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Depois, no decorrer do tempo, a Igreja, à luz da Palavra de Deus, foi
compreendendo e expondo com maior profundidade a doutrina da indissolubilidade do
vínculo matrimonial. Assim também elaborou o sistema das nulidades do consentimento
matrimonial, e disciplinou de maneira mais adequada o relativo processo judicial, de modo
que fosse sempre mais coerente com a verdade da fé professada.
Francisco está consciente de que tudo foi sempre feito e deve convergir na “lei
suprema da salvação das almas” (CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, 1983, C.1752).
Ciente disso, ele resolveu fazer a reforma dos processos de nulidade do matrimônio, e,
nesse sentido, constituiu um grupo de trabalho, recomendando-lhe manter firme o
princípio da indissolubilidade, ou seja, que a união pelo amor matrimonial é para toda
vida. Mas, o que mais chama atenção é que
o impulso reformador é alimentado pelo ingente número de fiéis que, embora
desejando prover a sua própria consciência, muitas vezes foram afastados das
estruturas jurídicas da Igreja por causa da distância física ou moral; ora, a
caridade e a misericórdia exigem que a própria Igreja como mãe se torne próxima
dos filhos que se consideram separados (FRANCISCO, 2015a, Introdução).
No mesmo sentido, escreve o Papa, o Sínodo Extraordinário dos bispos tem
solicitado processos mais rápidos e acessíveis.
Entretanto, anterior ao processo propriamente jurídico, é importante que se
desenvolvam ações a partir de uma pastoral matrimonial diocesana e paroquial, que vá ao
encontro de esposos separados ou divorciados, que eventualmente se tenham afastado da
prática religiosa. Pode ser o caminho para uma pastoral judiciária, que seria como que um
“braço estendido” da “Igreja em saída”, que vai ao encontro dos que estão distantes, e
facilita o acesso à estrutura judiciária. Cabe-lhe uma orientação e uma investigação
preliminar ao processo judiciário, com procedimentos que ajudarão aos fiéis que
eventualmente se dirigirem ao tribunal eclesiástico, para que cheguem preparados.
É de certa forma isso que está proposto nas regras processuais para as causas de
declaração de nulidade do matrimônio (FRANCISCO, 2015a, p.9)
9
. Embora não tenham o
nome de cânones, essas regras integram o MIDI, portanto, participam de sua natureza.
“Na leitura dos cânones modificados, como também dos demais artigos do MIDI, é possível
perceber que, na verdade, alguns deles (...) supõem esta pastoral judiciária, inserida na
pastoral familiar” (RIBEIRO, 2016, p.45). Certamente é “desejável que a pastoral familiar
tenha, também, uma dimensão judicial, reforçando-se”, assim, “a estreita relação entre
direito e pastoral, particularmente no que tange às causas de nulidade
matrimonial” (RIBEIRO, 2016, p.45). Sem essa pastoral judiciária, o êxito da reforma
poderá ficar parcialmente comprometido.
Por isso, o Papa insiste nessa direção e, diante do afastamento de muitos fiéis da
estrutura judiciária, ele optou por estabelecer alguns procedimentos que, se aplicados,
poderão contribuir muito, quando as pessoas se dirigirem ao tribunal eclesiástico para
uma análise judicial de seu próprio matrimônio. É importante que elas já venham
preparadas, no sentido de buscar a verdade sobre o seu matrimônio “e não, simplesmente,
obter a nulidade a todo custo, querendo que prevaleça de modo unilateral a sua percepção
subjetiva dos fatos” (RIBEIRO, 2016, p.46). No artigo 1 das RPNM, o Papa recorda que
o Bispo, em virtude do cân. 383 & 1, é obrigado a seguir com ânimo apostólico os
esposos separados ou divorciados que, pela sua condição de vida, tenham
eventualmente abandonado a prática religiosa. Ele partilha, portanto, com os
párocos (cf. cân. 529 & 1) a solicitude pastoral para com esses fiéis em dificuldade.
9 Essas regras processuais... agora em diante serão referidas por RPNM.
RUEDELL, Aloísio
O caráter pastoral da Carta Apostólica em forma de Motu Proprio Mitis Iudex Dominus Iesus, sobre a reforma [...]
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.135, p. 88-105, Jul./Dez./2023. ISSN On-line: 2763-5201.