ENTREVISTA
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ENTREVISTA COM DOM
GUILHERME ANTÔNIO WERLANG
Neri José Mezadri*
Ari Antonio dos Reis**
Júlio Cesar Sardá***
Gustavo Borges de Souza****
Fazer o que Jesus mandou, evangelizar, é dar vida bonita e
plena para todos, é dar alimento, educação e moradia. Além de ter
alimento, educação e moradia a pessoa humana tem direito de ser
feliz. Essa condição, por sua vez, reforça o sentimento de filiação
divina. Quando as pessoas estavam com fome e os discípulos queriam
dispersá-las para que fossem ao povoado em busca de alimento, Jesus
os provoca para que deem de comer. Isso inspira a educação para a
partilha como elemento transformador da realidade atual.
A evangelização, portanto, o está dissociada da vida. Quem
necessita de roupa e comida não é suficiente enviar em paz, sem
satisfazer as necessidades de nada adianta. Desta maneira, além de
campanhas e ações para satisfazer as necessidades das pessoas,
preocupar-se com políticas públicas que atendam às demandas da
população pobre e faminta não está fora de contexto para pessoas de
e de Igreja, o significa meter-se em política. Deus é libertador
dos oprimidos e atuar em seu nome é buscar alternativas para que as
pessoas tenham vida plena e sejam felizes.
No primeiro número da Revista Teopráxis de 2023
apresentamos a entrevista com Dom Guilherme Werlang, bispo
diocesano de Lages/SC, coordenada pelos professores Neri Mezadri e
Ari A. dos Reis e intermediada pelos acadêmicos do Curso de
Bacharelado em Teologia, Júlio Cesar Sardá e Gustavo Borges de
Souza. Dom Guilherme é um dos bispos que se empenhou no
trabalho de coleta de alimentos e na articulação de combate à fome
no Brasil na virada do século. Motivados pelo documento: Exigências
Evangélicas e Éticas de Superação da Miséria e da Fome, número 69,
inspiração ainda de Dom Luciano Mendes de Almeida e
especialmente de Dom Mauro Morelli, realizou-se um trabalho
valioso e que depois contou com apoio de programas
governamentais. Infelizmente, uma realidade que retorno com força
no contexto atual e que motiva a realização da Campanha da
Fraternidade de 2023.
Para Dom Guilherme, os alimentos que compõem a cesta
básica não deveriam estar submetidos à lei do mercado, pois
alimento saudável e nutricional equilibrado é direito humano.
v. 40, n. 134, Passo Fundo,
p. 7-10, Jan./Jun./2023,
ISSN on-line: 2763-5201
DOI:
dx.doi.org/10.52451/teopraxis.v40i134.147
* Doutor em Educação, atuando como
orientador educacional no Centro de Ensino
Médio Integrado UPF, professor e
coordenador pedagógico na Itepa Faculdades.
E-mail: nerijm76@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-9511-7011
** Mestre em Teologia Pastoral pela PUC/
SP. Professor da área de Teologia Pastoral e
Teologia da Revelação e Coordenador do
Curso de Bacharelado em Teologia da Itepa
Faculdades de Passo Fundo - RS.
E-mail: reis.abt@gmail.com
https://orcid.org/0009-0000-2096-6193
* Acadêmico do curso de bacharelato em
teologia da Faculdade de Teologia e Ciências
Humanas – Itepa Faculdades.
E-mail: juliosardacesar@gmail.com
https://orcid.org/0009-0005-3144-1962
* Acadêmico do curso de bacharelato em
teologia da Faculdade de Teologia e Ciências
Humanas – Itepa Faculdades.
E-mail: gustavoseminarista@gmail.com
https://orcid.org/0009-0007-4603-255X
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Comida e bebida são direito humano e dom de Deus e não poderiam ter acesso restrito a
quem tem dinheiro para comprar. Nesse sentido, é uma grata satisfação podermos oferecer
aos leitores essa bela entrevista.
1 Em 2002 assumiste a presidência da Comissão Episcopal Pastoral para a
Superação da Fome e da Miséria. Como estava a situação naquele início de século e
como o senhor a vê hoje?
Na assembleia geral da CNBB nós aprovamos o documento das exigências éticas e
evangélicas da superação da fome e da miséria do Brasil, então a fome estava assim
supergrande, eram milhares e milhares e milhões de brasileiros passando fome todos os
dias, então aquilo foi inspiração ainda de Dom Luciano Mendes de Almeida e
especialmente Dom Mauro Morelli que fizeram uma proposta para CNBB, de um
documento, que foi aprovado por unanimidade. Não teve nenhum bispo do Brasil que foi
contra esse documento. Esse documento tem como nome: Exigências Evangélicas e Éticas de
Superação da Miséria e da Fome, número 69. Nós éramos acusados, enquanto Igreja que se
mete nas questões políticas sociais e nós mostrávamos que isso, possui sua raiz no
evangelho. Os apóstolos queriam ao final da tarde que Jesus mandasse a multidão embora
para que eles fossem aos povoados comprar coisas para comer, Jesus, contudo não as
despede. Nós afirmamos que a comida e a água, são direitos humanos é dom de Deus e é
direito humano. Por isso, a alimentação a “cesta básica” não poderia seguir a lógica
mercantilista da oferta e da procura. Quando por alguma razão, um determinado produto
que é escasso, aumenta se demasiadamente o preço, quando a inflação cresce quem mais
sofre é o povo pobre, porque o salário fica achatado e os mantimentos sobem. O direito ao
alimento saudável e nutricional equilibrado é um direito que Deus deu à humanidade e
não a quem tem dinheiro para poder comprar. O alimento não pode ser mercadoria de
especulação. Na época, 1999, eu tive a graça de trabalhar com a Comissão Pastoral da Terra
do Centro Oeste e logo em seguida na elaboração deste documento em uma Comissão
Extraordinária Especial. Com Dom Luciano, que estava na presidência da CNBB,
conseguimos implantar isso em praticamente todo o Brasil. Então foram escolhidos cinco
bispos pela CNBB para implementar isso a nível de Brasil. Eu fiquei mais responsável pela
grande região do Centro Oeste brasileiro. Dom Luciano Mendes Almeida assumia a Minas
Gerais, mas viajava pelo Brasil inteiro. Dom Mauro Morelli contribuía no Rio de Janeiro e
se fazia grandes convênios inclusive com o governo e prefeituras municipais,
especialmente Minas Gerais. Dom Protógenes Luft de Barra do Garças no Mato Grosso
contribuía muito assim como Dom Francisco Biazin, que estava mais no Nordeste e depois
foi para o Rio de Janeiro. Nas dioceses, em alguns lugares faziam refeitórios, oferecendo
uma refeição por um real. Eu trabalhava muito com empresários que poderiam ceder as
sobras do supermercado para fazer mutirões em vez de ir fora. Em Santa Catarina eu sei
que a diocese de Joinville foi uma das dioceses que investiu muito nesse processo quando,
Dom Orlando era bispo de Joinville. Depois de anos com o “bolsa família” e o “fome zero”,
o governo Lula colocou a superação da fome da miséria como programa de governo.
Quando ele foi eleito nós tínhamos o nosso trabalho em andamento então ele procurou
CNBB para fazer algumas parcerias, sem nada de partido, mas para juntar forças. Ele
colocou por parte do governo um ministro que é de Minas Gerais, Patrus Ananias. Ele era
um católico da ordem terceira e fazíamos muitos convênios entre a nossa superação a as
exigências éticas evangélicas. Aquilo que o primeiro governo do mandato do Lula era que
toda família pudesse ter aos menos três refeições por dia. Depois de alguns anos o Brasil
foi tirado da situação de um país de fome mundial, foram mais de 30 milhões de brasileiros
MEZADRI, Neri José; REIS, Ari Antonio dos; SARDÁ, lio Cesar; SOUZA, Gustavo Borges de
Entrevista com Dom Guilherme Antônio Werlang
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.134, p. 7-10, Jan./Jun./2023. ISSN On-line: 2763-5201.
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tirados da fome e da extrema miséria. Infelizmente por várias razões, e aqui essas razões
são múltiplas o para apontar todas, agora por questões de opção política e de opções
econômicas dos governos, infelizmente nos últimos anos com outras crises também
externas e internas a fome voltou a crescer. É triste em um país que é o terceiro maior
produtor de grãos de cereais do mundo ter tanto para exportar e faltar na mesa dos
brasileiros. Existe alguma coisa errada na política e no sistema econômico brasileiro.
Então, não é possível num país desses ter hoje novamente acima de 30 milhões de
brasileiros na fome. Penso que hoje nós, Igreja Católica, precisamos partir da nossa
novamente. Fazer o que Jesus mandou, pois evangelizar é dar vida bonita e plena para
todos, é dar alimento, educação e moradia, que constituem um direito fundamental, sem as
quais a pessoa não consegue ser feliz e não consegue se sentir filho e filha de Deus.
Precisamos investir hoje muito teologicamente e as Faculdades de Teologia, especialmente
teologia para os leigos e teologia seminarística, que pensa em formação de padres ou então
escolas diaconais. É preciso criar consciência crítica de que nós temos que investir mais em
políticas públicas.
2 Qual é a relação entre o combate fome e os princípios da Doutrina Social da Igreja?
A Doutrina social da Igreja na forma como nós a temos surge com o Leão XIII e o
início da industrialização surge o proletariado e havia nos lugares no início de 1516,
com 17 horas de carga horária diária e salários baixíssimos porque a partir desse
movimento, sugue o sistema capitalista que vai surgir da Revolução Industrial e todos os
desdobramentos posteriores. A pobreza e a miséria tomam conta então e a Doutrina Social
da Igreja que surge com Leão XIII como resposta eclesial a esta situação e depois tem
muitos outros documentos dos Papas posteriores. É indispensável saber destes
documentos e isso tem que estar na ponta da língua não de um bispo ou de um padre,
mas de todo aquele que se diz cristão aquele que segue Jesus Cristo. A primeira bem-
aventurança de Jesus Cristo no Evangelho de Mateus capítulo 5 e no Evangelho de Lucas
capítulo 6 é: Bem-aventurados os pobres de espírito”. Quando Mateus escreve bem-
aventurados os pobres no espírito ele está se referindo ao Espírito Santo e bem-
aventurados os pobres no espírito o é ser pobre de espírito que muita gente o foi. Ser
pobre de espírito não é ser analfabeto. Lucas é mais direto. Para os pobres serem bem-
aventurados, eles precisam ter os direitos à saúde e à moradia. Esses direitos fundamentais
do ser humano e devem ser garantidos por políticas blicas. Então combater a fome para
Igreja ultrapassa o acesso à comida. nós temos este ano no grito excluídos “fome de
quê? fome e sede de quê?”, baseado no texto da Campanha da Fraternidade 2023. A fome
ultrapassa carência de comida de alimento. São diversas formas de necessidade que fazem
com que o povo brasileiro esteja sofrendo. A Doutrina Social da Igreja precisa ser matéria
obrigatória em qualquer Curso de Teologia e de Ciências Religiosas para os cristãos,
porque sem isso nós o vamos conseguir cumprir o mandamento de Deus, do amor ao
próximo. Como são Thiago escreve: “Se um irmão ou uma irmã estiverem necessitados de
roupa e passando privação do alimento de cada dia. e qualquer dentre vós lhes disser: ‘Ide em paz,
aquecei-vos e comei até satisfazer-vos’, porém sem lhe dar alguma ajuda concreta, de que adianta
isso?” (Tiago 2,14-16).
3 A Campanha da Fraternidade conseguiu sensibilizar a população para a
realidade da fome?
Em partes sim, eu penso que a Campanha da Fraternidade em muitas paróquias ou
até infelizmente em algumas dioceses não é assumida e em alguns lugares é assumida
MEZADRI, Neri José; REIS, Ari Antonio dos; SARDÁ, lio Cesar; SOUZA, Gustavo Borges de
Entrevista com Dom Guilherme Antônio Werlang
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durante a Quaresma. Não acho que deva ser assumida apenas durante a quaresma, mas os
planos pastorais devem assumir sempre a temática da Campanha da Fraternidade para o
ano todo. A ação pastoral da Igreja da paróquia; da pequena comunidade, deve estar
sempre incluído aquilo que está sendo trabalhado pelas campanhas da fraternidade.
Penso que um fato que aconteceu no ano passado, pode demostrar o quão grave a
questão da fome se apresenta em nosso país. No estado do Mato Grosso, teve fila em
supermercado onde o dono do supermercado estava oferecendo os ossos da carne
desossada para vender e em vez de jogar fora ou fazer farinha. Ele começou a distribuir
ossos para que os pobres pudessem fazer sopa. Isso clama aos céus. Penso que deve se
aplicar a passagem que Deus disse a Moisés, EU ouvi o grito como o gemido quem sobe do
povo eu vi aflição do meu povo e eu desci para libertar (Ex 3,7). Eu penso que quando
Deus disse assim que Ele viu, ouviu o grito desceu para libertar eu acho que Moisés ficou
aliviado graças a Deus eu estou fora dessa. que Moisés não esperava que Deus
continuasse falando e Deus disse: vai eu te envio ao faraó eu vim para libertar Israel da
escravidão, vai e diga que eu te mandei. Eu não consigo entender como alguém em
consciência, possa ser contra uma autêntica e verdadeira Teologia de Libertação. Nós
entendemos que Deus é um Deus libertador dos oprimidos. Para nós entendemos que
Jesus Cristo fez tudo no sentido de inserir eles, de libertar eles do peso da Tora da lei
judaica e do Império Romano. A Campanha da Fraternidade cada ano nos ajuda a
compreendermos melhor essa questão e ela o pode ser apenas durante a Quaresma, tem
que ser extensiva e bebida ao longo do ano.
4 Durante a Campanha da Fraternidade viu-se a apresentação de muitas
iniciativas boas para o enfrentamento da fome. O que poderia ser feito a partir das
comunidades eclesiais missionárias?
Eu acredito muito nessas iniciativas simples talvez a mais importante seria voltar a
termos que em casa o jogar nada fora e se controle o desperdício. Educar a criancinha
pequena depois da adolescência a saber dividir. Infelizmente com o sistema de hoje, as
famílias têm no máximo um ou dois filhos. Então a criancinha pequenininha cresce
imaginando que tudo é dela: “é meu, é meu”; e o pai ou a mãe para não dar briga vão e
compram mais para o outro também. Pode ser desde uma barra de chocolate, uma bola,
um brinquedo qualquer uma boneca, ou seja, o que for, “tudo é meu, meu, meu”. Então
eu acho que assim que nós temos que mudar a educação desde criança. Voltar a ter uma
educação para a solidariedade. Nada é meu, tudo é nosso. Temos que voltar a conjugar o
verbo de novo mais no plural do que no singular. Eu acho que as maiores iniciativas
passam por uma educação que possa realmente, ensinar a partilha. Era uma vez assim
vamos lembrar disso hoje. Para não brigar o pai ou a mãe prefere trabalhar não sei quantas
horas extras para poder comprá-lo tudo em 2; se tem 2 filhos tem que ter 2 celulares, etc.
Exigir na medida em que nós crescemos os jovens depois dos adultos aplicar isso nós
temos consciência de que Deus disse que a terra é de todos, somos peregrinos nela. Então
educar a criança para que ela possa também levar e repartir alguma coisa para outras
crianças pobres. Por exemplo, na época de Natal ou no aniversário, a criança pode pedir, se
eu ganhar um presente eu quero dois.
Para levar na periferia eu quero entregar isso
para uma outra criança, porque a outra criança tem o mesmo direito que eu tenho. Mais
do que um prato de comida, mais do que um troco de esquina em semáforo é necessário
nós tomarmos
a iniciativa ir aos pobres, o esperar que os povos venham a nós. A
caridade cristã é nós irmos até eles. Vendo por então eu acho o mundo vai ser melhor
com toda a certeza.
MEZADRI, Neri José; REIS, Ari Antonio dos; SARDÁ, lio Cesar; SOUZA, Gustavo Borges de
Entrevista com Dom Guilherme Antônio Werlang
Revista Teopráxis,
Passo Fundo, v.40, n.134, p. 7-10, Jan./Jun./2023. ISSN On-line: 2763-5201.