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se ginga inteligente (ARDUINI, 2002). Nos diz com propriedade, que o ser humano se
desata no olhar, no sorriso, no semblante acolhedor, no aceno sororal e fraterno. Desata-se
nas emoções, no amor, na alegria, na expansividade, na irreverência, na cólera, desata-se na
criatividade, na estética, na esperança, na utopia, na audácia, nas buscas, e nos avanços.
Quem não se desata interna-se na solidão para proteger a opacidade existencial.
Quem não se desata cria presídios psicológicos, confina-se no egocentrismo fechado e
condena-se a ser monólogo. Torna-se estranho a si mesmo, traumatiza-se e se machuca na
interioridade do existir. E, a existência que não se desata, torna-se existência engasgada,
asfixiada por falta de oxigenação solidária. Desatar-se é ventilar-se, é romper cercos, é
liberar a voz abafada e emancipar a consciência cativa.
Querer a sororidade na sinodalidade inclui a dimensão solidária, que é capaz de ser
para alguém no singular e plural das inúmeras convivências, esquecer-se para amar e
expressar-se beneficiando quem necessita. Amar sem cobrar amor. Ninguém se basta a si
mesmo, ninguém vive sem os outros nem é possível realizar-se sozinho, daí a importância
da reciprocidade, porque o amor acorrentado leva à loucura e à derrota. A reciprocidade
da sororidade na sinodalidade é vital para o enriquecimento mútuo da vida eclesial e
religiosa ao estilo do que estamos tratando.
A gestação desse “rosto de luz” vem também dos outros como referente, tanto
quando sentimos a dor que escurece o horizonte de nossa compreensão, como quando nos
anima e está ao nosso lado, porque os outros são presentes ofertado nas vivências
cotidianas que podem sim nos fazer perceber que somos parte de um universo de direito
para os demais, formamos parte de nosso recorrido vital que nos devolve a paixão de
compreender a aventura humana como uma aventura que se torna sagrada no
reconhecimento da dignidade do outro, e que este outro existe como espelho que nos
reflete através de suas reações.
O caminho sagrado que as pessoas forem tecendo, ofertando o mistério de Deus
através de suas vidas, se expressa desta maneira; a de poder contar com os outros para
realizar-nos, eixo daquilo que de forma profética a vida religiosa consagrada mantém
como constitutivo em seu modo relacional de existir. Os outros e suas aventuras nos
animam a beber mais desde o âmago da experiência amadurecida, para forjar “rostos de
luz” na vida nas relações que estabelecemos em casa.
3. “A luz de nosso olhar”, em um “tríplice olhar sinodal”, formada pelo olhar
ecológico, com tudo o que exige para o momento presente, e que nos permite ser mais
suscetíveis no contexto atual de mudanças aceleradas e diversas, permeadas pelos efeitos da
pandemia que em alguns aspectos nos paralisaram, e em outros nos revelaram novas
possibilidades e modos de relação. Tendo como pano de fundo, o temor e a ameaça
permanente da guerra que revela as tensões que vivem as nações em diversas partes do
mundo, a crise ecológica que nos preocupa, as mudanças de paradigma, e os avanços
tecnológicos e as consequências de tudo isso.
É dentro deste con texto, que somos convidadas a construir uma Igreja Sinodal e uma
vida religiosa em sinodalidade, que se aproximam mais ao sonho do reinado de Deus que
nos comunicou Jesus; o olhar feminino em voz de mulher que se integra plenamente no
conjunto da vida consagrada, daquela que contribui cuidando com o modo que lhe é
próprio em ternura, tato e delicadeza. Mas, também com paciência e valentia profética de
se ausentar do flagelo das competições e comparações invejosas que sugam as energias
favoráveis da cumplicidade na vida religiosa feminina.
Aproximando-nos deste modo, o nosso olhar para aqueles que estão à margem do
mundo, e que nos descoloca e nos situa de outra maneira na hora de configurar nosso
BUCKER, Bárbara P.
Implicações da sororidade na sinodalidade
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.135, p. 67-76, Jul./Dez./2023. ISSN On-line: 2763-5201.