Fratelli Tutti: algumas palavras iniciais

Elisandro Guindani[1]

Renan Paloschi Zanandréa[2]

 

No túmulo de São Francisco de Assis o Papa Francisco assinou sua mais recente Carta Encíclica, terceira de seu pontificado[3]. O Papa marcou a memória deste grande santo da Igreja com um chamado universal à fraternidade e à amizade social.

Tendo como pano de fundo a pandemia da Covid-19, o Papa Francisco convida a “[…] uma forma de vida com o sabor do Evangelho” (FT 1)[4], baseando-se nas Admoestações de São Francisco de Assis que, outrora, convidava a sermos “todos irmãos” (fratelli tutti). A inspiração é o santo de Assis, que carregou um ardente amor pelo Senhor, chegando a Ele pelo caminho dos “[…] pobres, abandonados, doentes, descartados, enfim, dos últimos” (FT 2). São Francisco mais se aproximava de Deus à medida que mais se aproximava dos irmãos (FT 3) e esse é o convite de nosso Papa, o Francisco que temos hoje à frente da Igreja.

A dimensão universal do amor fraterno é a marca que perpassa todas as páginas da Fratelli Tutti. O texto divide-se em oito capítulos, onde o Papa faz uma análise dos problemas que assolam o mundo atualmente, como o medo, a falta de atenção às minorias, a cultura do descarte, a globalização e a não atenção aos direitos humanos. Provoca, ainda, a olhar para o mundo com abertura de coração, carregando a marca da solidariedade, com a promoção do bem moral, da gratuidade e do além fronteiras no que se refere ao cuidado com os irmãos, negando, assim, todo tipo de individualismo. O texto ainda traz apontamentos sobre a importância da boa política, que deve carregar a marca do amor e não da ideologia, da ilusão do dinheiro ou do nacionalismo egoísta. O Papa Francisco ainda aponta o diálogo como o caminho para uma verdadeira amizade social, com a formação para uma cultura diferente, enfatizando o encontro com os irmãos, a amabilidade, o perdão, o conflito que faz crescer, combatendo toda forma de ataque à vida. O Papa ainda denuncia a injustiça da guerra e da pena de morte. Por fim, o destaque é para o papel fundamental das religiões na promoção da fraternidade em todo o mundo. A proposta é para fugir da divisão e, por meio da unidade e da experiência com o mesmo Pai, promover o diálogo e a colaboração comum, atingindo todos os povos e nações.

O texto do Papa Francisco baseia-se noutro assinado junto com o Grão Imame de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, em Abu Dhabi no ano de 2019, tratando da fraternidade em prol da paz mundial e da convivência comum[5]. O objetivo é que se dê mais atenção à boa religiosidade, aquela praticada com humildade e que tem como objetivo a paz. A intenção é que se dê “[…] lugar para a reflexão que procede da formação religiosa que reúne séculos de experiência e sabedoria” (FT 275). Fraternidade e amizade social só serão possíveis se baseadas numa experiência real a partir “[…] de um renovado encontro com os setores mais pobres e vulneráveis” (FT 233), pois “as grandes transformações não são construídas na mesa ou no escritório” (FT 231).

É evidente que o objetivo deste texto é apenas fazer uma apresentação geral à Fratelli Tutti[6]. Não seria possível desdobrar, em tão poucas linhas, toda a riqueza que nos presenteou o Papa Francisco no texto desta encíclica. Seu grande sonho com esta publicação é o de que, “[…] perante as várias formas atuais de eliminar ou ignorar os outros, sejamos capazes de reagir com um novo sonho de fraternidade e amizade social que não se limite a palavras” (FT 6). O chamado é à ação, em vista da paz e do bem comum, embora seja lento e difícil em meio a tantas diferenças. Importa, portanto, “[…] gerar processos de encontro, processos que possam construir um povo capaz de colecionar as diferenças” (FT 217).

Especialmente por sua humildade, São Francisco de Assis recebeu o título de “seráfico”, com referência à maior das hierarquias angélicas. Que cada um seja também portador desta humildade, a tal ponto de “dar-se conta de quanto vale um ser humano, de quanto vale uma pessoa, sempre e em qualquer circunstância” (FT 106). A partir disso, com Cristo como referência, poderemos ser realmente fratelli tutti, alcançando o desejo de São Paulo: “que vosso amor seja sem hipocrisia, detestando o mal e apegados ao bem; com amor fraterno, tendo carinho uns para com os outros, cada um considerando os outros como mais digno de estima” (Rm 12,9-10).

 

Referências

FRANCISCO, Papa. Fratelli Tutti: sobre a fraternidade e a amizade social. São Paulo: Paulus, 2020.

BÍBLIA. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

[1] Pároco da paróquia N. S. da Conceição (Caseiros/RS) e reitor do Seminário Maior N. S. da Oliveira, Diocese de Vacaria/RS. Professor da disciplina de Metodologia e Prática Pastoral na Itepa Faculdades.

[2] Licenciado em Matemática e bacharel em Filosofia (Universidade de Passo Fundo – UPF); bacharelando em Teologia (Itepa faculdades). Seminarista do segundo ano da etapa da Configuração, Diocese de Vacaria/RS.

[3] A primeira foi Lumen Fidei (2013), sobre a fé, e a segunda Laudato Si’ (2015), sobre o cuidado com a Casa Comum.

[4] As referências à Carta Encíclica Fratelli Tutti serão abreviadas com a sigla FT e marcadas com o parágrafo correspondente à citação.

[5] Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/travels/2019/outside/documents/papa-francesco_20190204_documento-fratellanza-umana.html. Acesso em: 25 jan. 2020.

[6] Este é o primeiro de uma série de dez artigos que serão publicados ao longo deste ano, por promoção da Itepa Faculdades, sobre todos os capítulos da Carta Encíclica Fratelli Tutti.

 

Baixe aqui este texto (Introdução à Fratelli Tutti – Itepa Faculdades)