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IMPLICAÇÕES DA SORORIDADE
NA SINODALIDADE
IMPLICATIONS OF SORORITY
IN SYNODALITY
Bárbara P. Bucker*
Resumo: Este artigo explora a interseção da sinodalidade e sororidade na
vida religiosa feminina, destacando a importância de reconhecer as
distintas experiências e perspectivas das mulheres. A reflexão parte da
compreensão de que modos históricos de interpretação ainda permeiam o
inconsciente coletivo, dificultando a legitimidade de vivências específicas
das mulheres. Abordando a necessidade de ampliar horizontes na busca por
sentido na vida, o texto destaca a sinodalidade como uma oportunidade
para investir no presente, alinhando-se com o chamado à comunhão e ao
discernimento. Cada pessoa deste projeto com suas lideranças é desafiada a
ser portadora da esperança, revelando “rostos de luz” no caminho a ser
percorrido na sinodalidade. Se questiona se a sinodalidade incluirá a
sororidade, argumentando que a linguagem e atitudes devem refletir uma
mudança essencial no pensamento, promovendo uma semântica inclusiva.
Destaca-se a importância da sororidade como o feminino da fraternidade,
demandando uma compreensão distinta da experiência feminina. O artigo
destaca a necessidade de redescobrir e valorizar a Igreja como uma "casa
inclusiva", enfatizando a importância da partilha e do reconhecimento
mútuo. A autora propõe um caminho de retorno à autenticidade e
simplicidade, afastando-se de estruturas clericalistas e patriarcais. Além
disso, o texto explora a ideia de “viver em casa sem se sentir em casa”,
citando o Papa Francisco, e destaca a importância da comensalidade como
um elemento fundamental na construção de comunidades autênticas. O
resumo conclui ressaltando a necessidade de abraçar a vulnerabilidade,
reconhecendo que a transformação e a verdadeira felicidade surgem da
autenticidade e da aceitação mútua. A sororidade na sinodalidade é
apresentada como uma dimensão profunda no aprendizado mútuo,
promovendo a igual dignidade entre homens e mulheres.
Palavras-chave: Sinodalidade. Sororidade. Vida Religiosa Feminina.
Comensalidade. Comunhão. Linguagem Inclusiva.
Abstract: This article explores the intersection of synodality and
sisterhood in women's religious life, highlighting the importance of
recognizing women's distinct experiences and perspectives. The reflection
is based on the understanding that historical modes of interpretation still
permeate the collective unconscious, hindering the legitimacy of women's
specific experiences. Addressing the need to broaden horizons in the search
for meaning in life, the text highlights synodality as an opportunity to
v. 40, n. 135, Passo Fundo,
p. 67-76, Jul./Dez./2023,
ISSN on-line: 2763-5201
DOI:
dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v40i135.191
* Doutora em Teologia Sistemática. Faz parte
da Rede brasileira de teólogas. Professora da
PUC/RJ até 2022 atuando nas disciplinas de
Ética Cristã, Departamento de Teologia.
Esteve na Equipe Teológica da CRB Nacional
(ERT), Equipe de Teólogos de Assessores da
Presidência (ETAP) e da Confederação
Latino-Americano e Caribenho dos
Religiosos (CLAR).
Email: buckerpataro@gmail.com
https://orcid.org/0009-0006-8831-2560
Recebido em 26/07/2023
Aprovado em 07/10/2023
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invest in the present, aligning with the call to communion and
discernment. Each person in this project with their leaders is challenged to
be a bearer of hope, revealing “faces of light” on the path to be followed in
synodality. It is questioned whether synodality will include sisterhood,
arguing that language and attitudes must reflect an essential change in
thinking, promoting an inclusive semantics. The importance of sorority as
the feminine of fraternity stands out, demanding a distinct understanding
of the female experience. The article highlights the need to rediscover and
value the Church as an "inclusive home", emphasizing the importance of
sharing and mutual recognition. The author proposes a path to return to
authenticity and simplicity, moving away from clerical and patriarchal
structures. Furthermore, the text explores the idea of “living at home
without feeling at home”, citing Pope Francis, and highlights the
importance of commensality as a fundamental element in building
authentic communities. The summary concludes by highlighting the need
to embrace vulnerability, recognizing that transformation and true
happiness arise from authenticity and mutual acceptance. Sisterhood in
synodality is presented as a profound dimension in mutual learning,
promoting equal dignity between men and women.
Keywords: Synodality. Sorority. Female Religious Life. Commensality.
Communion. Inclusive Language.
INTRODUÇÃO
Distinção necessária na formulação do tema para a
compreensão de uma vida vivida e tecida majoritariamente por
mulheres, não pelo que caracteriza modos distintos de ser e de se
relacionar, mas porque, historicamente ainda permanece no
inconsciente coletivo, muitos modos de compreensões que
inviabilizam o possível e viável, dificultando no constituído como
legítimo, o que faz parte somente de uma parte da humanidade.
Em geral como seres humanos, somos todos “chamados a
buscar horizontes cada vez mais amplos”, e a explorar novos
caminhos de sentido para a vida, e não o de se contentar em
reciclar a própria vida dentro de um projeto para fazê-lo valer como
sobrevivência a todo custo, uma vez que o ‘Projeto de vida religiosa
consagrada’ se caracteriza como um estilo de ser e expressar a cristã
na Igreja, e sua subsistência o pode consistir em manter uma
aparência de perseverança.
Mais ou menos assim, expressou-se recentemente uma das
lideranças da vida religiosa, concluindo uns dias de reflexão que teve
como lema: rostos de luz”, que me inspirou para esta reflexão
fazendo emergir a lembrança da vocação de Israel na História da
Salvação, e o modo como Jesus Cristo, o “Servo de Deus”, foi
sustentado e escolhido para ser a concretização de uma promessa de
seguir existindo na história, através de seus seguidores, um presente
da presença amorosa e comprometida de Deus, Pai Maternal para
todos os seus filhos e filhas (cf. Is 42,1).
Vivemos em um contexto de globalização, e não podemos
deduzir que existe muita divergência no modo de coexistência
caracterizado por variadas culturas em uma geografia extensiva, uma
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vez que tudo está interligado em correspondência do humano a ser conquistado,
apreendido e desenvolvido.
O Sínodo da Sinodalidade é ocasião propícia para se investir no agoracomo melhor
momento de tornar realidade o profetismo dos sábios e experientes no caminho do
discernimento’, para se viver de os dadas com os profetas da Tradição Bíblica, de modo
que a sabedoria e o profetismo possam coexistir como forma de comunhão à serviço ao bem
comum, e no processo de tecer uma nova humanidadeem eixos de identidades que ao longo
dos séculos se buscou constituir como expressão da essência da vida religiosa na Igreja.
Deste modo é que, a afirmação de que Quem não antecipa o futuro, não encontraseu
lugar”, emerge como exigência e urgência de que sejam as mulheres da vida religiosa, neste
tempo propício da história, as interlocutoras da esperança, na medida em que deixem
transparecer em seus rostos reais, “a luz daquele que as iluminam”, e sejam elas com suas
próprias vidas, estes rostos de luzna sinodalidade da comunhão, e no percurso de não
medir esforços na colaboração e aprendizado do humano.
O dever de armar-se de coragem para apontar com a lucidez de suas vidas, a verdade
e o amor existente nas dificuldades, perdendo o pudor de dar nomes aos conflitos nos
diálogos, mas sem deixar de lado a cumplicidade de colaboração como modo certeiro de
reconhecer as luzes ocultas nos rostos sem brilho dos encontros humanos de muitos seres
no caminho do seguimento de Jesus Cristo.
Em última instância, viver este projeto de vida religiosa, na aquisição de uma
identidade humana, espiritual e carismática como resposta específica de identificação e
personalização para com o modelo de referência que é Jesus Cristo, o Filho de Deus,
presente que se faz presença na missão de fazer irmãos”, tecendo a irmandade de todos
filhos e filhas de Abbá.
SURGE UMA PERGUNTA: A SINODALIDADE INCLUIRÁ A SORORIDADE?
Faz-se necessário, como trabalhou a teóloga Elisabeth A. Johnson em seu livro
“Aquela que é” (JOHNSON, 1995), que se harmonize os ouvidos para uma semântica
inclusiva, que haja expressões de linguagens e atitudes, que façam valer no singular e no
plural das existências, uma verdadeira mudança essencial do pensamento como realidade
de conversão, crescendo em humanidade para participar de uma sinodalidade
corresponsável, e de poder se revisar, todos, como seres humanos.
Sororidade é palavra equivalente ao feminino da fraternidade, termo ainda muito
estranho no vocabulário comum de muitas comunicações oficiais dentro e fora do
contexto comunicacional dos seres humanos; e uma das razões para que não se considere
importante incluí-la, é que o termo mais usado fraternidade, foi cunhado culturalmente
como o que inclui homens e mulheres.
Mesmo assim, é importante a compreensão do termo que o encontramos em
vários idiomas: latim-sororitas, inglês-sorority, francês-sororité, espanhol-sororidad,
português-sororidade, fazendo vir à luz em seu conteúdo de significado e sentido próprio,
que é diferente da que é mais usual ‘fraternidade’, e que por isso acaba por ser excludente.
As mulheres de fato, são portadoras de uma experiência, uma perspectiva, uma dignidade,
um olhar que não pode ser subentendido, inclusa ou resolvida de um ponto de vista
masculino considerado superior e inclusivo. As mulheres e as irmãs devem ser nomeadas e
não subentendidas nos homens e nos irmãos, daí que a sororidade deve ser explicitamente
dita e não absorvida na ‘fraternidade’ (FRIGÉRIO, 2021).
BUCKER, Bárbara P.
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Por isso, é que afirma Tea Frigerio (2021), que a correção linguística de considerar a
igual dignidade entre homens e mulheres também deve ser afirmada no nível linguístico.
Seria hoje anacrônico usar os termos fraternidade - irmãos, ignorando ou
desconsiderando os termos sororidade - irmãs.
Sororidade não é um duplo de fraternidade nem uma coqueteria feminista,
motivada pela vontade de explicitar agora tudo pelo feminino. O termo
explicita o desejo de aderir na concretude da existência, o que é real em suas
vidas, sabendo que as mulheres não são de forma alguma homologáveis aos
homens e que a diferença entre elas também marca a esfera existencial de suas
vidas no âmbito emocional e espiritual como modo de se concretizar a
sinodalidade deste caminho eclesial (FRIGÉRIO, 2021).
O que pressupõe um longo aprendizado para uma Igreja de irmãs e irmãos em
Cristo, onde a sororidade somada com a fraternidade cheguem a se constituírem uma
dimensão profunda no mútuo aprendizado da sinodalidade, que a sororidade constitui
um estilo de relações entre as pessoas que fazem parte do humano como Povo de Deus, e
entre estas, a de toda a família humana. Mas, infelizmente sororidadefica completamente
ausente nos discursos e documentos, nos quais somente a fraternidade padece de uma
inflação desgastada na eficácia do simbólico que não consegue se fazer perceptível no
concreto de inúmeras vivências.
Faz-se necessário redescobrir e valorizar a Igreja na dimensão de ‘casa inclusivatanto
de mulheres, como de homens, jovens, crianças, adultos, de todos de boa vontade, etc.
Redescobrir a Igreja doméstica de Atos 2,46 que diz: “Diariamente, todos juntos
frequentavam o Templo e nas casas partilhavam o pão, comendo com alegria e
simplicidade de coração”; partilha como sinal desta nova identidade sinodal, onde não se
deixa de ensinar e de anunciar a Boa Notícia de Jesus Messias, recurso para desenhar uma
outra face da Igreja como casana crise que atravessam nossas comunidades, dentro das
quais mais do que irmãos/irmãs somos estranhos e nos encontramos em uma atmosfera
dos anônimos e desconhecidos.
É nas casas que nascem as comunidades cristãs. É na casa que Jesus celebra a sua
Páscoa. É a eklesia que se reúne nas casas que as discípulas e os discípulos do Crucificado
Ressuscitado se reconhecem, uns aos outros, umas às outras, como frates (irmãos) e
soros (irmãs), membros da família de Deus. É na casa que a Divina Ruah irrompe como
vento impetuoso sobre todos, homens e mulheres dando origem à Igreja, família
universal reunida.
A mesma Ruah Inovadora como ativa criatividade nos desafia a experimentar, ousar
novas formas de ser Igreja, diversamente ligadas ao território, ousando linguagem nova e
antiga, voltando a ser Laos, povo laical, povo de Deus. Novas células, reais lugares do
acontecimento eclesial, espaços alternativos das formas existentes, não para deixá-las
como são, mas para promover uma transformação radical e quem sabe substituí-las, uma
vez adquiridas autoridade e competência.
É a Presença” da Divina Ruah que fortalece a consciência profunda de que
começando desde a simplicidade de existir, com gestos e atitudes que nasçam da vida, na
transparência do que se é, e no despojamento pobre de uma casa que acolhe e partilha,
poderemos voltar a ser um sinal de respeito e de atenção. Mas para que isso aconteça, é
necessário excluir definitivamente toda forma de clericalismo, toda forma de
patriarcalismo, toda hierarcologia indevida. É necessário apropriar-se do conteúdo da boa
nova para devolver aos pobres, abrir-se à fraternidade e sororidade universal sem a
pretensão de seres superiores e abandonando toda espécie de discriminação.
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Chegar a ser apenas comunidades laicais no sentido original do termo, em plena
reciprocidade entre homens e mulheres, incluindo carismas e ministérios, para poder
recriar na Igreja do presente e do futuro o que é próprio do Evangelho.
O FRÁGIL DE MANTER A APARÊNCIA É: “VIVER EM CASA SEM SE SENTIR EM CASA
Tema de reflexão do Papa Francisco em uma de suas alocuções de 14 de março de
2020: “Viver em casa sem se sentir em casa”, e que lembra o episódio de um sacerdote idoso
e sábio, um grande confessor, um missionário, homem que amava tanto a Igreja, falando
com um sacerdote jovem, que era muito seguro de si mesmo, muito crente... que se julgava
valoroso e que tinha direitos na Igreja. Então, o idoso disse-lhe: “Rezo por isto, para que o
Senhor lhe coloque uma casca de banana no caminho e o faça escorregar, isto far-lhe-á bem”.
Como se dissesse, embora pareça blasfêmia: “Far-lhe-á bem pecar, porque depois deverá
pedir perdão e assim encontrará Deus como Pai Maternal, misericordioso e compassivo”.
Esta parábola expressa algumas das vivências do Senhor, em resposta aos que o
criticavam por andar com os pecadores; e outras tantas vivências dos que também hoje
como pessoas da Igreja, sofrem a crítica, porque ousam aproximar-se de pessoas diferentes
e necessitadas de uma nova humanidade, de pessoas humilhadas por situações que
degradam sua dignidade, que trabalham e não são valorizadas, e até daquelas que
trabalham para nós. Este é um tempo privilegiado para buscar entender qual é o ‘problema
de se viver em casa sem se sentir em casa’, porque não relação de filiação e sororidade,
apenas existe a relação de companheirismos e de trabalho, respondendo às exigências
normativas da ordem estabelecida de um estilo de vida que falta alma.
E, ainda pra compreender a Igreja em atmosfera sinodal, e sua extensão no âmbito
dos aprendizados relacionais de comunidades religiosas como “casa”, recordo um escrito de
Leonardo Bo que fala da comensalidade como caminho de refazer a humanidade (BOFF,
2008). Comensalidade que significa comer e beber ao redor da mesma mesa, uma das
referências mais ancestrais da familiaridade humana, pois nela se fazem e refazem
continuamente as relações que sustentam o viver e o conviver.
E segue explicitando: a mesa, mais que um móvel, remete-nos a uma experiência
existencial e a um rito. É o lugar privilegiado dos elos da família, da comunhão e da
irmandade. Nela partilha-se o alimento e com ele comunica-se o que se é, e a alegria de
encontrar-se, o bem-estar sem disfarces, a comunhão direta que se traduz nos comentários
sem cerimônia dos fatos cotidianos, nas opiniões sem censura dos acontecimentos.
Os alimentos são mais que coisas materiais, e nos remetem à qualidade e
profundidade da troca que sai da trivialidade dos assuntos que faltam propósito, são
sacramentos de encontro e de comunhão. O alimento é apreciado e é objeto de
comentários, constituindo a maior alegria quando se nota a satisfação de quem consome o
que chega à mesa através dos que dela participam e partilham a vida como é percebida.
Mas, também é importante reconhecer que a mesa pode ser lugar de tensões e
conflitos, onde as coisas se discutem abertamente, explicitam-se as diferenças e podem
estabelecer-se acordos, onde existem também silêncios que podem ser perturbadores e que
revelam o mal estar coletivo. A cultura contemporânea modificou de tal forma a lógica do
tempo cotidiano em função do trabalho e da produtividade que enfraqueceu a referência
simbólica da mesa, ficando reservada para os domingos, ou para os momentos especiais de
festa e aniversário, apelo para a sororidade em sua capacidade de aglutinação dos elementos.
Afirma L. Bo (2008) que a comensalidade é tão central que está ligada à própria
essência do ser humano enquanto humano. A especificidade do ser humano surgiu de
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forma misteriosa e de difícil reconstrução histórica. No entanto, etnobiólogos e
arqueólogos chamam nossa atenção sobre um fato singular: quando nossos antepassados
antropoides saíam a recoletar frutos, sementes, caça e peixes, não comiam individualmente
o que conseguiam reunir, eles tomavam os alimentos e os levavam ao grupo, e praticando
a comensalidade distribuíam os alimentos entre eles que os comiam comunitariamente.
Deste modo, a comensalidade, que supõe a solidariedade e a cooperação mútua,
permitiu o primeiro salto da animalidade em direção à humanidade. Foi um primeiro
passo, mas decisivo, porque lhe coube inaugurar a característica básica da espécie humana:
a comensalidade, a solidariedade e a cooperação no ato de comer.
Essa comensalidade que ontem nos fez humanos, e continua ainda hoje fazendo-nos
sempre de novo humanos, solicita e faz o apelo de reservar tempo para o encontro, de
modo que a ‘mesa’ em seu sentido pleno de significado nas variadas trocas, e na construção
de vínculos de pertença, seja uma das fontes permanentes de renovação da humanidade
hoje globalmente anêmica de vínculos.
CONSIDERAÇÕES PARA COMPRE ENDER ALGUMAS IMP L ICAÇÕES DA SORORIDADE NA
SINODALIDADE COM ROSTOS DE L U Z
1. A luz do equilíbrio, que pode ajudar no aprendizado de integração das tensões,
para mostrar ainda mais o núcleo íntimo, maduro e sereno da vida em processo de
integração. Ideal que se persegue nos variados modos de vida, e que dentro da vida
religiosa feminina requer uma tomada de decisão saindo do negativismo dos esquemas
normativos da jurisdição, que proíbe e suscita suspeita, e muitas máscaras, ao invés da
transparência gratuita das vinculações.
Fazendo memória do papel da máscara - Prosophon que no teatro… os atores
representavam distintos papéis… costumava-se cobrir os rostos com máscaras; a máscara
neste contexto constitui tudo aquilo que oculta a verdadeira forma de ser, tanto para os
demais como para si mesmo, conjunto de autoenganos, justificações, mentiras, que se diz
ao próprio ser e aos demais, para não se ver a realidade, porque custa mostrar a realidade
do que se é com simplicidade, preferindo ocultar com uma determinada aparência,
tomando o caminho mais fácil para o conformismo e mentindo para si mesmo. Neste
contexto, a vida religiosa feminina é convidada pela sinodalidade sororal a viver uma
transformação profunda, de dentro para fora, e de recordar que a vida é um processo. A
tarefa e responsabilidade que se apresentam é a de descobrir no caminho, e de afrontar
acompanhada, todos os medos e incertezas que nos habitam, “trazê-las à luz, colocá-las de
frente e nomeá-las”.
A fidelidade e a felicidade poderá ser real e fazer-se vida, se nos animamos a
cultivar uma honestidade e sinceridade profunda em primeiro lugar conosco mesma;
que na origem da consagração está o amor, e não a disciplina. Em muito suprimimos a
falta de amor com o voluntarismo da busca de perfeição radicada no dever, e hoje para a
vida religiosa em geral, o caminho de volta o são os projetos organizativos, mas o de
propiciar espaços de trocas de experiências para que desde a sororidade nós possamos olhar no
espelho do amor mútuo.
A máscara, surge também porque não queremos ver a realidade das coisas, custa
mostrar a realidade do que somos, com simplicidade, e a ocultamos com uma aparência
para ser aceita e considerada.Os seres humanos são frágeis diante da majestade da vida e
dos seus acontecimentos. Muitas vezes sucedem situações que são produto de nossa
responsabilidade, mas que não queremos enfrentar, e deste modo, tomamos o caminho
mais fácil e mentimos para nós mesmas.
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Podemos dentro desse contexto perguntar-nos: Qual poderia ser a tarefa que temos
daqui por diante? Que convite profundo percebemos que nos faz Deus para nossa
humanidade consagrada?
Creio que o caminho de abraçar a própria vulnerabilidade; amar a própria vida tal
como é, e o como gostaríamos que fosse; mover-se rumo a uma transformação
profunda, de dentro para fora, tendo presente que a vida é um processo, e que nada sucede
de um momento para o outro, inclusive a transformação não é a resolução acabada dos
problemas. As tarefas e responsabilidades que se apresentam para a vida religiosa
feminina, são as de nos descobrirmos no caminho, e a de nos encorajarmos no confronto
de reconhecermo-nos enfrentando de mãos dadas com Jesus, todos os medos e incertezas
que nos habitam, “fazendo vir à luz, e colocar-nos de frente, nomeando o que ocorre e
vislumbrando o passo seguinte.
Qualquer caminho de empatia, de proximidade e de sinodalidade que queiramos fazer
com os demais, motivará para abraçar nossa vulnerabilidade, porque sabemos que: quando
nos sabemos fracas, então somos fortes (2Cor 12,10); que as últimas serão as que vão
‘primeriar’ (Mt 20,16); e que, as que queiram economizar e proteger sua vida, a perderão e
as que decidirem ‘perder’ a sua vida à causa de Jesus Cristo, a encontrarão (Mt 16,25).
O abraço de nossa vulnerabilidade permitirá: crer com humildade; entrar em contato
com nosso potencial criativo; curar e transformar nosso coração; viver uma mística
profunda; recuperar a sensibilidade e viver com sentido; renovar o primeiro amor e viver
enamoradas; crescer em pertença; amar e atualizar o carisma, que descansa na plena
consciência de saber-nos escritas no coração de Deus, único que evoca o significado do
verdadeiro amor, original e livre sem prestação de contas a pagar e de respostas a serem
dadas, porque se nos exige, trata-se de um modo de amor incondicional. Não é necessário
fazer nada para ser amada, mas decidir fazer tudo, porque somos amadas; e deste modo,
aceitar que somos constituídas para a interrelação sinodal.
Recordar-nos mutuamente que na origem da consagração está o amor, o a
disciplina nem o voluntarismo. Hoje, é hora de diagnosticar e propor caminhos de volta à
felicidade nos conscientizando que temos demasiadas ferramentas; muitos ‘egos’, porque
justamente se silenciou, ou se fez o vazio para a experiência do amor, e o caminho de volta
é o de olharmo-nos no espelho do amor (DÍEZ, 2021, p.59-60). Assim, o “rosto de luz” irá
emergindo desde o interior libertando a aparência de um modelo assimilado de existência
e cultuado culturalmente, mas pleno de alma que evidencia a verdade de cada qual no
espaço e tempo.
2. A luz que vem dos outros, que faz com que o outro/outra se converta em um
referencial, tanto quando ‘escurece’ ou dói, porque os processos são distintos, como
quando animam e estão dando apoio, porque os outros também nos realizam, nos
confirmam e nos fazem perceber que existimos. Fazem parte de nosso recorrido vital e nos
devolvem a paixão de compreender a aventura humana como uma aventura sagrada. Os
outros e suas aventuras animam a beber mais desde o sumo do ramo maduro na busca de
existir com sentido e, sobretudo, concedendo-nos a graça da confirmação de que não
acedemos ao projeto de seguimento de Jesus, projetando interesses do inconsciente
necessitado e carente de reconhecimento.
Nascemos constitutivamente humanos, e nosso modo de ser humanos é ir sendo
junto aos demais, e no atuar podemos reconhecer se vamos nos humanizando ou
desumanizando. Também somos seres culturais, e temos modos de nos relacionar conosco
mesmas, com os demais, com a criação e com o Outro que nos distingue e nos
identidade própria. Fala-nos Juvenal Arduini que para compreender o ser humano, exige-
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se ginga inteligente (ARDUINI, 2002). Nos diz com propriedade, que o ser humano se
desata no olhar, no sorriso, no semblante acolhedor, no aceno sororal e fraterno. Desata-se
nas emoções, no amor, na alegria, na expansividade, na irreverência, na cólera, desata-se na
criatividade, na estética, na esperança, na utopia, na audácia, nas buscas, e nos avanços.
Quem o se desata interna-se na solidão para proteger a opacidade existencial.
Quem não se desata cria presídios psicológicos, confina-se no egocentrismo fechado e
condena-se a ser monólogo. Torna-se estranho a si mesmo, traumatiza-se e se machuca na
interioridade do existir. E, a existência que não se desata, torna-se existência engasgada,
asfixiada por falta de oxigenação solidária. Desatar-se é ventilar-se, é romper cercos, é
liberar a voz abafada e emancipar a consciência cativa.
Querer a sororidade na sinodalidade inclui a dimensão solidária, que é capaz de ser
para alguém no singular e plural das inúmeras convivências, esquecer-se para amar e
expressar-se beneficiando quem necessita. Amar sem cobrar amor. Ninguém se basta a si
mesmo, ninguém vive sem os outros nem é possível realizar-se sozinho, daí a importância
da reciprocidade, porque o amor acorrentado leva à loucura e à derrota. A reciprocidade
da sororidade na sinodalidade é vital para o enriquecimento mútuo da vida eclesial e
religiosa ao estilo do que estamos tratando.
A gestação desse “rosto de luz” vem também dos outros como referente, tanto
quando sentimos a dor que escurece o horizonte de nossa compreensão, como quando nos
anima e está ao nosso lado, porque os outros são presentes ofertado nas vivências
cotidianas que podem sim nos fazer perceber que somos parte de um universo de direito
para os demais, formamos parte de nosso recorrido vital que nos devolve a paixão de
compreender a aventura humana como uma aventura que se torna sagrada no
reconhecimento da dignidade do outro, e que este outro existe como espelho que nos
reflete através de suas reações.
O caminho sagrado que as pessoas forem tecendo, ofertando o mistério de Deus
através de suas vidas, se expressa desta maneira; a de poder contar com os outros para
realizar-nos, eixo daquilo que de forma profética a vida religiosa consagrada mantém
como constitutivo em seu modo relacional de existir. Os outros e suas aventuras nos
animam a beber mais desde o âmago da experiência amadurecida, para forjar “rostos de
luz” na vida nas relações que estabelecemos em casa.
3. “A luz de nosso olhar”, em um “tríplice olhar sinodal”, formada pelo olhar
ecológico, com tudo o que exige para o momento presente, e que nos permite ser mais
suscetíveis no contexto atual de mudanças aceleradas e diversas, permeadas pelos efeitos da
pandemia que em alguns aspectos nos paralisaram, e em outros nos revelaram novas
possibilidades e modos de relação. Tendo como pano de fundo, o temor e a ameaça
permanente da guerra que revela as tensões que vivem as nações em diversas partes do
mundo, a crise ecológica que nos preocupa, as mudanças de paradigma, e os avanços
tecnológicos e as consequências de tudo isso.
É dentro deste con texto, que somos convidadas a construir uma Igreja Sinodal e uma
vida religiosa em sinodalidade, que se aproximam mais ao sonho do reinado de Deus que
nos comunicou Jesus; o olhar feminino em voz de mulher que se integra plenamente no
conjunto da vida consagrada, daquela que contribui cuidando com o modo que lhe é
próprio em ternura, tato e delicadeza. Mas, também com paciência e valentia profética de
se ausentar do flagelo das competições e comparações invejosas que sugam as energias
favoráveis da cumplicidade na vida religiosa feminina.
Aproximando-nos deste modo, o nosso olhar para aqueles que estão à margem do
mundo, e que nos descoloca e nos situa de outra maneira na hora de configurar nosso
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modo de vida. Reconhecendo com gratidão o que se recebe de cada uma dessas pessoas de
respeito e confiança, pelo fato de procurarmos aprender o que cada uma delas tem a nos
revelar do seu potencial de luta e superação dos obstáculos em sua vida, e assim colocar-
nos em disposição de vincular-nos às suas forças de superação. Luz que nos mostra a
beleza de Deus, porque o belo do rosto de Deus sempre será o de seu Filho Unigênito que
transparece nos demais que nos são confiados.
A luz de nossos modos de olhar, é o que irá configurando nosso próprio “rosto de
luz”, ao fixar com coragem nossos olhares, mantendo este tríplice olhar sinodal, e desde
perceber melhor os ‘sinais dos tempos’. O olhar ecológico, com tudo o que esse olhar exige
no momento presente, e que nos faz mais suscetíveis. O olhar feminino na voz de mulher
que se integra plenamente no conjunto da vida consagrada, e que contribui com a audácia
necessária.E, o olhar daqueles que foram colocados à margem do mundo, e que é duro
encarar, porque dói sua carência e necessidade também em nós, e sem desviar o olhar, ou
preferir fixar em realidades menos dolorosas.
4. A luz de estarmos dispostas para chegar nos limites de nossos carismas. Não
somos o que fazemos, e temos que cuidar ainda mais das pessoas vivendo a
cotidianidade da acolhida. Queremos ser pessoas de esperança, testemunhas do Evangelho
na medida em que deixemos transparecer nossos ‘rostos de luz’, e isto exige constância no
exercício de atenção à fecundidade da graça, que opera esse dinamismo no profundo
daquilo que desejarmos. A esperança o se improvisa, mas vai amadurecendo nas tensões
da vida e nos desafios do momento presente de cada uma.
Chamadas a seguir a Jesus Cristo com esperança nos propomos a ‘despertar o
mundo’ e iluminar o futuro. O Papa Francisco nos recorda que, o que Deus nos pede é a
saída do ninho das seguranças do saber, para aprender, e que nos permitamos ser enviadas
às fronteiras do mundo onde a vida é novidade e surpresa do inédito que revela o que de
Deus nos pertence.
Este é o desafio de uma vocação que cada uma de nós oferece ao próprio Jesus
Cristo, como experiência e resposta dinâmica às perguntas pela fidelidade a ser
comungada. Em cada situação de escuta renovada através do convite de ‘iluminar a vida’,
‘acolher a luz’, e ‘agradecer o caminho’ em dinâmica permanente de renovação, se faz
duradoura e ativa no tempo ‘cronos’, o que é sustentado pelo tempo de Deus ‘kairós’, como
Senhor da História, iniciada por pessoas que acreditaram no amanhã de sua realidade,
tecida em cada família religiosa e sinalizando um específico do dom da Ruah na Igreja, que
chamamos dom carismático.
um valor de sabedoria nos carismas para fazer sustentável a vida que se identifica
nos traços proféticos que o momento histórico deixa entrever em cada Congregação, o que
anima a vida para a missão. Essa luz mostra-nos a beleza de Deus, porque o ‘rosto de Deus
é belo, e por isso devemos atrever-nos a tocar a beleza de Deus no rosto dos demais.
A modo de conclusão, finalizo fazendo referência ao lema da Confederação Latino-
Americana de Religiosos (CLAR) que oferece o ícone das “mulheres com ousada esperança
no despontar da aurora”, porque se trata de tecer o caminho de abraçar nossa
vulnerabilidade, movidas pela esperança no ressuscitado.
A ousadia que conhecemos vem de mãos dadas com a coragem do coração. A vida
consagrada feminina tem coração e não precisa esconder, pois com o coração e com os pés
no seguimento de Jesus Cristo, queremos ser tomadas pela nossa vulnerabilidade para que
a sua misericórdia e compaixão, nos ajudem no processo de integração para estar e viver
mais conectadas com nossa humanidade, e com o clamor dos mais necessitados de nosso
amor e amizade, e os gritos da casa comum’. A fidelidade e a felicidade vamos viver, se
BUCKER, Bárbara P.
Implicações da sororidade na sinodalidade
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.40, n.135, p. 67-76, Jul./Dez./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
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nos animamos a cultivar a honestidade e sinceridade profunda conosco mesmas para
transluzir em nossos rostos a verdade da luz que nos habita.
REFERÊNCIAS BIBLI OGRÁFICAS
ARDUINI, Juvenal. Antropologia: Ousar Para Reinventar a Humanidade. 2.ed. São Paulo: Paulus,
2002.
BOFF, Leonardo. Comensalidad: rehacer la humanidad. 18 abr. 2008. Servicios Koinonia.
Disponível em: https://www.servicioskoinonia.org/bo/articulo.php?num=272. Acesso em: 26 de
setembro de 2023.
DÍEZ, Luis Alberto Gonzalo. ¡Crucemos a la otra orilla! El diálogo y el cambio de la vida consagrada.
Madrid: Perpetuo Socorro, 2021.
FRIGÉRIO, Tea. A Sinodalidade incluirá a Sororidade? 27 nov. 2021. Portal das CEBs. Disponível
em: https://portaldascebs.org.br/a-sinodalidade-incluira-a-sororidade/. Acesso em: 30 de agosto
de 2023.
JOHNSON, Elizabeth. Aquela Que é: O Mistério de Deus no Trabalho Teológico Feminino.
Petrópolis: Vozes, 1995.
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