“Pensar e gerar um mundo aberto”[1]
Mons. Cleocir Bonetti[2]
Vivemos um momento em que é necessário – para um bem maior, que é a vida – mantermos protocolos e formas de distanciamento social. Porém, acredito que há muito tempo estamos vivendo de forma imunitária, ou seja, negando nossa dimensão comunitária. Estamos indo contra nossa própria natureza de seres de relação. A Pandemia nos mostra, de uma forma virulenta, a interdependência dos seres humanos, das nações, da vida.
Não podemos viver como “ilhas”, pois a “vida subsiste onde há vínculo”. Ligados intimamente com a Trindade Santa, somos projetados para o outro. Fomos criados por amor e para amar. Por isso, a necessidade de sair de si mesmo, do nosso pequeno grupo, do nosso “mundo”, pois “o amor autêntico, que ajuda crescer, e as formas mais nobres de amizade habitam em corações que se deixam completar”.
É imprescindível vivermos a hospitalidade e não a hostilidade e a intolerância. “A atenção afetiva prestada ao outro provoca uma orientação que leva procurar o seu bem gratuitamente”. O amor apresenta uma dinâmica de progressiva abertura, na capacidade de sair dos “egoísmos”, porque nos pertencemos. Somos vocacionados a formarmos comunidade e a nos cuidarmos reciprocamente. Como nos disse Jesus: “Todos vós sois irmãos” (Mt 23,8).
Em meio a tantas “periferias” é necessário o cultivo de uma “amizade social” e de uma verdadeira abertura universal, onde “nossa família humana precisa aprender a viver conjuntamente, em harmonia e paz, sem a necessidade de sermos todos iguais”.
Da parábola do Bom Samaritano aprendemos que “próximo” é bem diferente de “sócio”. No jogo de interesses impera o individualismo, a desigualdade, a ambição. No inverso, necessária se faz uma educação para a fraternidade, o diálogo, o amor universal que promove as pessoas.
O Papa Francisco aponta a amizade social e a fraternidade universal como caminhos para superar os grandes problemas da humanidade. É preciso, antes de tudo, reconhecer o valor que têm o ser humano, em qualquer circunstância. O ser humano não é descartável. “Todo ser humano tem direito de viver com dignidade e desenvolver-se integralmente, e nenhum país pode negar-lhe esse direito fundamental”, diz o papa; e ressalta: “o direito de cada um deve estar em harmonia com o bem maior”.
Papa Francisco chama a atenção à degradação moral e ética que vivemos e convida que “voltemos a promover o bem, para nós mesmos e para toda humanidade, e assim caminharemos juntos para um crescimento genuíno e integral” (FT 113).
O Papa destaca o valor da solidariedade e a necessidade das famílias se responsabilizarem pela transmissão da fé e dos valores “do amor, da fraternidade, da convivência, da partilha, da atenção e do cuidado pelo outro”. Outros agentes sociais, culturais têm a responsabilidade de promover a educação do ponto de vista moral, espiritual e social.
Para o Papa, a solidariedade se manifesta, de forma concreta, no serviço, no cuidado sobretudo dos mais frágeis. Solidariedade para o Papa “é pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. É também lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, a terra e a casa, a negação dos direitos sociais e laborais. É fazer face aos efeitos destrutivos do império do dinheiro”. Dentro desta lógica, o Papa repropõe a função social da terra e recorda o que disse São João Paulo II na Centesimus Annus: “Deus deu a terra a todo gênero humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém”.
Por fim, o Papa lembra que os direitos não podem ter fronteiras; que há direitos que “precedem qualquer sociedade, porque derivam da dignidade concedida a cada pessoa enquanto criada por Deus”. Se compreendemos todo ser humano como meu irmão e minha irmã, então não importa onde nasceu, antes merece, e realmente deve, ser tratado como gente, como filho e filha de Deus.
É preciso, portanto segundo o pontífice Francisco, entrar numa nova lógica, um novo modelo nas relações locais e internacionais. “É preciso reconhecer os direitos individuais, mas também os direitos sociais e os direitos dos povos”. “É possível desejar um planeta que garanta terra, teto e trabalho para todos. Esse é o verdadeiro caminho da paz, e não a estratégia míope de semear medo e desconfiança perante ameaças externas”.
Com o Papa Francisco, desafiemo-nos a “sonhar e a pensar em uma humanidade diferente”, um mundo aberto e empenhado com a reciprocidade do amor e do cuidado que promove a dignidade e sempre gera vida.
[1] Este texto tem como base o capítulo terceiro da Carta Encíclica do Papa Francisco, Fratelli Tutti (n. 87-127). As citações entre aspas pertencem sempre a estes números do documento.
[2] Mons. Cleocir Bonetti: Licentiatum in Historia Ecclesiae, Pontificia Universitas Gregoriana, Roma, Italia; Baccalaureum in Historia AC Bonis Culturalibus Ecclesiae, Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, Italia; Pós-Graduado em Psicopedagogia, Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada Conceição, Viamão, RS; Graduado em Teologia, Itepa Faculdades, Passo Fundo, RS; Licenciado em Filosofia, Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada Conceição, Viamão, RS.