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MULHERES, SOCIEDADE E A IGREJA
CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA
WOMEN, SOCIETY AND THE
ROMAN CATHOLIC APOSTOLIC
CHURCH
Maria Cristina S. Furtado*
Resumo: A herança patriarcal da inferioridade da mulher, em termos
intelectuais, ainda é grande em nossos dias, trazendo o desrespeito e a
desvalorização da mulher, tanto nos espaços domésticos, como nosblicos,
e religiosos. O resultado é a falta de participação decisória das mulheres, e a
forte violência que vemos no dia a dia. Neste artigo, traremos um
retrospecto histórico da violência contra a mulher desde a Bíblia (AT e NT),
como esta visão negativa penetrou no cristianismo, e ajudou a chegar em
nossos dias. Veremos como a mulher tem trabalhado intensamente para
modificar esta realidade. Será também analisado como o movimento
feminista tem sido importante nesta luta, e como o estudo da teologia pelas
mulheres, levou-as a conhecerem o Deus libertador, possibilitando as
teologias feministas, que com seus desdobramentos trouxeram novos
olhares teológicos, e têm ensinado às mulheres a verem o seu potencial e
lugar na Igreja. Finalmente, serão abordadas as pequenas mudanças que a
Igreja Católica tem feito, desde a entrada do Papa Francisco, e as
perspectivas futuras desejadas.
Palavras-chave: Violência. Mulher. Sociedade. Amor incondicional.
Abstract: The patriarchal inheritance of women’s inferiority, in intellectual
terms, still looms large these days, bringing disrespect and devaluation of
women into domestic spaces, as well as in the public and religious spheres.
The result is the lack of female participation in decision-making processes,
as well as the increasing violence we are witness to daily. In this article, we
will bring a historical retrospective of violence against women since Bible
times (OT and NT), how this negative view was inserted into Christianity,
and reached our days. We will see how women have worked intensely to
modify this reality. The feminist movement will also be analyzed in how
important it has been in this struggle and how women’s study of theology
had led them to encounter the liberating God and enabled feminist
theologies. These, with their developments have collaborated to bring new
theological perspectives, teaching women to see their potential. Finally, it
will address the small changes that the Catholic Church has made, since the
arrival of Pope Francis, and the desired prospects.
Keywords: Violence. Woman. Society. Unconditional love.
v. 40, n. 135, Passo Fundo,
p. 33-41, Jul./Dez./2023,
ISSN on-line: 2763-5201
DOI:
dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v40i135.194
* Doutora em teologia sistemática-pastoral
(PUC-Rio), Especialista em Educação (PUC-
RS) e Psicóloga (CNP-BH). Realizou
doutorado sanduiche na Universidade de
Roehampton, Londres. É professora na
Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais (PUC-MINAS) e no Instituto São
Paulo de Estudos Superiores (ITESP).
Diretora do Centro de estudos de Gênero,
Diversidade sexual e Violência (RJ). Membro
da Sociedade Brasileira de Teologia Moral
(SBTM) e da Sociedade de Teologia e
Ciências da Religião (SOTER).
Email: mcristinafurtado@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0003-0078-3853
Recebido em 31/07/2023
Aprovado em 03/11/2023
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INTRODUÇÃO
As mulheres são protagonistas de uma Igreja em saída, através da escuta e do
cuidado que manifestam com as necessidades dos outros e, com uma marcada
capacidade de sustentar dinâmicas de justiça em um clima de ‘calor doméstico’,
nos diferentes ambientes sociais em que se encontram para trabalhar [...]. (PAPA
FRANCISCO, 08 out. 2020)
O Papa Francisco sempre diz palavras fortes e amorosas em relação à participação
das mulheres, mas o que vemos, constantemente, na Igreja Católica, é a rejeição para a
mulher estar nos principais ministérios. Na mídia, no atual momento, as mulheres têm
sido amplamente festejadas, mas o que lemos, vemos, e ouvimos, diariamente, são notícias
sobre a violência contra a mulher.
Seja violência física, psicológica, institucional, simbólica, e sexual é comum as
mulheres serem, constantemente, ofendidas e difamadas por homens que se sentem
ultrajados quando questionados, ou pressionados, de alguma forma, por uma mulher,
que para eles, as mulheres são consideradas seres inferiores, subalternas. Da mesma forma
as mulheres são agredidas pelos maridos, namorados, ex-maridos, e assassinadas, quando
tentam tomar as rédeas de suas vidas e/ou tentam romper seus relacionamentos.
A cultura patriarcal trouxe para a mulher, na contemporaneidade, a herança de ser
considerada inferior em termos intelectuais, e ter grande capacidade afetiva, o que a
qualifica para atividades domésticas e a desqualifica para a vida pública. Essa análise junto
com os interesses da sociedade da época, dissociou o orgasmo da reprodução, e a mulher
foi chamada a dispensar o prazer, e a se voltar para a família e a procriação. Para Elza
Tamez, (2011, p.154), a raiz fundamental da violência de gênero encontra-se no fato do
homem ter sido considerado “um ente superior, e a mulher inferior”. Uma visão que a
relaciona ao mal, à tentação, à sedução, à Eva que instigou Adão a cometer o pecado,
tornando-a maldita sobre a terra. Apesar de todas as lutas e conquistas, o patriarcalismo
ainda é uma realidade, e essa visão da mulher, persiste em muitos ambientes, e entre eles,
na religião cristã, em especial, na Igreja Apostólica Católica Romana.
Na sociedade ocidental os homens ocupam grande parte dos lugares de decisão, e as
mulheres ainda têm pouca participação decisória. Em 2022, tivemos apenas 18% de
deputadas federais mulheres, e de deputadas estaduais e distritais eleitas em todo país.
Embora tenha sido um recorde, ainda é mínima a participação das mulheres nas decisões
que dizem respeito à sociedade e a elas próprias (NEXO, 03 out.2022). A consequência
disso, é a continuidade de decisões que favorecem ao sexo masculino sem a preocupação da
implementação de políticas públicas que ajudem a diminuir a violência de gênero. Políticas
que favoreçam uma educação não sexista, visando paridade entre os gêneros, respeito à
liberdade das mulheres, equiparação salarial, o avanço de novas leis e a fiscalização para o
cumprimento das que existem contra a violência doméstica, e todo o tipo de violência
contra a mulher. Os números da violência no Brasil são preocupantes. De acordo com a
pesquisa que nos traz Raissa Basílio, na revista CLAUDIA (3 mar.2023) “Em 2022, cerca de
21,5 milhões de mulheres acima dos 16 anos sofreram violência física ou sexual dos
parceiros ou ex-parceiros e 18,6 milhões foram assediadas, de forma verbal ou física”.
Neste artigo, refletiremos sobre a violência de gênero que as mulheres ainda sofrem
na atualidade, tanto na sociedade como na Igreja Católica Apostólica Romana, e
mostraremos a sua luta para ter direitos igualitários.
FURTADO, Maria Cristina S.
Mulheres, sociedade e a Igreja Calica Aposlica Romana
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.135, p. 33-41, Jul./Dez./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
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1 RETROSPECTO HISTÓRICO
Na Bíblia, no A.T. encontramos mulheres citadas como líderes, juízas, profetisas e
outras importantes ações, entre elas, Sara, Míriam, Raabe, Rute, Ana, Ester. Entretanto, de
acordo com a teóloga Maria Clara Bingemer, em determinado momento, isso mudou.
Quando a “circuncisão” passou a fazer parte do ritual de iniciação ao Judaísmo, a mulher
passou a ser oprimida, inclusive, pela sua constituição corporal. Começou a receber menos
mandamentos do que os homens, o que a diminui em sua dignidade, pois para o povo de
Deus, a glória era viver segundo a lei de Deus. Nesta época, aos seus ciclos menstruais
foram considerados impuros, e elas segregadas em muitas esferas da vida (FURTADO,
2022, p.115). No entanto, ainda de acordo com esta teóloga, “Jesus resgatou a dignidade das
mulheres, pela sua práxis libertadora, e a Igreja Primitiva parece ter assimilado as
esperanças de Jesus ao introduzir um ritual de iniciação não sexista, como o
batismo” (BINGEMER, et al, 2008, p.92). Para ela, “o batismo trouxe uma ruptura radical
com o passado, surgindo um novo modo de ser. Com esta ruptura o batizado se faz
semelhante a Cristo, por uma morte semelhante à sua” (BINGEMER, 2010, p.36). Jesus foi
revolucionário, e na Igreja Primitiva a mulher era ativa, engajada, discípula, missionária,
líder, e responsável pelas igrejas domiciliares.
De acordo com Ana Maria Tepedino, Jesus o fazia acepção de pessoas. “A todos
acolheu e com todos se relacionava da mesma forma” (TEPEDINO, 1990, p.82). Ela cita a
feminista Elisabeth Schüssler Fiorenza, dizendo que esta teóloga vai ainda mais além,
quando afirma que as mulheres exerciam liderança, como apóstolas, em situação de
igualdade com os 12” (IDEM, p. 90). Entretanto, o forte androcentrismo em Israel,
decretava que o fato de se nascer homem ou mulher determinava um grau de maior ou
menor dignidade da pessoa.
A teóloga Tereza Cavalcanti (2002, p.355), nos relembra que, na sociedade judaica,
no século II d.C., os judeus rezavam três vezes ao dia uma oração em que “agradeciam por
não ser mulher”. Talvez esta compreensão, ajude-nos a entender que a liderança de
mulheres, dificilmente, poderia ser aceita por muito tempo, em uma sociedade, com tão
fortes padrões androcêntricos. Este pode ser o motivo para que, entre os escritos de Paulo,
onde forte valorização da mulher, exista uma passagem, nas Cartas Paulinas que, no
início do século XIX, passou a ser usada para marcar a mulher, na esfera doméstica,
submetendo-a ao marido, mandando-a se calar na Igreja. Passagem não compatível com as
ações de Paulo, que levou diversas mulheres a assumirem cargos de liderança em suas
comunidades, inclusive, citando-as, nominalmente. De acordo com o biblista Jerome
Murphy O`Connor (1996, p.296), esta passagem não foi escrita por Paulo. Teria sido uma
inserção feita, posteriormente, como aconteceu com outras passagens.
Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas
dos santos. As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é
permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. E se querem
aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é
vergonhoso que as mulheres falem na igreja (1Cor 14,34-35).
Aos poucos o Cristianismo para penetrar no mundo grego e Romano, foi se
afastando de alguns importantes aspectos da revolução de Jesus, e ao aproximar-se da
filosofia estoicista, deixou penetrar em sua doutrina nãoos aspectos positivos, mas uma
forte negatividade sobre a sexualidade. Esta passou a ser vista como pecado, e admitida
apenas em função da ‘procriação’. Com isto as mulheres voltaram a ser vistas como
inferiores ao homem, e consideradas traiçoeiras e pecadoras. Pouco a pouco, foram
FURTADO, Maria Cristina S.
Mulheres, sociedade e a Igreja Calica Aposlica Romana
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retiradas do trabalho apostólico, e as que decidiram consagrar sua vida a Jesus, foram
recolhidas a clausuras, obrigadas a usar bito, e a trabalharem às margens do poder.
Segundo a historiadora Ana Maria Bidegain (2009, p.16), as mulheres foram colocadas em
vida privada, e apesar de invisibilizadas pela história, continuaram exercendo não uma
função catequética, mas “exercendo funções de organização de redes ligadas ao poder
econômico, social, educativo e religioso, dentro dos conventos.
Para o Jesuíta Gary Macy (2009a), a participação das mulheres era o grande, que
na Idade Média, até a metade do século XII, “as mulheres eram cogitadas para a ordenação
como qualquer homem. Eram consideradas parte do clero”. Foram diaconisas, serviam
como bispas, distribuíam comunhão, e aouviam confissões. Para ele, “as evidências mais
óbvias vêm dos ritos de ordenação” (2009a). Entretanto, quando começou a reforma
religiosa, os reformadores resolveram afastar as mulheres para estabelecerem o celibato, e
fizeram uma campanha colocando as mulheres como incapazes de exercer qualquer cargo
na Igreja. Segundo Macy, em 1230, o ritual de ordenação sofreu duas importantes
mudanças que até hoje são usadas para excluir as mulheres. 1) A ordenação sacerdotal se
tornou uma cerimônia para conceder poder e novo estado espiritual. 2) A ordenação
passou a ser focada em apenas um ministério, com o poder de consagrar o pão e o vinho
durante a missa. Além disso, teve início um processo que procurou expurgar do
cristianismo a memória da ordenação de mulheres (FURTADO, 2022, p.125).
No início da modernidade as mulheres sofreram ainda mais perseguição, com uma
grande caça às feiticeiras. Segundo Jean Delumeau (2001, p.310). “A mulher foi identificada
como perigosa agente de Satã, dentro e fora da Igreja Católica”. A partir do século XV, a Igreja
enfatizou ainda mais o sexo como função procriadora, colocando o ato sexual que o
levasse à procriação, entre os pecados contrários à natureza, e abusivos à sexualidade humana.
De acordo com a doutora em Ciência Política, Céli Regina J. Pinto (jun. 2010, p. 16)
“durante a inquisição a Igreja católica foi implacável com qualquer mulher que desafiasse
os princípios por ela pregados como dogmas insofismáveis”. Houve ainda uma ampla
difusão da doutrina cristã, e aos poucos, a necessidade da mulher de estar somente ligada à
procriação, e a visão negativa da sexualidade, uniram-se às exigências da sociedade da
época. No final do século XIX, os estudos biológicos, sem mencionar a carga cultural que
existiam em suas análises, ajudaram a inferiorizar a mulher, dando a capacidade intelectual
para o homem, e a capacidade afetiva à mulher. Esta foi a visão que chegou aos nossos dias.
2 A LUTA E RESISTÊNCIA DAS MULHERES
As mulheres não se conformaram com a situação de inferioridade que lhes foi
conferida, e muito têm lutado para modificar esta situação. Elas procuraram se organizar, e
no início do século XX, os movimentos de resistência feminina multiplicavam-se e as
conquistas começavam a acontecer. O movimento recebeu o nome de “feminista”, e as
mulheres feministas foram consideradas indesejáveis, pois lutavam pelos seus direitos,
sendo muitas delas, despedidas de seus empregos, presas, e até assassinadas. A primeira
grande luta foi pelo “sufrágio”, e no Reino Unido, ainda no final do século XIX, as
mulheres conseguiram o direito de votar. No Brasil, as mulheres conseguiram o
sufrágio, em 1930, quando foi promulgado o novo código eleitoral brasileiro. Mas, por
volta de 1950, em mais de 100 nações o voto feminino era uma realidade.
Durante a segunda Guerra Mundial, o movimento feminista enfraqueceu, pois em
muitos países, as mulheres precisaram assumir o trabalho que, anteriormente, era feito
pelos homens, e o feminismo inicial reaparecerá, com importância, na década de 1960.
FURTADO, Maria Cristina S.
Mulheres, sociedade e a Igreja Calica Aposlica Romana
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Ele voltou revigorado, como um movimento libertário que deseja, não espaço para a
mulher no trabalho, na vida pública, na educação –, “mas que luta, sim, por uma nova
forma de relacionamento entre homens e mulheres, em que esta última tenha liberdade e
autonomia para decidir sobre sua vida e seu corpo (PINTO, 2010, p.16). De acordo com
esta autora, o mais importante foi mostrar a existência da dominação do homem sobre a
mulher, cujas características são diferentes da dominação de classe.
Nessa época, a Igreja Católica realizou o Concílio Vaticano II (1962-1965). Um
concílio que levou a Igreja Católica a mudar a compreensão sobre a sua presença no
mundo, e realizou algumas aberturas, como a permissão para leigos, mulheres, jovens e
adultos, participarem de seus centros de estudos. Estas e outras mudanças levaram as
mulheres católicas acreditarem que a Igreja abriria as portas para a entrada nos
ministérios, e faria alguma mudança em relação à sexualidade, principalmente, em relação
à função reprodutiva. Mas não foi isso que aconteceu:
- A Carta Encíclica Humanae Vitae, em 25 de julho de 1968, assinada pelo Papa
Paulo VI, reafirmou que qualquer ato matrimonial deveria permanecer aberto à
transmissão da vida, e apenas o método do ‘ritmo’ continuaria a ser considerado
lícito pela Igreja Católica.
- Em 1975, o Papa João Paulo II, disse ser impossível as mulheres atingirem ao
ministério presbiteral, e a doutrina da Fé (CDF) justificou como sendo fidelidade
ao Senhor, pois a Igreja nunca teria admitido que as mulheres recebessem a
Ordenação presbiteral ou episcopal. (FURTADO, 2022b, p.139-141).
No entanto, mesmo impedidas de atingir os ministérios, as mulheres foram estudar
teologia, e inspiradas no movimento feminista, e na espiritualidade do Deus libertador, da
teologia da libertação, elaboraram a teologia feminista. De acordo com Elizabeth
Schüssler-Fiorenza (1992, p.29), “a intuição básica de todas as teologias da libertação,
incluindo a teologia feminista, foi o reconhecimento de que toda teologia quer queira quer
não, é, por definição, comprometida em favor ou contra os oprimidos”.
Para Neiva Furlin (2011, p.144-147) existiram três fases de produção teológica das
mulheres latino-americanas e brasileiras. Todas trouxeram novas hermenêuticas teológicas
e interpretações bíblicas, ligadas a reflexões de ‘gênero’, entre elas:
- a dimensão feminina de Deus e a importância da mulher na Igreja primitiva; -
a denúncia e o questionamento do caráter androcêntrico, patriarcal e
demasiadamente racional na Bíblia e na teologia; - elaboraram a teologia
ecofeminista (Ivone Gebara); - a teologia feminista pela perspectiva de gênero,
onde o discurso normativo masculino deixou de ser universal, e o gênero
passou a ser percebido como relações de gênero, e relações de poder.
(FURTADO, 2022a, p.85-98).
Com muita persistência e capacidade, as mulheres, além de estudarem e escreverem,
tornaram-se agentes pastorais, entraram nas Universidades Católicas como professoras, e nas
Igrejas, como agentes pastorais, e desde então, espalham o seu saber. Hoje, são professoras de
Teologia ou de Ciências das Religiões, coordenadoras de departamentos, diretoras, decanas.
Possuem ampla produção, e muitas, por suas ações na Igreja, são reconhecidas, nas
universidades do seu país, e internacionalmente, embora, sintam que seus trabalhos e textos
teológicos ainda sofrem discriminação, dentro da Igreja. Sempre aqueles que procuram
diminuir o que fazem, e negar a seriedade da produção teológica das mulheres.
A teologia feminista não é homogênea, e muitos preferem dizer “teologias
feministas”. A compreensão da importância de gênero nas relações, e o aspecto social e
psicológico que estas teologias trazem, possibilitaram novas pesquisas e conclusões, e
FURTADO, Maria Cristina S.
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através das mais variadas ciências. Cito aqui as principais teólogas que falam sobre estes
temas: - a teologia negra (Cleusa Caldeira); - as teologias libertadoras inclusivas
LGBTQIA+ (Maria Cristina S. Furtado), a teologia Queer (Marcella Althaus-Reid, Lisa
Isherwood, Ana Ester), a teologia lésbica (Mary Hunt), a teologia ecológica, a teologia pós
e decolonial, a teologia ecumênica, interreligiosa etc. (FURTADO, 220a p.88-93).
3 PAPA FRANCISCO E AS MULHERES
Desde a entrada do Papa Francisco, o tema da igualdade feminina, voltou a ser
debatido na Igreja. Algumas mulheres foram chamadas para participarem destes debates,
entretanto, reconhecem estar sendo difícil fazer qualquer mudança. Um número
considerável de padres, bispos e cardeais, parece que ainda não conseguiram ver a mulher
como alguém que possa acrescentar novos olhares e experiências. Phyllis Zagano, membro
da comissão dos estudos sobre o Diaconato, diz que o trabalho realizado não foi
conclusivo, pois ao final, havia bispos e cardeais contrários, e outros favoráveis. Dessa
forma, a decisão para a Igreja Universal deve ser aplicada pelas Conferências episcopais, ou
seja, pelos bispos individuais (IHU, 17 mai. 2019).
A grande novidade que trouxe o Papa Francisco em relação às mulheres foi,
inicialmente, ter dado cargos decisórios a algumas mulheres, e mais recentemente,
modificar o Cânon 230, § do Código de Direito Canônico, permitindo que as mulheres
assumam os ministérios de leitor e de acólito. O primeiro, relacionado com a Palavra, e o
outro, com a Eucaristia. Para o prof. Pe. Antônio J. de Almeida, as mulheres agora podem
ser instituídas, o que é diferente de ordenadas. “Para alguém se tornar bispo, presbítero, ou
diácono são-lhe impostas as mãos, e realizada a oração consacratória que introduz ao
ministério pastoral, na hierarquia da Igreja; e para os outros ministérios, a pessoa é
estabelecida numa determinada posição”. Segundo Almeida, as viúvas, e as mulheres, em
geral, não eram ordenadas até a Idade Média, e sim instituídas (IHU, 2021).
Esta modificação no cânon, provocou muitas reações, pois, para alguns, o
impedimento legal foi removido, e isto, vai além do que possibilitou para as mulheres,
neste momento, e simbolicamente é muito importante. Para os progressistas, foi um passo
importante para as mulheres virem a assumir os ministérios principais. Afinal, para eles,
homens e mulheres cristãos são, pelo batismo, iguais em dignidade. Para os conservadores,
isto é inconcebível (IHU, 2021).
É importante dizer, que as mulheres se encontram ainda mais ativas, organizando-
se, dentro e fora da Igreja, em diferentes movimentos, e cada dia conseguindo mais
vitórias em relação aos seus direitos.
Dentro da Igreja Católica são vários os movimentos de mulheres existentes. Uns mais
independentes, e outros mais ligados ao clero. Entre eles, cito o Conselho Mundial de
Mulheres Católicas (CATHOLIC WOMEN’S COUNCIL - CWC), onde sou uma das
representantes brasileiras junto com Ivenise Santinon; e a União Mundial das Organizações
femininas católicas. Ambos têm trabalhado, incessantemente, para que os bispos recebam
as suas reivindicações, de modo que possam ser debatidas, no Sínodo, em outubro de 2023,
e em 2024. Entre as mulheres teólogas, vários grupos também têm se formado. Cito aqui,
duas redes das quais faço parte: a rede Teomulher, em que sou uma das fundadoras. Ela
existe, desde 2018, e busca unir e divulgar os trabalhos realizados pelas teólogas; e a recém-
formada, Rede Brasileira de Teólogas, que já conta com mais de 90 participantes.
As reivindicações das mulheres têm chegado ao Vaticano, e o Papa Francisco não se
mostra indiferente a estas ações. Ao contrário, foi publicado um documento que convocou
FURTADO, Maria Cristina S.
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70 pessoas entre padres, religiosas, diáconos e leigos católicos, que foram escolhidos para
as Conferências Episcopais Nacionais (CNN. BRASIL, 26 abr. 2023). Destes 50% são
mulheres que têm direito a voto. Entre as mulheres encontra-se Sonia Gomes de Oliveira,
Presidente do Conselho Nacional do Laicato do Brasil. (G1. Grande Minas, 8 jul. 2023).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O retrospecto histórico, neste artigo, mostra-nos: - o quanto o processo de
inferiorização e invisibilidade da mulher tem acompanhado a história da mulher, e como o
cristianismo tem colaborado para isso. - Como o movimento feminista, sempre apontado
como subversivo, e criticado pelos setores conservadores, dentro e fora da Igreja, foi e é
crucial, na luta pelos direitos das mulheres. - A teologia feminista ou teologias feministas
são um marco na produção das mulheres na Igreja, e crucial para a pluralidade teológica
hoje existente. - A importância do conhecimento para as mulheres, e de sua organização
em grupos de mulheres. - E finalmente, o quanto as mulheres o importantes para a
Igreja, e para o mundo.
A luta da mulher na sociedade, na teologia e na Igreja Católica Apostólica Romana
continuará por longo tempo. Quanto mais a mulher estudar, produzir, e se encontrar nos
espaços blicos, universitários e pastorais, seus trabalhos e ações abrirão mentes e
corações, e ela contribuirá para a Igreja, em saída, tão desejada pelo Papa Francisco e como
ele próprio diz:
Escuta, meditação, ação amorosa: esses são os elementos constitutivos de uma
alegria que se renova e se comunica aos outros, através do olhar feminino, no
cuidado da Criação, na gestação de um mundo mais justo, na criação de um
diálogo que respeite e valorize as diferenças. (PAPA FRANCISCO, 08 out.
2020)
Para a continuidade da luta, algumas mulheres que foram fundamentais no passado,
precisam ser lembradas para continuarem a inspirar as mulheres, da atualidade. Vanildes
Gonçalves dos Santos (s/data), professora da Universidade Católica de Brasília (UCB),
pede em oração:
Que a coragem e sabedoria de Maria Madalena e de tantas mulheres, que
fizeram parte do movimento de Jesus, continuem a nos inspirar na luta contra
todas as formas de violências contra as mulheres (nas casas, nas ruas, favelas,
campos, florestas, templos, trabalhos, escolas, redes sociais...)”.
Como mulher, católica, posso desejar e rogar para que todas as mulheres,
inspiradas na coragem de Maria Madalena, e como ela, envolvidas pelo amor
incondicional de Deus, continuem a anunciar que viram Jesus, e o que Ele disse (Jo.20,18).
E sob o manto de Maria, em oração com todos os irmãos e irmãs, digamos, “façam tudo o
que Mestre Jesus mandar” (Jo 2,3-5).
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