Vocação: chamado divino e resposta humana

Iniciamos domingo passado o mês vocacional. É tradição na Igreja no Brasil dedicar o mês de agosto à reflexão vocacional, uma dimensão estruturante na missão evangelizadora da Igreja. A palavra vocação se origina do termo latino vocare que significa chamado. A partir da referência cristã, compreende-se vocação como um chamado de Deus. Comumente se dá a aproximação de vocação com profissão, do latim professio, que diz respeito ao exercício de um ofício.

A profissão tem uma finalidade mais diretamente ligada à sobrevivência, exercendo um ofício realizado em benefício da sociedade, que por sua vez dá à pessoa as condições de sobreviver. Este exercício, quando não é feito voluntariamente, exige remuneração compatível com as necessidades básicas de sobrevivência da pessoa. No exercício profissional a pessoa contribui com a sociedade através da sua especialidade e consegue, a partir desse exercício, condições de sobreviver. Certamente, enquanto profissional, a pessoa precisa se realizar no que faz. Isto contribui com a sua realização humana.  Neste sentido é salutar a compreensão da Doutrina Social da Igreja (DSI) que liga o trabalho ao exercício da criatividade humana (cf. DSI 263), transformação da natureza e realização pessoal segundo o seu dinamismo próprio. Cada trabalhador é um irmão em Cristo que continua a criar e fazer o bem (cf. DSI 265).

A vocação se reveste da dimensão de serviço, da missão em nome de alguém. Para os cristãos, Deus chama a pessoa para uma tarefa especial em seu nome, é Ele que toma a iniciativa de convidar (EG 12), pedindo que a pessoa chamada colabore na sua obra. Assim foi com Moisés (cf. Ex 3, 10), com Samuel (cf. 1Sm 3, 1-19), com o profeta Amós (cf. Am 14-15) e com tantos outros que ouviram o chamado do Senhor e se colocaram em missão, obediência e gratuidade. É uma tarefa marcada antes pela dimensão serviçal e gratuita do que pela busca da sobrevivência, pois nenhuma vocação é assumida na busca de arrecadação material ou financeira.

Se isso acontece é porque algo não foi assimilado. Vejamos o chamado de Moisés, que deixou uma vida segura junto ao sogro para uma caminhada errante e nem chegou à terra prometida. Amós, por sua vez, deixou o trabalho de cultivador de sicômoros e criador de gado para assumir os riscos de profetizar em nome de Deus. Ambos foram provocados a deixar uma certa segurança material e existencial para uma missão não tão segura, não hesitando em responder ao chamado do Senhor Deus.

A provocação quanto à vocação é proposição divina. Deus toma a iniciativa, todavia a resposta é responsabilidade de cada pessoa humana, que se fundamenta em alguns pilares.

A resposta ao chamado divino é dada na fé, pois somente a fé em Deus, que é amor e bondade, permite um sim, às vezes inseguro, temeroso, contudo um sim.  A pessoa, ao responder o chamado de Deus mergulha confiantemente nos seus desígnios e se dispõe a trilhar o caminho proposto pelo Pai. Segundo o Papa Francisco “esta convicção permite-nos manter a alegria no meio de uma tarefa tão exigente e desafiadora que ocupa inteiramente a nossa vida. Pede-nos tudo, mas ao mesmo tempo nos dá tudo” (EG 12). A resposta dada na fé não permite tantas certezas como a pessoa é tentada a buscar. A única certeza é o ponto de partida, a fé em Deus que convida o ser humano a colaborar na sua obra.

A resposta ao chamado vocacional também implicará em um longo processo de saída, para o qual se faz necessário rever muitos projetos, reinterpretar convicções e traçar outros caminhos (cf. At 9,19-22), em nome da fidelidade ao chamado de Deus. Esta saída pode ser geográfica, mas sobretudo existencial. E, na saída corajosa dos “cercados existenciais” a pessoa encontrar-se-á com outros, num profundo processo de enriquecimento pessoal e de fé. A resposta ao chamado divino desinstala, desacomoda e faz sair.

Ao responder ao chamado divino a pessoa vai se compreendendo como servidora da causa do Reino (cf. Jo 13,14-17). Jesus, como outrora chamou os discípulos, também nos convida a sermos servidores. O sim dado a Deus é o sim dado a dimensão servidora da vocação, seja na condição de ministro ordenado, leigo engajado na missão evangelizadora, vida familiar ou vida religiosa.

Cada vocacionado, cuja vida recebeu de presente do próprio Deus, é convidado a entregar-se inteiramente a este Deus que os chama, gastando a vida em uma causa que valha a pena. Como afirmou o Papa Bento XVI na Missa de abertura de seu pontificado, referindo-se aos jovens presentes na praça de São Pedro, partindo de uma longa vida pessoal de amizade com Cristo: “Quem faz entrar Cristo em sua vida nada perde, nada, absolutamente nada daquilo que torna a vida livre, bela e grande. Não! Só nesta amizade se abrem de par em par as portas da vida. Só nesta amizade se abrem realmente as grandes potencialidades da condição humana. Só nesta amizade experimentamos o que é belo e o que liberta. Assim, eu gostaria com grande força e convicção, partindo da experiência de uma longa vida pessoal, de vos dizer hoje, queridos jovens: não tenhais medo de Cristo! Ele não tira nada, Ele dá tudo. Quem se doa por Ele, recebe o cêntuplo. Sim, abri de par em par as portas a Cristo, e, encontrareis a vida verdadeira.”

 

Pe Ari Antonio dos Reis

Seminarista Claudir Antonio Catto

Seminarista Janderson Vieira Crus