Revista CCI, Edição 50

Olhar ao redor de si, ouvir os inúmeros apelos do projeto neoliberal, justificando o “paraíso terrestre”, ter coragem para ver a realidade que nos cerca, e constatar que para maioria dos jovens e crianças não há perspectiva de vida, torna-se um desafio ímpar para cada agente de pastoral e, sobretudo, para o “discípulo” de Jesus.

Alguns privilegiados têm acesso direto a este “paraíso”, mas para a grande maioria o que sobra? A esta
falta de perspectiva soma-se o não acesso à saúde, à educação, ao lazer… Os servidores deste cenário nacional e mundial procuram distrair o povo, com “pão e circo”, prometendo o paraíso eletrônico, via globalização, como único meio de sobrevivência. O Evangelho segundo Lucas, na parábola do Bom Samaritano, mostra como o homem da margem, do grupo dos excluídos, dos impuros, dos “fora da lei”, soube ser misericordioso.

A misericórdia é um princípio que move o discípulo de Jesus. Jon Sobrino o expressa em seu livro O Princípio Misericórdia – Descer da Cruz os Povos Crucificados. Recentemente, no artigo La Iglesia Samaritana y el Principio—Misericórdia, publicado pela Revista Latino Americana de Teologia, vai precisando o termo “misericórdia”, a fim de que o “sentimento de compaixão” seja acompanhado com uma práxis; “obras de misericórdia”, com uma análise das causas do sofrimento; “alívio das necessidades individuais”, com o desafio da transformação das estruturas; e “atitudes paternais” não confundindo com o paternalismo, tão próprio em nosso tempo e até de certos grupos da igreja “Não podemos apenas falar de ‘misericórdia’, mas sim, do “Princípio-Misericórdia”, no mesmo sentido que E. Bloch tem falado do “Princípio-Esperança” (Sobrino).

As grandes massas de jovens e crianças, sem falar nos adultos, deixadas à margem da educação, da saúde e de outros meios básicos para a sobrevivência humana, são uma grande interpelação para todos nós. O que nos move para irmos ao seu encontro? É o “Principio-Misericórdia” ou somos parceiros dos que promovem o circo do falso paraíso terrestre como a única saída para ser sujeito neste universo particular? O grupo Rap não aceita a hipocrisia da sociedade elitizada, e poetisa o marginalizado, a “favela”, o bairro humilde, o negro… por isso, a expressão deles “e dá pra rir?” diante de tanto descaso, é um grito de protesto contra a situação de miséria da humanidade.

A luta pela vida e por mais vida, em especial para os deixados à margem, é um desafio de vida ou morte que nos toca a todos. Evangelicamente não se admite estar na coluna do meio. Ou estamos com Jesus de Nazaré, a favor da vida, ou contra ele, a favor da morte. O “seguimento” de Jesus é resposta a um chamado de predileção. Por isso é um dom, mas exige uma radicalidade na resposta, “pois o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”(Lc9,58). “Deixe que os mortos enterrem seus mortos (Lc9,60). “Quem põe a mão no arado e olha para traz não é apto para o Reino de Deus” (Lc9,62). “O seguimento, portanto, exige total disponibilidade, “deixar tudo para seguir Jesus” (TEB)” (I.Storniolo).

A celebração do Sesquicentenário da Diocese do Rio Grande do Sul também nos interpela para uma reflexão sobre o tipo de Igreja que se construiu na região sul do Brasil. Ela foi movida pelo “Princípio-Misericórdia”? Mostra uma fisionomia de discípula de Jesus? Fazendo a memória destes 150 anos, e na retomada desta história, que “outras notas” (a “una, santa, católica e apostólica”) se acrescentam a esta Igreja?

Oxalá, com a memória destes 150 anos da Diocese do Rio Grande do Sul, retomemos, como Igreja, o princípio do direito à Vida e do direito ao Sonho, expressão da Esperança, que anima e orienta a caminhada de nosso povo, desta maioria da população deixada à margem, sem acesso ao “paraíso”, prometido pelo neoliberalismo.

Amiga e amigo leitor, estamos no número 50 da Revista Caminhando com o ITEPA. Espaço significativo e possível para partilhar suas experiências, sua pesquisa, sua reflexão. Parafraseando Paulo Freire, este “é o palco onde se coloca em comum, nosso saber particular”.

Trecho retirado do editorial, por Ir Araci Ludwig.

Nesta edição você encontrará:

  • Entrevista com Pe. Marcelo Guimarães
  • O Modo Orante de Celebrar a Liturgia, texto de Pe. Egídio Balbinot
  • Isaías: “Javé é salvação” (1-39), texto de Ademir Rubini
  • Histórico das Dioceses do ITEPA: primeiros resultados da pesquisa, texto de Carla Simone Rodeghero, Almir Paulo dos Santos, João Cláudio de Souza Gossler, Paulo Cézar Klein e Sidney Fisch
  • Monografias
  • Entre outros

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Informações técnicas
Título: Revista Caminhando com o Itepa
Autor: Faculdade de Teologia e Ciências Humanas – ITEPA FACULDADES
Número: 50
ISSN: 1677-860X
Mês/Ano: Setembro/1998
Páginas: 64