta a
Matrologia e a Matrística na autenticidade do feminino em estreita relação com Deus.
A vida de mulheres em relação ao Mistério, do como elas O buscaram e O
encontraram; em tempos áridos de des-transcendência e des-esperança, elas também
desejam que O encontremos. Esse encontro evidencia às nossas vidas, de ritmo acelerado e
confuso, afetadas pela sociedade que incita o status, a posse e o poder, de que é preciso
realizar a escolha pela vida, pelo humano e por tudo em que nos sintamos interligados.
O protagonismo dessas mulheres tem de ser considerado, redescoberto e estudado
com entusiasmo na Igreja “em saída”, a que hoje nos inspira e desafia o Papa Francisco, que
almeja experiências da vivência do Evangelho nas comunidades, da forma mais coerente
possível. O presente ensaio é uma introdutória antologia dessas mulheres. Vale a ressalva
de que o arquétipo do ascetismo que as ammas projetam, do papel de sapiência feminina
no evoluir do mundo religioso tardio, está repleto de lacunas em relação à problematização
obscura da legitimação da autoridade da Igreja, fato a que não iremos nos deter neste texto.
Por certo, a nossa pretensão não é de reproduzir os feitos e ditos de todas as ammas,
mas de salientar que elas souberam configurar as suas vidas com a de Jesus e acolheram
como mães espirituais todos os filhos e as filhas, peregrinos, ricos e pobres que a elas
recorreram. A teologia espiritual da Matrologia não faz sombra à espiritualidade dos já
conhecidos Padres da Igreja em seu grande círculo; elas engrandecem, abrilhantam, em seu
modo peculiar de ser, a espiritualidade do Cristianismo, da vida cristã como um todo.
Em fontes mencionadas, é visto que autoridades do Cristianismo antigo
escreveram sobre algumas delas, mesmo que de forma diminuta diante da real dimensão
profética de suas vidas. Outras fontes, como Evágrio Pôntico (346-349), Paládio de Galácia
(363-432), João Crisóstomo (345-407), Gregório de Nissa (330-394), Gregório de
Nazianzo (330-389), Atanásio de Alexandria (296-373), Teodoreto de Ciro (393-466),
Jerônimo (347-420) e ainda outros tantos, nas referências do tempo, abriram espaço -
pequenas frestas, passagens na história - que possibilitou que as encontrássemos agora.
Dessa herança, hoje, por meio de um primeiro encontro para muitos leitores, na
contribuição das presentes páginas, há um portal que se abre e por onde as ammas, em suas
diásporas espirituais, sem referenciais seguros, datas ou pátrias de origem, surgem,
rompendo um anonimato milenar.
Para tanto, o convite é de rastreá-las, encontrá-las e segui-las, na luz de seus
testemunhos e palavras, essas mulheres que foram mais bias que as serpentes e tão inocentes
MACHADO, Elisângela Pereira
O feminino no Cristianismo Antigo: um ensaio sobre a Matrologia
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.135, p. 11-21, Jul./Dez./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
19
quanto as pombas (Mt 10,16). Um movimento de mulheres fortes, anunciadoras da Palavra,
que se irmanavam para propagar o coletivo de uma sapiencial profecia em que as riquezas
eram repartidas numa Evangelização, desde o corpo de mulher. O fenômeno da
espiritualidade feminina, das mulheres presentes na Matrologia e na Matrística, tem
despertado interesse, pois elas são um tesouro no que diz respeito a uma educação não
formal que transforma e qualifica, de dentro, o humano. Trata-se de um arcabouço da
cultura feminina para o qual as páginas do presente ensaio são insuficientes no que tange a
descrevê-las adequadamente. Logo, o que temos a seguir, são alguns dos nomes existentes
dessa inexplorada literatura, que exalam o perfume do Ressuscitado na transmissão da Boa
Nova de que todos somos chamados a experienciar, seguir e propagar.
Protomártires, Matronas, Eremitas, Virgens Consagradas, Ammas maiores e
menores, mulheres do Caminho, fragrância que se alastrou pelo Egito, Síria, Palestina,
Capadócia; do Oriente ao Ocidente. Célebres pensadoras que a tradição oral salvaguardou
em seus manuscritos. A documentação onde estão registradas é escassa, mas o testemunho
de suas vidas, abundante. Acolhamos os seus nomes e, nos lancemos na aventura de ir ao
seu encontro para que, assim, do mesmo modo como antes, elas possam nos dizer uma
palavra e iluminar o nosso proceder.
a) Tecla de Icônio (séc.I)
b) Macrina, a jovem (327-380)
c) Sinclética (380-460)
d) Catarina de Alexandria (287-305)
e) Sara, Teodora (548)
f) Marana e Cira, Domina, Maria Egipcíaca (344)
g) Maria, irmã de Pacômio, Pelágia, Eudócia, Olimpia de Bizâncio (360-408)
h) Melânia maior e menor (343-411)
i) Marcela (325-410)
j) Paula (397)
k) Lea (325-410)
l) Asela (325-410)
m) Blesila (363-383)
n) Fabiola (400)
o) Escolástica (480)
p) Marina
10
.
Portanto, dessas mulheres, temos de trazer à luz de nosso tempo as suas ideias e os seus
posicionamentos, ditos e feitos, referências de cunho masculino, mas que serão analisadas sob
a perspectiva da hermenêutica feminista, valorizando os vestígios dessa tradição espiritual
feminina da Igreja, do Cristianismo. Como já mencionado, o presente ensaio quer provocar a
continuidade da investigação, em um dinamismo arqueológico espiritual do tesouro
escondido dessas vidas, totalmente, voltadas ao serviço e propagação do Amor Encarnado.
CONCLUSÃO
A Matrologia evidencia que as ammas não foram mulheres cativas em sua condição
de gênero no mundo patriarcal. Elas foram proféticas na denúncia da desvirtuação do
propósito do Reino e buscaram, na fidelidade delas mesmas, dar testemunho de que a Boa
10 Devido à oscilação das datas nas hagiografias das ammas aqui mencionadas, algumas seguem sem o período ou século
exposto. NdA.
MACHADO, Elisângela Pereira
O feminino no Cristianismo Antigo: um ensaio sobre a Matrologia
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.135, p. 11-21, Jul./Dez./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
20
Nova poderia ser experienciada. Desse modo, na busca de fidelidade ao Caminho,
desbravaram um caminho alternativo para viver o Evangelho, da forma mais autêntica
possível, mediante o silêncio e a palavra inspirada pelo próprio Verbo. Enquanto os Pais
da Igreja empreitavam uma pedagogia viril, de uma visão mais conquistadora dos mundos,
mesmo permeada do discurso de amor, elas instituíram a pedagogia do Amor que se
capilariza por meio da Força Vital que diverge da lógica de poder e se curva diante da dor
do outro; a maestria estava em humanizar-se a cada dia, a fim de colaborar na formação da
humanidade em todas as suas dimensões.
É preciso entender e ressignificar a missão dessas mulheres, a importância da
Matrologia para o nosso tempo, de um Cristianismo que solicita atualização, criatividade e
profundidade. Os ditos e feitos das ammas nos desafiam a buscar suas histórias de vida, as
suas experiências vividas e, intuitivamente, mediante uma hermenêutica feminina da
suspeita, podermos compreendê-las e nos deixar inspirar. Seguimos, peregrinos sedentos
da Fonte. O Cristianismo tem de divulgar e em sua formação revelar que a tradição conta
não somente com os Pais da Igreja e do deserto para nos indicarem o Caminho da Fonte;
há uma multiplicidade de mulheres extraordinárias, prontas para partilhar conosco a Força
Vital que as moveu, envolveu, fortaleceu e impulsionou.
Em Jesus, elas rompem os espaços em branco, de nulidade e invisibilidade, à margem em
que haviam sido lançadas e, assim como na tenda (Is 54,2-3), um novo espaço se alarga. Elas
iniciam uma nova dinâmica histórica, social e religiosa. Urge conhecer melhor essas mulheres
e finalmente aprender delas algo que edifique a nossa humanidade. Tendo seus nomes e
considerando a presença de muitas anônimas, resgatemos a pedagogia do Amor, a maestria
espiritual delas em tempos de mutismo e de superficiais, rasas palavras. E, assim, rezemos com
o salmista inspirado para que elas continuem a iluminar os nossos passos (Sl 119,105).
REFERÊNCIAS BIBLI OGRÁFICAS
ALBELDA, F. E.; DELGADO, P. Á. (coords.). Hijas de Eva: Mujeres y religión en la Antigüedad.
Sevilla: Ed. Universidad de Sevilla, 2015.
AQUILINA, M.; BAILEY, C. Madres da Igreja. O testemunho das cristãs primitivas. São Paulo:
Loyola, 2018.
BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. Tradução da Paulus. São Paulo: Paulus, 2002.
BOBRINSKI, B. A renovação atual da Patrística na Ortodoxia. In: Documentation Catholique, nº
2095, 05/06/1994. p.543-544.
CALVÁRIO, P. Fundamentos filosóficos dos Apotegmas dos Padres do Deserto. Covilhã, Portugal:
Universidade da Beira Interior, 2011.
CLARK, E. A. Women in the Early Church. Wilmington: Michel Glazier, 1983.
CLARK, E.; RICHARDSON, H. (Ed.). Women and Religion: a Feminist Sourcebook of Christian
Thought. New York: Harper Collins, 1977.
CREMASCI, L. Detti e fatti delle donne del deserto. Comunità Di Bose. Magnano, BI: Edizione
QIQAJON, 2018.
COELHO, F. S. As Matronas da Antiguidade Cristã: um estudo comparado das representações de
gênero nas obras de Jerônimo e Agostinho (380-420 E.C.). Rio de Janeiro, 2018.
DEL CASTILLO, A. El sistema legislativo como elemento fundamental para el desarrollo femenino en el
mundo romano. Actas de Las V Jornadas de Investigación Interdisciplinaria: La mujer en el mundo
antiguo. Madrid: Ediciones de la Universidad Autónoma de Madrid, 1986.
DREHER, M. A Igreja no Império Romano. Col. História da Igreja vol.1. São Leopoldo: Sinodal, 2003.
EGGERT, E. A mulher e a educação: possibilidade de uma leitura criativa a partir da hermenêutica
feminista. In. Estudos Leopoldenses, Série Educação, vol.3, n.5, 1999, p,19-23.
MACHADO, Elisângela Pereira
O feminino no Cristianismo Antigo: um ensaio sobre a Matrologia
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.135, p. 11-21, Jul./Dez./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
21
EGGERT, E.; SILVA, M. A. da; CAMPAGNARO, S. O amor tudo crê, tudo suporta? Santa Cruz do
Sul: EDUNISC, 2021. Acessível em: https://www.unisc.br/pt/home/editora/e-books?
id_livro=516.
EARLE, M. The Desert Mothers: Spiritual Practices from the Women of the Wilderness. Harrisburg,
Pa: Morehouse Pub, 2007.
ELM, S. Virgins of God: the making of asceticism in late antiquity. Oxford: Oxford University Press, 1996
.
FIORENZA, E. S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo:
Paulinas, 1992.
FIORENZA, E. S. In Memory of Her: a Feminist Theological Reconstruction of Christian Origins. New
York: Crossroads, 1988.
FIORENZA, E. S. Mujer y ministerio en El cristianismo primitivo. Selecciones de Teologia, São Paulo,
n.132, vol. 32. Out/dez, 1994, p.327-337.
FIORENZA, E. S. Rumo ao Discipulado de Iguais: a Ekklesia de Mulheres. Estudos Teológicos, São
Leopoldo, 36 (3), 1996, p.281-296.
JERÓNIMO, S. Cartas de San Jerónimo. Vol. I. Edición bilingüe introducción, versión y notas por
Daniel Ruiz Bueno. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1963.
JERÓNIMO, S. Epistolario. Vol. II. Edición bilingüe traducción, introducciones y notas por Juan
Bautista Valero. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1993.
KASTNER, W. P. (ed.) A Lost tradition: Women Writers of the Early Church. Washington, D.C.:
University Press of America, 1981.
KAUR, R. O que o sol faz com as flores. Poema: legado. São Paulo: Planeta do Brasil, 2017.
MARCOS SANCHEZ, M. M. La visión de la mujer en San Jerónimo a través de su correspondencia. In:
La mujer en el mundo antiguo. Actas de las V Jornadas de investigación interdisciplinaria. Madrid:
Ediciones de la Universidad Autónoma de Madrid, 1986, p.315-321.
MARTINS, M. C. Peregrinação de Egéria: uma narrativa de viagem aos Lugares Santos. Uberlândia:
EDUFU, 2017.
MORENO, F. San Jerónimo: la espiritualidad del desierto. Madrid: BAC, 1986.
MORETTI, P. F. La Biblia y el discurso de los Padres Latinos sobre las Mujeres. De Tertuliano a Jerónimo.
In: BØRRESEN, K. E.; PRINZIVALLI, E. (Eds.). Las Mujeres en la Mirada de los Antigos
Escritores Cristianos (siglos I-VI). Navarra: Verbo Divino, 2014, p.145-182.
PAGELS, E. Adam, Eve and the Serpent: Sex and Politics in Early Christianity. New York: Vitange
Books, 1989.
PALLADIUS. The Lausiac history. Translated by W. K. Lowther Clarke. London: The Macmillian
Company, 1918.
PEDRÓS, C. S. Madres Orientales (Ss. I-VII). Matrologia I. Burgos: Monte Carmelo, 2003.
PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2013.
PERROT, M. História das Mulheres no Ocidente. v.1: A Antiguidade. Porto: Afrontamento, 1993,
p.592-603.
SCHEID, J. “Estrangeiras” indispensáveis: os papéis religiosos das mulheres em Roma. In:
DUBY, G., PERROT, M. (Orgs.). História das Mulheres no Ocidente. v.1: A Antiguidade. Porto:
Afrontamento, 1993, p.465-509.
SILVA, G. V. A redefinição do papel feminino na Igreja primitiva: virgens, viúvas, diaconisas e monjas.
In: SILVA, G. V.; NADER, M. B.; FRANCO, S. P. (Org). As Identidades no tempo: ensaios de
gênero, etnia e religião. Vitória: EDUFES, 2006a, p. 305-320.
SOUSA, R. F. de; VICENTE, V. de S.; EGGERT, E. (Orgs). Maria Madalena: múltiplas
representações. Porto Alegre, RS: Editora Fundação Fênix, 2020.
TORJESEN, K. J. When women were priests: women’s leadership in the early church a the scandal of
their subordination in the rise of Christianity. San Francisco: Harper Collins, 1993.
MACHADO, Elisângela Pereira
O feminino no Cristianismo Antigo: um ensaio sobre a Matrologia
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.135, p. 11-21, Jul./Dez./2023. ISSN On-line: 2763-5201.