Diego Isotton[1]
Juventude e educação! Duas palavras que se complementam. A educação quando compreendida de forma ampla, ou seja, no desenvolvimento pleno de todas as dimensões humanas, passa a ser um indicativo de que a vida social é boa. Entretanto, para esse fim, exige-se que se pense tendo como horizonte uma concepção de nação. Significa, por sua vez, que, para chegarmos a essa perspectiva, que haja investimentos, e, principalmente, que possamos compreendê-la como prioritária. Quando essas dimensões não são levadas em consideração, quando não é interesse do Estado, têm-se um retrocesso social, como pode-se observar o que vem acontecendo no Brasil. Diante desta conjuntura, pergunta-se: quais os motivos que levam a defender que a educação necessita ser pensada como prioridade?
O artigo 205 da Constituição Federal Brasileira e o artigo 2° da Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) definem que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Mesmo sendo uma diretriz reservada à toda população, majoritariamente ela se reserva ao público em idade escolar, ou seja, são crianças, adolescentes e jovens. A educação, como bem explicita a LDB, é um direito de todos os brasileiros e é função do Estado, da família e da sociedade em se empenhar para que ela se efetive. O principal objetivo da educação é oportunizar a todas as pessoas a compreenderem-se como cidadãos e, junto a isso, qualificá-los para exercerem uma profissão digna e realizadora do sujeito. Um dos grandes agravantes na atualidade, na área educacional, é quando este processo se reduz a um preparativo para o exercício funcional, ou seja, exclusivamente para mão de obra, reduzindo o ensino-aprendizagem a uma dimensão técnica, cuja finalidade é uma instrução para o trabalho, subjugando ou menosprezado uma formação para o exercício da cidadania e da democracia.
Nos anos de 2003 a 2014 houve maiores investimentos na educação, com isso, os índices de ingresso e permanência na escola e nas universidades aumentaram. O aumento dos anos de estudos entre as novas gerações fez dos jovens a geração brasileira mais escolarizada, até então.[2]
A efetivação dos direitos da juventude no mundo e no Brasil estão vinculados ao acesso à educação de qualidade… Somente no fim do século XX começamos a avançar na expansão do acesso e da qualidade da educação. Processo este já interrompido desde 2014, em nome do ajuste fiscal e da crise financeira.[3]
As estatísticas da Agenda Juventude Brasil, realizada em 2013, apontam que houve um maior ingresso dos jovens das classes populares no ensino médio e superior, até então pouco presentes nesses níveis de ensino.[4] Esse avanço aparece em virtude dos novos investimentos dados para o ensino médio e superior; até então, os investimentos voltavam-se, quase que exclusivamente, ao ensino fundamental.
Mesmo com o crescente investimento em educação, as escolas e universidades não conseguiram acompanhar esse novo universo de jovens à procura de educação.[5] No que compete ao ensino superior, há insuficiência de vagas frente à demanda, a maioria delas concentra-se na rede privada de ensino e as políticas de acesso, como o Prouni e o FIES, são insatisfatórias e não oferecem as condições de permanência.[6]
Tanto assim, que, entre as principais preocupações dos jovens que cursam ou cursaram o ensino superior, aparecem “terminar a faculdade logo”, “não conseguir terminar a faculdade”, “custo alto dos estudos”, “falta de dinheiro para pagar o curso” ou “falta de dinheiro para pagar um curso melhor”.[7]
O acesso à educação para os 50 milhões de jovens brasileiros, em grande medida, depende dos investimentos do Estado[8]. Se, mesmo havendo políticas para facilitar o acesso à educação, como Prouni e FIES, vimos, por sua vez, que nem todos os jovens são contemplados. Desde 2015, com a política de cortes de Joaquim Levy, há um visível cerceamento econômico travando a realização do Plano Nacional de Educação 2014-2024 (PNE). A partir da crise iniciada em 2014, todas as deliberações políticas tomadas pelo presidente Michel Temer vêm desconsiderando o importante direito à educação. E isso se agravou no governo do presidente Jair Bolsonaro, dificultando a execução do PNE até 2024.[9]
Em razão da COVID-19, a educação brasileira acelerou a sua precarização. Se com o ensino presencial já havia uma série de dificuldades e evasão escolar, como ensino online esse problema se agravou. Segundo alguns dados, o número de alunos que deixaram de estudar aumentou exponencialmente. Segundo a Unicef: “a quantidade de alunos, com idades entre 6 e 17 anos, que abandonaram as instituições de ensino foi de 1,38 milhão”[10]. A evasão escolar decorre de uma série de fatores, sobremaneira à fragilidade de acesso aos meios digitais e à internet para darem sequência aos estudos[11], mas, também, ao fato de que os professores não possuírem formação necessária para lecionar na nova modalidade de ensino, e, particularmente, no que se refere às escolas públicas, a falta de equipamentos tecnológicos para ministrar aulas online. Ou seja, os dados mostram que a educação brasileira não é assumida pelo Estado brasileiro. A educação está à mercê da especulação dos governos e dos interesses econômicos. Parece que a constituição brasileira, naquilo que compete a educação não é levada a sério. Não existe um empenho dos cidadãos brasileiros em reivindicar educação de qualidade para si e seus filhos. A educação é um bem vital e inalienável devemos parar de tratá-la como mercadoria ou algo secundário!
Olhando para toda situação educacional brasileira podemos perguntar o que a Igreja pode contribuir para o desenvolvimento da boa educação? A Igreja como parte integrante da sociedade e mantenedora de grandes centros educacionais, deve se empenhar em fomentar e exigir dos governos, em todas suas instâncias, uma educação integral, de qualidade e universal. A educação integral, contempla todos os saberes bem como diz o Papa Francisco no seu discurso ao Congresso Educação – o Pacto Global.
Para isso, é preciso integrar os saberes, a cultura, o esporte, a ciência, a diversão e a recreação. É preciso construir pontes de conexão, superar a “pequenez” que nos fecha em nosso pequeno mundo, e ir ao mar aberto global, respeitando todas as tradições. As novas gerações devem entender com clareza sua tradição e cultura, em relação às demais, de modo que desenvolvam o autoconhecimento, enfrentando e assumindo a diversidade e as mudanças culturais. Assim, será possível promover uma cultura do diálogo, do encontro e da compreensão recíproca, respeitosa e tolerante. Uma educação que permita a identificação e promoção dos verdadeiros valores humanos dentro de uma perspectiva intercultural e inter-religiosa.[12]
No discurso do Papa Francisco percebemos com nitidez a transdisciplinaridade entre as áreas do saber para favorecer a educação integral. A educação não é algo independente, que não se relaciona com a vida dos indivíduos, pelo contrário, a vida das pessoas torna-se integrante do processo de análise e reflexão e a educação possui a tarefa de contribuir para qualificar a formação humana dos sujeitos e, consequentemente, da sociedade. A educação é um esforço coletivo efetivado pela família, escola, sociedade civil e Estado. Cada um deve responsabilizar-se pelo que lhe compete fazer, sem delegar para outros e nem agir com desdém sua função. Com a contribuição de todos e todas, a educação contribuíra para tornar nosso mundo mais justo, fraterno e ecológico. Convido a você também professar essa crença e utopia.
Referências:
FORSTER, Paula. Pandemia aumenta evasão escolar, diz relatório do Unicef. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/01/28/pandemia-aumenta-evasao-escolar-diz-relatorio-do-unicef. Acesso em 05 de agosto de 2021.
GRABOWSKI, Gabriel. Evangelização da Juventude Revista Caminhando com o Itepa (CCI), n.126, Itepa, p.49-65, 2019.
INEP/MEC. Censo educação superior: notas estatísticas. Brasília: 2017. Disponível em: <https://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2020/Notas_Estatisticas_Censo_da_Educacao_Superior_2019.pdf>. Acesso em 20 de janeiro de 2021.
NOVAES Regina; PINHEIRO, Diógenes; RIBEIRO, Eliane; VENTURI. Gustavo. Agenda juventude Brasil – leituras sobre uma década de mudança. Rio de Janeiro: Unirio 2016.
VATICAN NEWS. Francisco: pensar na educação é pensar nas gerações futuras e no futuro da humanidade. Disponível em: <https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2020-02/papa-educacao-pensar-geracoes-futuras-futuro-humanidade.html>. Acesso em 05 de agosto de 2021.
[1] Graduado em Licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS); graduando em Teologia pelo Instituto de Teologia e Pastoral (ITEPA Faculdades). E- mail: diego_isotton@yahoo.com.br.
[2] Regina Célia NOVAES et alli, Agenda juventude Brasil, 2016, p.129.
[3] Gabriel GRABOWSKI, Evangelização e Juventude, Caminhando com o Itepa, n.126, Itepa, p.62, 2019.
[4] Regina Célia NOVAES et alli, Agenda juventude Brasil, 2016, p.129.
[5] Idem, p.130.
[6] Idem, p.150.
[7] Idem.
[8] Gabriel GRABOWSKI, Evangelização e Juventude, Caminhando com o Itepa, n.126, Itepa, p.58, 2019.
[9] Idem, 59.
[10] Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/01/28/pandemia-aumenta-evasao-escolar-diz-relatorio-do-unicef. Acesso em 05 de agosto de 2021.
[11] Pesquisa realizada entre o final de abril e o início de maio de 2020, com quase 4.000 redes municipais de ensino, mostrou que apenas 33% dos domicílios brasileiros possuem computador e acesso à internet. O levantamento foi feito pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), em parceria com o Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb), Fundação Itaú Social, Fundação Lemann e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/01/28/pandemia-aumenta-evasao-escolar-diz-relatorio-do-unicef. Acesso em 05 de agosto de 2021.
[12] Disponível em: <https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2020-02/papa-educacao-pensar-geracoes-futuras-futuro-humanidade.html>. Acesso em 05 de agosto de 2021.