“Todo homem serve primeiro o vinho bom e, quando os convidados já estão embriagados serve o inferior. Tu guardaste o vinho bom até agora!” (Jo 2,10). É um pouco estranho iniciar o editorial com este versículo bíblico, no entanto, é oportuno para o momento histórico que estamos vivendo e também em relação a todos os artigos deste número do Caminhando com o Itepa.
Nas Bodas de Caná esta frase e reação ao primeiro sinal realizado por Jesus no Evangelho de João, é do mestre-sala, que pela sua função deveria providenciar o bem estar dos convidados do noivo. Em João 2,1-12, o mestre-sala nem sequer se deu conta da falta de vinho e no segundo momento, ainda deu uma bronca no noivo, porque guardou o melhor até o final. Na chave de leitura, José Bortolini, assinala que esta atitude foi de não aceitação da novidade e da abundância de vida, de festa, de alegria que vieram por Jesus.
Mas, a indignação ética e a sensibilidade profética vem da mulher, como estranhamente Jesus chama a sua mãe. “Eles não tem mais vinho”, disse ela a Jesus. E, Jesus num tom ameno, mas firme, completa dizendo: “que queres de mim, mulher? Minha hora ainda não chegou”. Ou, o que temos nós com isso? Bortolini diz que, por esta resposta Jesus, revela os verdadeiros responsáveis pela falta de vinho na comunidade da antiga Aliança. Por isso, nem Jesus e nem a sua mãe são os responsáveis pela “falta de vinho”, mas sim as autoridades religiosas. Estas estavam mais preocupadas com os rituais (havia seis talhas que serviam para a purificação), do que com o bem estar da comunidade.
Maria a mulher-profeta, solicita e atenciosa percebe a falta de vinho e providencia para que Jesus transforme esta realidade, e restitua o direito da festa, da vida, da nova aliança, em que Ele mesmo será o noivo da humanidade. Tanto neste relato como em Lucas 1,46ss Maria denuncia a situação de não-vida e anuncia uma ordem de valores totalmente nova. Em João, apressa a HORA de Jesus, em Lucas diz que Deus “Depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou. Cumulou de bens a famintos e despediu ricos de mãos vazias” (vv. 52-53). “Eles não tem mais o vinho” do sentido da festa e do culto, do sentido da vida e do amor, do sentido da aliança e da participação.
Numa leitura cuidadosa das Bodas de Caná e atentos à função de cada um na festa, não resta dúvida que o mestre-sala deveria estar atento ao desenrolar dos acontecimentos e perceber a falta de vinho, mas, no entanto, não foi sensível para perceber o real estado de sua comunidade. Atualizando este texto para a prática de nossas comunidades, quem é o mestre-sala? Percebe a falta de vinho? Na comunidade quem e de onde vem a percepção da falta de …? Que vinho falta em nossas comunidades e em nossa vida pessoal? Por que deixar a humanidade sem o vinho?
A exemplo da Mãe de Jesus todos nós, homens e mulheres, a serviço da vida de nossas comunidades deveríamos alimentar a sensibilidade e a percepção, a fim de, nos dar conta quando falta o vinho da justiça, da vida, do amor, do projeto de Deus, da nova Aliança. Ou a exemplo do mestre-sala, também reclamamos e não aceitamos, quando os pequeninos e pobres, os simples e excluídos são os que percebem a sua falta? Talvez todos precisássemos fazer um curso ESCUTATÓRIA, na expressão de Rubem Alves (In: O amor que acende a lua), para melhor perceber a falta de vinho e os pequenos e corajosos sinais proféticos de tantas mulheres, que muitas vezes, e de forma anônima, constroem uma comunidade mais humana e mais justa. A festa das Bodas de Caná nos sinaliza que a atitude profética é acompanhada pela ternura da observação, do bem estar, da sensibilidade, do mistério, do escutar os sinais.
Oxalá, que neste ano jubilar, acolhamos todos a misericórdia do Senhor como abundância de vinho, expressão da nova Aliança e da festa de casamento onde haverá lugar para todos e não falte nada a ninguém. Ele é a plenitude do amor e nos quer todos em sua “casa”, em comunhão e com abundância de vinho, quem sabe, dois mil litros de “bom vinho”, em vez de seiscentos.
Por isso leitor amigo e amiga, continua a leitura deste Caminhando com o Itepa, pois Claudio nos oferece a reflexão sobre a dignidade humana como fundamento da democracia. Renato ajuda a refletir sobre a Teologia da Libertação na perspectiva exodal. Saber popular e saber científico: buscando nexos é a contribuição de Wilson. Adão e Eva em tempos de globalização, texto de Giovani e a excelente entrevista de D. Demétrio sobre Ética e compromisso social. Lê e encontre os mestre-salas destes textos. E onde estão as mulheres, os profetas…aqueles que percebem a “falta de vinho”?
Trecho retirado do editorial, por Arací M. Ludwig, snd.
Nesta edição você encontrará:
- Entrevista: Dom Demétrio Valentini sobre o Fórum: “Etica e Compromisso Social”
- Adão e Eva em tempos de globalização, texto de Giovani Frana
- Um olhar sobre a Teologia da Libertação na perspectiva exodal, texto de Renato Estevão Biasi
- Saber popular e saber científico: buscando nexos, texto de Pe. Wilson Pedro Lill
- Ensino Social da Igreja: a dignidade humana como fundamento da democracia, texto de Pe. Claudio Prescendo
- Entre outros
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Informações técnicas
Título: Revista Caminhando com o Itepa
Autor: Faculdade de Teologia e Ciências Humanas – ITEPA FACULDADES
Número: 57
Mês/Ano: Junho/2000
Páginas: 48