ENTREVISTA
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CONVERSANDO SOBRE A HISTÓRIA
DA MULHER NA IGREJA E NA
CONTEMPORANEIDADE
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Maria Clara Lucchetti Bingemer*
A edição 40/135 de 2023 da Revista Teopráxis, da Faculdade de
Teologia e Ciências Humanas, Itepa Faculdades, tem a alegria de
apresentar este dossiê que dialoga sobre o tema da Mulher na história
da Igreja e na contemporaneidade. Abordar essa temática tem sido
algo latente para a evangelização hoje, sobremaneira quando tanto se
reflete acerca da sinodalidade. Desde a Igreja Nascente, as mulheres
foram fundamentais para o crescimento e florescimento do cristianismo
em suas primeiras comunidades, na evangelização e no discipulado.
Para contribuir e qualificar esse diálogo, convidamos a teóloga
doutora Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora de teologia da
PUC-Rio e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da
mesma faculdade, uma das grandes referências da teologia elaborada
pelas mulheres no Brasil e no mundo. A Dra. Maria Clara atua na área
de Teologia Sistemática, principalmente nos seguintes temas: Deus,
alteridade, mulher, violência e espiritualidade. Atualmente, seus
estudos e pesquisas vão primordialmente na direção do pensamento e
escritos de místicos contemporâneos e da interface entre Teologia e
Literatura. Várias de suas obras dialogam com o tema proposto nesta
edição: “Cultura da paz e prevenção da violência”; “Mulheres de
palavra”, “Mulher e Relações de Gênero”; “Maria, Mae de Deus e Mãe
dos Pobres”, em coautoria com Ivone Gebara; “Simone Weil - Ação e
contemplação”; “A experiência de Deus num corpo de mulher”; “A
Igreja e os intelectuais”; “Doutrina Social da Igreja e Teologia da
Libertação”; “O Segredo Feminino do Mistério”, entre tantas outras que
trazem à tona uma teologia em ritmo de mulher.
Para dialogarmos com a autora, propomos algumas questões que
visam aprofundar e problematizar essa abordagem tão premente na
produção teológica atual. Por isso, é um prazer para nós podermos
estabelecer essa interlocução mais direta com a autora que está muito
presente em nosso círculo de reflexões. Nossa Revista Teopráxis a acolhe
com muita ternura e admiração e, ao mesmo tempo, desejamos que
nossas(os) leitoras(es) apreciem essa troca de experiências. Enfim,
gratidão, Maria Clara, pela sua disponibilidade
em contribuir com
nosso fazer teológico através dessa entrevista.
v. 40, n. 135, Passo Fundo,
p. 7-10, Jul./Dez./2023,
ISSN on-line: 2763-5201
DOI:
dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v40i135.182
* Possui graduação em Comunicação Social
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (1975), mestrado em Teologia pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (1985) e doutorado em Teologia
Sistemática pela Pontifícia Universidade
Gregoriana (1989). Atualmente é professora
titular no Departamento de Teologia da
PUC-Rio.
Email: agape@puc-rio.br
https://orcid.org/0000-0003-3443-8214
Recebido em 10/09/2023
Aprovado em 21/10/2023
1 Entrevista concedida à Luísa de Lucas, coordenadora desta edição da Revista Teopráxis.
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1 Quais são suas principais referências (obras, pessoas) na teologia que
inuenciam seu pensar e fazer teológico?
Poderia mencionar várias. A primeira sem dúvida é Santo Inácio de Loyola, sobre
cuja obra fiz minha tese de doutorado. A partir da experiência dos Exercícios Espirituais
apaixonei-me por sua espiritualidade, sua mística e pela síntese teológica trinitária que
nela havia. Reuni aí meus dois amores: a mística e a Trindade, temas com os quais trabalho
até hoje. Em seguida, e mesmo a partir da tese, Karl Rahner, cuja obra teológica para mim
foi fundamental para compreender a teologia moderna e mesmo contemporânea que
começava a estudar. Seu axioma que diz que a Trindade Econômica (Deus para nós) é a
Trindade Imanente é fundamental para toda a compreensão que tenho da Teologia. Em
meus estudos teológicos pude ver a influência de Rahner sobre a teologia latino-americana
que se forjava naquele momento. Outra referência para mim é sem vida a Teologia da
Libertação, que entende a práxis como ponto central de convergência e irradiação da vida
cristã. A abertura de Rahner para tudo que é secular e do mundo foi fundamental para
isso. Dentro da própria TdL, meus interlocutores maiores foram sem dúvida J. B. Libanio,
professor e amigo, que muito me ensinou e ajudou durante meu percurso teológico;
Leonardo Bo, que me convidou para dar aulas em seu lugar no ITF na época em que o
podia assumir essas aulas. E finalmente Jon Sobrino, com quem trabalhei ao longo de dez
anos na revista Concilium. Seu pensamento a partir das vítimas, que alarga a concepção da
identidade dos pobres foi e é fundamental para mim.
No período em que trabalhei no diálogo fé e cultura, estudei muito a modernidade e a
pós-modernidade e as mutações que aconteciam na cultura e atingiam a religião. Foi então
que me deparei com o pensamento de Simone Weil, que para mim hoje é referência
obrigatória como filósofa, pensadora e como mística. Ela me abriu todo o mundo da mística
contemporânea no qual fui encontrar outras referências importantes. Mulheres sobretudo
como Etty Hillesum, Edith Stein e Julia Kristeva que pensa sobre essa mística. Igualmente
Dorothy Day, ativista e mística estadunidense, cuja mística tem muitos pontos em contato
com a Teologia da Libertação. Igualmente Thomas Merton, monge trapista escritor, que
conheço menos, mas que sempre me fascina e me mostra como a mística é livre e como a
teologia que dela brota é a que mais pode atingir os ouvidos e os corações contemporâneos.
Ao lado disso, eu diria que meu terceiro campo maior de influências é e tem sido a
literatura e a poesia. Vejo a literatura como a nova mediação hermenêutica por excelência
para que a teologia encontre espaço para dizer novas palavras ou palavras que ressoem e
sejam entendidas hoje. Neste campo tenho descoberto sobretudo autoras mulheres, como
Adélia Prado, Sophia de Mello Breyner Andresen, assim como também alguns homens,
tais como Guimarães Rosa. Vejo que hoje a teologia deve estar realmente nas fronteiras e
no átrio dos gentios, dialogando com as questões que a sociedade levanta. assim
cumprirá sua missão, tal como a entendo. O Papa Francisco tem falado constantemente
sobre isto e creio que suas palavras começam a produzir frutos.
2 A partir do seu trabalho como docente e teóloga, quais são os maiores desaos
contemporâneos que observa? O que você aconselharia para as mulheres que
optam em seguir e atuar nessa área? Quais aspectos considera relevantes e que
deveriam ser uma ocupação dos (as) jovens teólogos(as)?
Os desafios são muitos e muitos deles eu creio que apontei na resposta acima. A
teologia hoje não pode mais se limitar aos manuais e compêndios. Nem lhe é permitido
restringir-se aos espaços apenas eclesiásticos. Deve ocupar-se nestes, claro está, mas deve
também sair, dentro do modelo de Igreja em saída que propõe o Papa Francisco e fazer
Conversando sobre a história da mulher na Igreja e na Contemporaneidade
Entrevista com Maria Clara Lucchetti Bingemer
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.40, n.135, p. 7-10, Jul./Dez./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
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ouvir seu discurso fora do templo, no chão da vida, em meio às pessoas as mais diversas,
mesmo que estas não comunguem da que marca e deve marcar o discurso teológico. A
grande intuição do Concílio Vaticano II é esta: Deus não se faz presente apenas dentro da
instituição eclesiástica, mas estende sua autocomunicação e revelação a toda a
humanidade e a toda a criação, a toda a festa dos seres vivos. Igualmente nas fronteiras,
nos lugares ambíguos e talvez suspeitos, ali a experiencia de Deus pode estar emergindo
de formas originais e insuspeitadas. Os teólogos então deveriam dirigir seu olhar com
muita atenção a tudo isso.
Para as mulheres, enquanto mulher, diria que sabemos que o caminho é árduo.
Ainda existe muita suspeita, muita distância, muita discriminação com relação à presença
da mulher fazendo teologia. Justamente por isso, nosso esforço deve ser ocupar os espaços,
fazer-se visível e audível. Mostrar a que viemos. Nesse sentido essa foi minha
experiencia então a partilho aqui creio que não devemos elaborar nossos textos e
reflexões apenas em torno ao tema da mulher. É muito importante fazê-lo, claro está, mas
é importante também demonstrar que podemos e sabemos refletir e falar sobre outros
temas teológicos: sobre Deus, sobre Jesus Cristo, sobre o Espírito Santo, sobre a Igreja,
sobre a antropologia, escatologia, a Bíblia etc. E o fazemos enquanto mulheres. Creio que
isso ajuda as portas a se abrirem, ou melhor, a não se fecharem tanto.
Aos jovens (tenho alunos jovens e me enchem de esperança) diria que nos ajudem,
que não tenham medo de expressar-se livremente, de colocar suas perguntas, de levantar
suas dúvidas e suas questões. São eles que nos abrirão as portas dessa nova época que
estamos vivendo. Precisamos de sua presença e dos temas que os ocupam e lhes move o
coração para que nossa teologia procure responder às perguntas que são feitas e não
àquelas que já tiveram seu momento, mas não serão mais feitas.
3 Partindo da perspectiva da mulher, sua contribuição na reexão teológica atual
atravessa continentes, evidenciando que não é possível fazer teologia sem olhar
para o feminino. Nesse sentido, em que aspectos a hermenêutica da teologia
feminista contribuiu para a teologia hoje? Como essa releitura está promovendo
uma exegese e análise dos textos bíblicos e impactando na produção teológica no
Brasil e no mundo?
A meu ver, a teologia feminista abriu uma fenda no discurso hegemônico e
monolítico do patriarcalismo que marcava boa parte da teologia cristã. Trouxe perguntas e
dúvidas e suspeitas sobre algo que parecia dado por assente desde sempre e para sempre.
Trouxe a diferença da mulher mostrando que é constitutiva da humanidade, a qual o
encontra sua identidade sem ela. Trouxe uma perspectiva diferente para abordar o texto
bíblico, trouxe novidades retumbantes para falar sobre a antropologia, e sobre a
Cristologia e o discurso sobre Deus e a experiência que o funda. E trouxe temas próprios,
de sua agenda, para o centro da teologia: a sexualidade, o gênero, a corporeidade.
Ultimamente creio que um dos temas mais importantes é a analogia do discurso sobre a
corporeidade feminina com a corporeidade da terra dentro da grande temática da
Ecologia. O ecofeminismo é um dos veios mais promissores da teologia, a meu ver, assim
como a mística. A redescoberta das mulheres místicas de ontem e de hoje, medievais,
modernas e contemporâneas é algo de extrema importância e que traz luz nova para
muitas questões importantes.
Conversando sobre a história da mulher na Igreja e na Contemporaneidade
Entrevista com Maria Clara Lucchetti Bingemer
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.40, n.135, p. 7-10, Jul./Dez./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
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4 A hermenêutica feminista e de gênero, particularmente na América Latina, teve
como pano de fundo a Leitura Popular da Bíblia. A mudança de vocabulário e de
questões práticas que promovem o protagonismo feminino ainda revela um grande
abismo na igreja. Que movimentos a igreja deverá avançar mais para a vivência do
Discipulado de Iguais?
Eu sou otimista quanto aos passos e ao espaço que a mulher vem ganhando na
Igreja, apesar de reconhecer que esses passos ainda são primeiros e estão longe de terem
dado toda a sua medida. Ainda muito que caminhar. No entanto, creio que uma coisa é
imprescindível e fundamental: que as mulheres estejam juntas e solidárias e trabalhem
sempre mais em rede. Nossa teologia tem que ser “Madalena” como nos ensinou Moema
Miranda, ao falar da Igreja Madalena. Não é nem pode ser uma teologia de competição,
mas de comunidade e solidariedade. Temos que pensar em rede, fazendo um trabalho
sempre inclusivo e deixando claro aos companheiros homens que não pretendemos isolá-
los do nosso convívio. Pelo contrário, nós os queremos conosco, sabendo que quanto mais
eles se conscientizarem da importância de que a nossa diferença esteja presente no
discurso e no tecido comum da teologia, todos teremos a ganhar. Não se concebe mais um
espaço onde a presença e a voz feminina não estejam presentes na linha de frente.
Enquanto isto não acontecer, haverá sempre uma nota falsa na bela sinfonia que Deus
deseja que a teologia faça soar e ressoar pelos espaços contemporâneos.
5 O Papa Francisco tem insistido em seu magistério na valorização e inclusão
feminina. Um exemplo é ter permitido que mulheres votem no próximo Sínodo dos
Bispos em um movimento inédito que pode abrir caminho para maior inclusão
feminina nas decisões internas da Igreja Católica. O que você espera desta abertura?
Penso que o Papa Francisco está fazendo o que pode, com a lúcida consciência de que
não pode fazer tudo. Abriu espaços para as mulheres, situando-as em cargos de
importância dentro da Igreja. A questão do voto no Sínodo é uma das questões, não a
única. Ele assim promoveu uma maior visibilidade das mulheres e isso foi um passo.
Cabe a nós ocuparmos bem esse espaço que foi aberto e procurar ir abrindo outros,
incluindo outros e outras. Certamente após o Sínodo poderemos ouvir coisas novas. Não
é algo do terreno da evidência, não se fará sem muita luta e provavelmente nossa geração
não verá a terra prometida em todo o seu esplendor. Mas a alegria de ser semente de um
processo tão belo e importante como essa inclusão feminina para consolar e muito
nossos corações e alegrar nosso espírito. Que assim seja!
Conversando sobre a história da mulher na Igreja e na Contemporaneidade
Entrevista com Maria Clara Lucchetti Bingemer
Revista Teopxis,
Passo Fundo, v.40, n.135, p. 7-10, Jul./Dez./2023. ISSN On-line: 2763-5201.