Escritos joaninos: profecia e esperança

Ir. Luciane Piovesan, icm*

Nas linhas que seguem, partilho um pouco da rica experiência que foi adentrar na espiritualidade dos escritos joaninos – Evangelho de João e Livro do Apocalipse – no Curso de Pós-Graduação em Espiritualidade, na Itepa Faculdades. As aulas foram ministradas pelos professores Pe. Nelson Tonello e Pe. Rogério Zanini.

Vimos que ambos os textos foram escritos em língua grega, no mesmo contexto histórico e endereçados para o povo das primeiras comunidades cristãs, espalhadas pelo Império Romano, sobretudo na Ásia Menor, no final do primeiro século, entre os anos 90 e100 d.C. Tratava-se de um período difícil: crises na fé e na missão, ideologias que se infiltravam, conflitos e perseguições por parte do Império Romano e do judaísmo farisaico. Havia ainda o cansaço da caminhada, o fervor primeiro estava diminuído, existiam muitas seitas religiosas que acabavam por provocar confusões dentro das próprias comunidades. Era necessário se perguntar: Quem é mesmo Jesus? Qual sua proposta? O que implica o Batismo e a pertença a uma comunidade cristã? Como enfrentar a perseguição, a pressão por parte do Império e manter firme a fé em Jesus Ressuscitado?

É neste contexto, e para responder a estas questões que nascem os escritos joaninos. O autor ou autores, vai transmitir a experiência que as comunidades tinham de Jesus como Palavra de Deus. Não é por nada que o Evangelho de João inicia dizendo: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus, e a Palavra era Deus… e a Palavra se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 1.14). Este anúncio dá sentido e vida ao mundo inteiro. Com o mistério da encarnação a Palavra (Verbo) se torna um ser humano que e pode ser visto, tem um nome e um rosto: é Jesus Cristo. Portanto, o objetivo do texto é ajudar as comunidades daquele tempo a ver em Jesus, aquele simples homem da Galileia, o Verbo Encarnado, e isso muda tudo e dá sentido a todas as coisas. Mas não basta crer em Jesus Cristo, é preciso trilhar um caminho de discipulado. Todo aquele/a que aceita Jesus, tem de se dispor a percorrer o mesmo caminho que Ele percorreu. Aqui, quero destacar o valor do testemunho. O discipulado é provocado pelo testemunho e pelo escutar. Foi assim com João Batista, foi assim com os primeiros discípulos e discípulas.

Já o Livro do Apocalipse, foi escrito em linguagem repleta de mistérios, símbolos, visões, cores, números e aparições celestes. Na verdade, trata-se de códigos e, para entendê-los, é preciso ter a chave certa na mão, que é o Primeiro Testamento ou AT. Quem conhece o AT, reconhece no texto a mensagem que está sendo transmitida. Caso contrário, sem conhecer o código, corre-se o risco de fazer uma leitura equivocada, fundamentalista desse precioso texto. Portanto, a chave de leitura é justamente o código de imagens e figuras. Cito alguns exemplos que nos ajudam a entender e a aguçar ainda mais a curiosidade. Por exemplo: o branco é a cor da vitória, Jesus Cristo Ressuscitado vencedor; o cordeiro é o crucificado/ressuscitado; o dragão com dez chifres (poder do Império) é o inimigo muito poderoso, já o dragão de 7 chifres, significa o poder, a força em plenitude, portanto, este dragão é mais forte que o de 10 chifres. A mulher em trabalho de parto, representa o povo pobre tentando parir o Reino de Deus, enquanto a grande prostituta, representa o sistema opressor do Império Romano. Trata-se de dois projetos em questão. Assim poderíamos citar muitos outros exemplos.

Apocalipse é uma palavra que vem do grego e significa revelação, que é o mesmo que tirar o véu. No escrito, a realidade vai sendo desvelada, e vai gerando consciência crítica e esperança para não desanimar na caminhada. Trata-se de um texto profético que rele a história a partir do Cordeiro e não do Império Romano. O autor ou autores, demonstra muita consciência da situação político-econômica-social e o desejo de que esta realidade imposta pelo império chegasse ao fim, dando espaço a novas relações de vida e comunidade a partir do Evangelho de Jesus Cristo. Além disso, o livro convoca a cada um/a para ser portador/a desta Boa Notícia a fim de superar as opressões e ajudar a recriar um novo mundo. Este convite continua válido para nós hoje porque a Palavra é sempre viva e atual.

Podemos concluir e proclamar que tanto o Evangelho de João, quanto o Livro do Apocalipse ajudam a fortalecer a resistência contra os valores que o império do capital globalizado nos quer impor, tais como o individualismo, a competitividade, o acúmulo de bens materiais, o endeusamento das riquezas, a corrupção, etc. Motiva nossa perseverança em estabelecer uma economia solidária, novas relações com base na justiça e na partilha. Os escritos Joaninos são fonte de espiritualidade para nós e para a vida da Igreja hoje. É preciso conhecer a história e alimentar a esperança e a resistência na luta pela vida, justiça e liberdade.

 

 

*Aluna da Pós-Graduação em Espiritualidade – Itepa Faculdades