Relatório do curso Sexualidade e afetividade (2014)

Apresentamos a Comunidade acadêmica o relatório do curso “Sexualidade e Afetividade”, ministrado aos professores e acadêmicos da Itepa Faculdades, nos dias 11 e 12 de junho de 2014, com assessoria do Dr. Pe. Ronaldo Zacharias (SDB).


A realização de um evento complementar às atividades pedagógicas da Itepa Faculdades sobre Sexualidade e Afetividade vinha sendo solicitada, desde longo tempo, por professores e acadêmicos do curso de Bacharelado em Teologia. Atendendo a esta solicitação e considerando a premência em abordar tais temáticas, historicamente ignoradas nos cursos de formação para o ministério presbiteral e de agentes de pastoral, a Itepa Faculdades propôs a realização de um curso complementar ao programa de estudos do 1º semestre letivo de 2014.

Com o apoio da Arquidiocese de Passo Fundo foi realizado o mencionado curso tendo carga horária de 20 horas e a assessoria do Pe. Ronaldo Zacharias, nos turnos matutino e vespertino dos dias 11 e 12 de junho de 2014. No turno noturno do dia 11 foi realizada uma palestra aberta, especialmente, para religiosos e religiosas, agentes de pastoral e de saúde e outros interessados no tema.

O evento foi organizado e desenvolvido de modo que todos pudessem, de algum modo, inserir-se nas atividades na condição de protagonistas. Por isso, nos quatro turnos de trabalho a oração inicial foi preparada pelos seminaristas residentes nas casas de formação da Arquidiocese de Passo Fundo e das Dioceses de Erechim, Frederico Westphalen, Vacaria e Chapecó/SC.

No primeiro dia, abrindo os trabalhos, Pe. Ivanir Rodighero, coordenador do curso de Bacharelado em Teologia, apresentou aos participantes os objetivos, a metodologia e os desdobramentos da temática a serem abordados pelo assessor. A seguir, o Pe. Jair Carlesso, Diretor da Itepa Faculdades, saudou os presentes, destacando a importância desse estudo para o crescimento e amadurecimento humano e para a definição do projeto de vida pessoal. Concluindo, D. Antonio Carlos Altieri, Arcebispo de Passo Fundo, saudou todos os presentes, desejando-lhes boas vindas, e apresentou o assesssor, Pe. Ronaldo Zacharias, destacando alguns tópicos de seu vasto currículo. Pe. Ronaldo é religioso salesiano, doutor em Teologia Moral, especialista na área da afetividade e sexualidade humana, no momento Reitor do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL). Dom Altieri concluiu reafirmando a preocupação dos Bispos das Dioceses Associadas ao Instituto de Teologia e Pastoral – Itepa com a dimensão afetiva de seminaristas e presbíteros.

Encerrados os atos de abertura do curso, os acadêmicos da Diocese de Frederico Westphalen coordenaram a oração inicial, organizada com os seguintes passos: motivação inicial, canto de aclamação, leitura e reflexões sobre a parábola do Filho Pródigo (Lc 15,11-32). Os atos de abertura foram concluídos com a bênção proferida por Dom Altieri.

Introduzindo o tema e os desdobramentos a serem abordados[1]

Tomando a palavra, o Pe. Ronaldo apresentou-se brevemente e delimitou o enfoque da temática. O trabalho a ser realizado incidiria sobre “A Doutrina Católica sobre Sexualidade”. Enfatizou que não trataria o tema de forma puramente racional e acadêmica porque as dimensões afetiva e sexual humanas não se realizam, unicamente via formação do intelecto. Isto se constitui um forte desafio para as casas de formação, uma vez que, na efetivação de seu papel pedagógico, elas devem, sobretudo, atingir o coração dos formandos.

A seguir referiu-se ao projeto de estudos elaborado pela coordenação do curso de Teologia e pela Direção da Itepa Faculdades, destacando como positivos a estruturação do mesmo e seu caráter processual.

Isto posto reportou-se à forte crise que a Igreja está vivenciando. Segundo ele, não se trata de uma crise de continuidade, mas sim de credibilidade. Pastores e sacerdotes da Igreja não desfrutam, hoje, da credibilidade já vivida em tempos não muito remotos. A Igreja tem dificuldade de acompanhar o desenvolvimento das ciências e de interpretar as transformações sociais. Essas limitações e os escândalos que emergem de seu interior comprometem sua credibilidade.

Junto à crise de credibilidade apresenta-se um novo problema: a crise de identidade. Segundo Bento XVI, os escândalos relacionados aos abusos sexuais que explodiram em várias partes do mundo, envolvendo padres e religiosos, comprometeram séculos de evangelização.

A título de situar-se em relação às concepções dos presentes e verificar seus posicionamentos frente a situações reais, Pe. Ronaldo propôs que, em grupos, fossem analisadas questões concretas relacionadas à sexualidade e a seguir fossem apresentadas no plenário. Atendendo à orientação dada, os participantes reuniram-se em grupos, formados por 5 ou 6 pessoas, analisaram as questões e sistematizaram respostas ancorados em suas concepções. [2]

A doutrina católica sobre sexualidade elaborada no pós Vaticano II

Na segunda parte do turno da manhã do dia 11/6, ou seja, depois do intervalo para descanso, após comentar as sistematizações realizadas, das 10h às 11h30min, com muita competência e habilidade didática, Pe. Ronaldo analisou com os participantes os documentos da Igreja sobre a sexualidade, elaborados no pós-Vaticano II.

  • Depois do Vaticano II, foi preciso aguardar até 1975 para que o Magistério se pronunciasse explicitamente sobre o tema da sexualidade. De 1975 até 2005, são esses os documentos referentes ao assunto: Em 1975 no documento Persona Humana[3], a Congregação para a Doutrina da Fé se pronunciou sobre questões de ética sexual.
  • Entendendo que o amadurecimento da sexualidade exige um perseverante processo pedagógico, em 1º de novembro de 1983, a Congregação para a Educação Católica emitiu o documento intitulado Orientações educativas sobre o amor humano[4].
  • Diante dos desafios que, pastoralmente, se faziam sentir em relação à homossexualidade, em 1986, a Congregação para a Doutrina da Fé encaminhou aos bispos uma Carta da Igreja Católica sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais[5].
  • Em 1992, a Congregação para a Doutrina da Fé voltou a se pronunciar sobre o tema da homossexualidade, num novo documento intitulado Algumas reflexões acerca da resposta a propostas legislativas sobre a não-discriminação das pessoas homossexuais[6]. – Em 1995, foi a vez de o Conselho Pontifício para a Família se manifestar sobre a educação sexual na família, publicando um documento intitulado Sexualidade humana: verdade e significado. Orientações educativas em família[7].
  • Considerando o fato de que vários países começaram a reconhecer a legalização das uniões entre homossexuais, a Congregação da Doutrina da Fé publicou, em 2003, um documento intitulado Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais[8].
  • Retornando sobre as questões referentes à homossexualidade e ao discernimento vocacional, a Congregação para a Educação Católica publicou, em 2005, o documento Instrução sobre os critérios de discernimento vocacional acerca das pessoas com tendências homossexuais e da admissão ao seminário e às ordens sacras[9] que sintetiza as orientações da Igreja sobre a relação da vida seminarística e a homossexualidade, expressa nos termos que segue:

A Igreja, embora respeitando profundamente as pessoas em questão, não pode admitir ao Seminário e às Ordens sacras aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais profundamente radicadas ou apoiam a chamada cultura gay. (…) Estas pessoas encontram-se, de fato, numa situação que obstaculiza gravemente um correto relacionamento com homens e mulheres. De modo algum, se hão de transcurar as consequências negativas que podem derivar da Ordenação de pessoas com tendências homossexuais profundamente radicadas (CDV 8-9). No caso de se tratar de tendências homossexuais que sejam apenas expressão de um problema transitório como, por exemplo, o de uma adolescência ainda não completa, elas devem ser claramente superadas, pelo menos três anos antes da Ordenação diaconal (CDV 10).

  • Finalmente, no Catecismo da Igreja Católica – parte III: A vida em Cristo, dos nº 2331 a 2400 é sintetizado o ensinamento da Igreja Católica sobre a moral sexual[10].

Sexualidade, dimensão constitutiva da identidade do sujeito

Deste momento em diante, com apoio nos registros dos acadêmicos e de professores, são apresentadas as reflexões feitas pelo assessor em relação ao tema tratado no bojo da Doutrina Católica.

Já de início crê-se que é importante destacar que, apesar das divergências próprias dos debates sobre temas complexos, a moral católica no pós Vaticano II reveste-se de novas e surpreendentes conceituações como a que segue:

A sexualidade é uma componente fundamental da personalidade, um modo de ser, de se manifestar, de comunicar com os outros, de sentir, de expressar e de viver o amor humano. Portanto, ela é parte integrante do desenvolvimento da personalidade e do seu processo educativo (OEA 4).

Componente fundamental da personalidade, a sexualidade humana é concebida para além de sua dimensão biológica e genital. Ela manifesta o todo da personalidade, ou seja, é uma dimensão constitutiva da personalidade e caracteriza todas as dimensões da vida da pessoa Reconhece-se, portanto, que a sexualidade é parte integrante da totalidade da pessoa humana e, seu amadurecimento, objeto de um perseverante processo educativo.

Foi chamada a atenção para o fato de que, na  Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais, de 1986, o Cardeal Ratzinger, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, introduziu uma consideração nova em relação à homossexualidade pronunciou-se nestes termos: “é necessário precisar que a particular inclinação da pessoa homossexual, embora não seja em si mesma um pecado, constitui, no entanto, uma tendência, mais ou menos acentuada, para um comportamento intrinsecamente mau do ponto de vista moral. Por este motivo, a própria inclinação deve ser considerada como objetivamente desordenada” (n. 3). Ao mesmo tempo, recomendava que elas devem ser atendidas devidamente, por meio de “uma pastoral para as pessoas homossexuais” (n. 15).

Outro elemento problemático introduzido na reflexão sobre a questão homossexual, foi o conceito de justa discriminação, no documento de 1992. Ao afirmar que “as pessoas homossexuais, como seres humanos, têm os mesmos direitos de todas as pessoas, inclusivamente o direito de não serem tratadas de maneira que ofenda a sua dignidade pessoal” (…) estes direitos não são absolutos. Podem ser legitimamente limitados por motivos de conduta externa desordenada” (12).

Após apresentar uma síntese de cada documento e chamar a atenção para os pontos-chave de cada um, o Pe. Ronaldo, ainda tendo por base os documentos, insistiu sobre o núcleo central da doutrina da Igreja sobre sexualidade, isto é, no fato de que a sexualidade humana só é integrada e elevada e humanizada pelo amor e que o amor, na concepção dos próprios documentos, é sinônimo de abertura e doação ao outro, para estabelecer com ele relações de reciprocidade:

O verdadeiro amor é capacidade de abertura ao próximo numa ajuda generosa, é dedicação ao outro para o bem dele; sabe respeitar a personalidade e a liberdade do outro; não é egoísta, não se procura a si próprio no outro, é oblativo, não possessivo. O instinto sexual, ao contrário, se entregue a si próprio, reduz-se à genitalidade e tende a dominar o outro, procurando imediatamente uma satisfação pessoal (OEA 94).

A humanização e a integração do amor no próprio projeto de vida é resultado de um longo processo pedagógico e de um acompanhamento espiritual que dura a vida toda.

Identidade sexual

A partir das 14h do primeiro dia de curso, 11 de junho, deu-se continuidade às reflexões e aos debates. No primeiro momento, o Pe. Ronaldo partiu do princípio de que não se pode compreender devidamente a identidade da pessoa prescindindo da sua orientação afetivo-sexual.

Por orientação afetivo-sexual entende-se o tipo de atração que a pessoa sente, para onde se orienta o objeto do seu desejo. O objeto do desejo pode se orientar para o diferente. A isso chamamos de orientação heterossexual. Pode se orientar para o igual ou para os dois polos, entendendo-se, respectivamente, como tendência homossexual ou bissexual. O que caracteriza a orientação afetivo-sexual de alguém não é a mera atração, mas a predominância ou exclusividade dela, o que o Magistério chama, por exemplo, de homossexualidade constitutiva (o mesmo vale para a heterossexualidade). Este tipo de atração se difere da transitória ou ocasional, que depende da idade, do contexto, da situação. Segundo o Catecismo, a “homossexualidade designa as relações entre homens e mulheres que sentem atração sexual, exclusiva ou predominante, por pessoas do mesmo sexo” (CIC 2357).

Pergunta chave: como alguém pode saber se é hetero ou homossexual?

Nesse momento, Pe. Ronaldo dialogou com os participantes e os questionou nestes termos: “alguém, aqui presente, em sã consciência, pode dizer que “decidiu” sentir atração por este ou aquele sexo ou que não vai sentir atração por este ou aquele sexo. O silêncio respondeu com mais força do que se se houvessem utilizadas palavras. E continuou: como saber quem me excita; como saber se sou hetero ou homo? “Aquele que faz bater mais forte o coração”, disse uma participante. Tomando a palavra, o Pe. Ronaldo disse que um dos elementos-chave para a compreensão da própria orientação afetivo-sexual são as próprias fantasias sexuais. São elas que excitam, são elas que revelam o objeto do próprio desejo.

À medida que se amadurece, vai-se “descobrindo” o objeto do próprio desejo e, consequentemente, a própria condição hetero ou homossexual. Como se trata de descoberta progressiva, ninguém pode afirmar que a sexualidade é questão de opção. Trata-se de uma “descoberta”. A tendência vai sendo descoberta pelo próprio sujeito. Ninguém opta por ser hetero ou homo. O que qualquer um pode escolher é como ou com quem vai satisfazer o seu desejo. :

É preciso frisar que somente a pessoa sabe se ela é hetero ou homo. Nesse sentido, alguém só sabe se o outro é hetero ou homo se o outro contar. Posso ter diante de mim o protótipo do machão e, não necessariamente, alguém heterossexual. O mesmo acontece com alguém efeminado; pode, não necessariamente, ser homo. Uma mulher toda delicada pode ser homo, assim como uma mais masculinizada, pode ser hetero. Em outras palavras, não é a aparência que revela a orientação afetivo-sexual, mas a auto-revelação do sujeito.

Outro aspecto importante a considerar é que a homossexualidade não se caracteriza pela relação sexual genital, mas pela predominância dos desejos. Embora o Magistério afirme resolutamente que a pessoa homossexual deve ser acolhida, ele afirma, sem hesitação, que “os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados e, em hipótese alguma, podem receber qualquer aprovação” (PH 8) (CIC 2357). A pessoa pode ser homossexual, desde que não tenha relações sexuais com alguém.

Quais as causas da homossexualidade? A resposta a essa questão ainda é um grande ponto de interrogação. O que se tem são suposições ou hipóteses. Seriam as causas genéticas, psicológicas, educativas, culturais? Até o presente as ciências não foram capazes de dar uma resposta definitiva. O que se sabe, ao certo, é que ninguém é capaz de influenciar a orientação afetivo-sexual de outra pessoa e, muito menos, mudá-la. Ninguém deixa, no percurso de sua vida ou por um ato de vontade, de ser hetero ou homossexual. O que muitas vezes pode acontecer é que a pessoa deixe de ter relações sexuais com alguém do mesmo sexo.

Se não se trata de opção por parte da pessoa, se a orientação afetivo-sexual é constitutiva do sujeito e não pode ser mudada, significa que a pessoa tem de se aceitar, assumir sua própria condição e sua identidade, ou seja, reconhecer para si mesma que é hetero ou homossexual e empenhar-se para integrar sua condição ao todo de sua própria pessoa. Ao assumir-se, tanto o hetero quanto o homossexual poderão ter condições de serem felizes e viverem integrados. O contrário, resultaria em grande sofrimento.

No processo de acompanhamento vocacional, acontece, muitas vezes, que as pessoas se escondem e não revelam o que são. Com isso, deixam de trabalhar a integração da própria sexualidade no próprio projeto de vida. Mais tarde, por inúmeras razões, o que não foi trabalhado e integrado, se volta contra a própria pessoa e é nesses momentos em que vêm pra fora duplicidade de comportamento, doenças psicossomáticas, dificuldades de relacionamento e compromisso, etc..

Um participante referiu-se à rigidez e às sanções que incidiram, ao longo da história, sobre a questão da homossexualidade. O próprio homossexual passou a condenar-se ou a viver uma vida dúbia ou mesmo a condenar aqueles que ele considerava como homossexuais. Em alguns casos, a história mostra que pessoas que condenavam outras por elas consideradas homossexuais, mantinham, na clandestinidade, relações homoafetivas. Essa atitude repressiva não se constitui uma maneira de negar a sua própria identidade?

O Pe. Ronaldo não respondeu diretamente à pergunta, mas referiu-se a uma pesquisa feita exclusivamente com homens, a fim de detectar o grau de homofobia em cada um deles. Os candidatos foram divididos em dois grupos, sem que tivessem conhecimento: os que eram homofóbicos e os que não eram. Os pesquisadores colocaram um sensor no pênis dos participantes e lhes deram um álbum de fotografias de relações sexuais envolvendo hetero e homossexuais. Todos os que se diziam homofóbicos, sem exceção, ficaram excitados vendo fotos de mulher com mulher e homem com homem.

Na perspectiva de conduzir a reflexão para a análise de situações reais e, também, para questionar os participantes, o Pe. Ronaldo ilustrou sua exposição com exemplos concretos ou possíveis de serem imaginados. Pediu que cada um se imaginasse recebendo uma cantada de alguém do mesmo sexo e como reagiria. Como ninguém respondeu, ele próprio disse um bom termômetro para avaliar a integração da própria sexualidade estaria no tipo de reação à cantada: se violenta ou agressiva, revela não integração; se serena, não ofensiva e até mesmo bem-humorada, revela integração.

A integração da própria sexualidade no projeto de vida confere uma profunda serenidade à pessoa. Em nenhum momento age humilhando a pessoa que está a sua frente, seja hetero ou homossexual. O respeito à diversidade impede que se humilhe o outro. O fato de tal pessoa não me atrair me dá o direito de humilhá-la? E por que as pessoas não podem manifestar a própria atração sem serem julgadas?

O Pe. Ronaldo chamou a atenção para o fato de que, quanto maior for o apego ao rubricismo litúrgico, ao dogmatismo, à intransigência, à severidade nos juízos, tanto mais temos indícios de uma sexualidade não integrada e até mesmo de uma orientação afetivo-sexual não assumida.

Já que eu só posso saber a orientação afetivo-sexual do outro se ele me disser, como fica a questão de, no processo formativo, alguns formadores obrigarem o formando a se revelar, argumentando que se trata de transparência, honestidade, verdade? Evidentemente que isso não se pode fazer! Invadir a privacidade do sujeito, a todo custo, não é permitido a ninguém, mesmo tendo as melhores intenções. A pressão pode, simplesmente, levar o formando a dizer o que o formador que ouvir, até mesmo por medo de ser convidado a interromper a caminhada se for, de fato, transparente, honesto e verdadeiro. O processo de acompanhamento espiritual deveria, por si mesmo, favorecer a abertura, a transparência, a honestidade, a retidão, a verdade. Se o processo não leva a isso, há indícios de que algo não está bem, tanto da parte do formando quanto da parte do formador.

É importante ter presente que o equilíbrio em termos de sexualidade-afetividade não se constitui privilégio das pessoas heterossexuais. Uma pessoa homossexual também pode ir se equilibrando e integrando a própria sexualidade na sua personalidade e no seu projeto de vida, construindo-se como um bom padre.

A Igreja, na sua condição de mãe, indica que a pessoa com tendência homossexual deve ser acolhida com caridade. Cabe a ela fazer a opção pela continência. E, como para o Magistério, o exercício da sexualidade na sua dimensão de intimidade sexual, só é lícito dentro do matrimônio, a opção pela continência por parte do homossexual é para toda a vida. Reconhecendo a dificuldade de tal condição, o próprio Magistério a chama de cruz a ser carregada pela pessoa homossexual, viver sem sexo a vida toda. Renunciando ao amor eros e vivendo o amor philia e ágape essa pessoa pode galgar os degraus da santidade, pois o amor de Deus sustenta e dá vida e o amor de amizade torna-se um valioso meio para realização de sua vida e para o estabelecimento de relações profundamente construtivas.

Ser realizado é sinônimo de ser sexualmente realizado e não ser realizado significa ser sexualmente frustrado? pergunta o Pe. Ronaldo. Um dos participantes respondeu que a pessoa que se aceita pode se realizar plenamente, embora não tenha contestado o sentido da afirmação, O Pe. Ronaldo afirmou que nem sempre é assim, porque a pessoa precisa integrar a sua condição na sua personalidade e, para muitas pessoas, o exercício do sexo é condição para a própria realização. Em outras palavras, embora a proposta da continência como cruz seja possível, para muitas pessoas não é viável, porque não têm condições de viver sem sexo ou porque não acreditam que devem ser continentes a vida toda. Trata-se de um problema sério a ser considerado, sobretudo pela falta de alternativa às pessoas homossexuais.

Após o intervalo foi destinado um largo tempo para questionamentos advindos dos participantes ou do próprio assessor. Tão logo se reiniciaram os trabalhos, foi levantada por um participante a seguinte questão: “Por que foi afirmado pelo Magistério da Igreja que a pessoa homossexual tem um “que” de perversão?” Fala-se, inclusive, da homossexualidade como doença. O Pe. Ronaldo deixou claro que, após o documento de 1975, nunca mais o Magistério se referiu à condição homossexual como doença e, muito menos, como perversão. Trata-se mais de preconceito atribuído ao Magistério por ignorância dos ensinamentos do que realidade. Nenhum documento sustenta esta afirmação.

Um seminarista referiu-se às confusões que podem se estabelecer sobre as relações de amizade. O Pe. Ronaldo, contemplando a questão, mencionou que, há algum tempo, surgiu uma nova categoria de amigos, os goys. São homens que sentem um amor profundo por outros homens, que se sentem profundamente enamorados por outros homens, mas não querem relação genital. Como se trata de algo novo, deve ser devidamente estudado.

A seguir chamou a atenção dos presentes para uma nova questão. Trata-se da afirmação de que uma amizade entre pessoas do mesmo sexo pode ser entendida como homossexual. Segundo o Pe. Ronaldo, isso pode não ser verdade, pois a experiência de amizade independe da orientação afetivo-sexual da pessoa. Pode ser que pessoas com a mesma tendência sejam mais próximas, por uma série de motivos, até mesmo por uma questão de poder ser o que é sem medo do juízo do outro. Mas isso não é, automaticamente, sinônimo de amizade. A amizade é a vivência do amor que requer reciprocidade, partilha, abertura, transparência; experiência que é condição para a perseverança na vocação por parte daqueles que abraçaram o celibato sacerdotal ou a vida consagrada.

 Finalidades da sexualidade humana

A sexualidade humana orienta-se para duas finalidades: a unitiva e a procriativa. E, segundo os princípios da Doutrina Católica, a relação sexual só é lícita no matrimônio. É o contexto do matrimônio que vai garantir a realização das duas finalidades da sexualidade: a unitiva e a procriativa, finalidades que são inseparáveis.

“As relações íntimas devem-se realizar somente no quadro do matrimónio, porque só então se verifica o nexo inseparável, querido por Deus, entre o significado unitivo e o significado procriativo de tais relações, colocadas na função de conservar, confirmar e expressar uma definitiva comunhão de vida – «uma só carne» –  mediante a realização de um amor «humano», «total», «fiel», «fecundo», isto é o amor conjugal. Por isso, as relações sexuais fora do contexto matrimonial constituem uma desordem grave, porque são expressão reservada a uma realidade que ainda não existe; são uma linguagem que não encontra correspondência na realidade da vida das duas pessoas, ainda não constituídas em comunidade definitiva com o necessário reconhecimento e garantia da sociedade civil e, para os cônjuges católicos, também religiosa”. (OEA 95).

Nesse ínterim surgiram questões referentes aos métodos anticonceptivos artificiais, às relações pré-matrimoniais e homossexuais e à masturbação. O Pe. Ronaldo respondeu às questões a partir da posição do Magistério da Igreja. A Igreja, enquanto Magistério, é contrária aos métodos anticonceptivos porque eles separam artificialmente as duas finalidades do matrimônio, a unitiva e a procriativa. É contrária às relações pré-matrimoniais e homossexuais porque estas estão fora do único contexto lícito que as justifique, o matrimônio heterossexual. É contrária à masturbação porque esta não está ordenada às finalidades do matrimônio[11]. Uma palavra a mais foi dita sobre o assunto: é preciso conhecer as causas que levam a pessoa a se masturbar, distinguir o significado objetivo do ato da responsabilidade subjetiva do sujeito, questionar se a pessoa vive com prazer tudo o que faz, discernir se se trata de ato isolado ou de comportamento obsessivo e considerar que um dos sinais de amadurecimento afetivo-sexual está no distanciamento do autoerotismo e na abertura à relação de reciprocidade com o outro.

Erotismo, Castidade, sacerdócio, celibato e amor

Os trabalhos do dia 12 de junho foram retomados com a celebração Eucarística, presidida pelo Pe. Ronaldo Zacharias. Concluído o ato litúrgico, professores e acadêmicos se dirigiram à sala 01 do Efiteo, acompanhados pelo assessor e pelos membros da Direção da Itepa Faculdades.

Após reiterar a saudação aos presentes, o Pe. Ronaldo solicitou que se levantassem possíveis dúvidas ou questões sobre do trabalho realizado no dia anterior. A abertura dada permitiu questionamentos sobre pornografia, erotismo, fantasias sexuais, sexualidade e mundo virtual, prazer sexual. As respostas dadas foram mais em termos de flashes sobre os assuntos do que aprofundamento dos mesmos, devido à natureza e ao objetivo do curso.

Castidade

O que é castidade? Como defini-la? Segundo o CIC:

A castidade significa a integração correta da sexualidade na pessoa e com isso a unidade interior do homem em seu ser corporal e espiritual […]. A virtude da castidade comporta a integridade da pessoa e a integralidade da doação (2337).
A castidade comporta uma aprendizagem do domínio de si, que é uma pedagogia da liberdade humana (2339) (SHVS 18) […];
o domínio de si mesmo é um trabalho a longo prazo e nunca deve ser considerado definitivamente adquirido (2342) […];
a castidade tem leis de crescimento, o qual passa por graus, marcados pela imperfeição e muitas vezes pelo pecado (2343) […];
a castidade é uma virtude moral e também um dom de Deus, uma graça, um fruto da obra espiritual (2345) […].
O domínio de si mesmo está ordenado para a autodoação (2346) (SHVS 17) […];
a virtude da castidade desabrocha na amizade, que representa um grande bem para todos e conduz à comunhão espiritual (2347).
Todo batizado é chamado à castidade (CIC 2348). Os não casados praticam a castidade na continência.

Castidade não é sinônimo de abstinência, pois a continência se refere ao não uso do sexo para a obtenção do prazer. O celibato, por sua vez, é um estado de vida que se caracteriza pelo fato de a pessoa viver como solteira. Para o Magistério da Igreja, todos os não casados são chamados à continência e à castidade, isto é, ao não uso do sexo e à devida integração da sexualidade no próprio projeto de vida.

Sacerdócio e celibato

O que implica o celibato presbiteral? Implica a renúncia a viver com um/a companheiro/a (viver como solteiro), a renúncia aos atos próprios da conjugalidade (relações sexuais) e a renúncia à paternidade/maternidade biológica (renúncia a se prolongar na espécie). A motivação vocacional é que justifica esse tipo de renúncia.

Na Igreja católica, sacerdócio e celibato andam de mãos dadas. Embora o celibato sacerdotal seja apenas uma norma disciplinar, é preciso considerar que a essência tanto de um quanto do outro é a mesma: doação de si mesmo. O fato de o celibato constituir uma norma disciplinar, não dispensa quem quer abraçar o sacerdócio de comprometer-se com ele. Ao abraçar o sacerdócio, como resposta vocacional, o candidato deve saber que abraça também o compromisso de fidelidade na vivência do celibato. O fato de ele ser uma norma não dispensa quem o abraçou do seu cumprimento. Trata-se de uma questão de coerência: o sujeito quer ser padre numa instituição que exige dele o compromisso do celibato. Não ter condições de assumi-lo ou não querer assumi-lo são elementos importantes no discernimento vocacional. Ao abraçar o sacerdócio deve-se ter clareza deste compromisso. Caso contrário, significa viver uma vida de incoerência e infidelidade.

Amor

Jesus se apresenta como modelo na vivência do amor. Por isso, ele deixou um mandamento novo: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12). “Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais” (Jo 13,15). E seguindo os passos de Jesus, o Apóstolo Paulo lembra que o amor é a base em tudo o que realizamos (1Cor 13,1-13).

O amor, tradicionalmente, é apresentado em três dimensões. Primeiramente, o amor eros: é a busca da realização de si próprio. Manifesta-se na atração recíproca e no encantamento pelo belo. “És bela, minha amada, e não tens um só defeito!” (Ct 4,7). Há também o amor philia: é o amor que se manifesta na amizade, no companheirismo, na convivência. É a relação de comunhão e reciprocidade. “Um amigo fiel é um poderoso refúgio, quem o descobriu encontrou um tesouro. Um amigo fiel não tem preço, é incalculável o seu valor” (Eclo 6,14-15). E, por fim, exigindo uma caminhada e um amadurecimento maior, encontra-se o amor ágape: é a busca da realização e do bem do outro. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Em síntese, podemos dizer que o eros busca o EU; a philia, o NÓS e o ágape, o TU. É claro que se tratam de metáforas para entendermos a grande realidade que chamamos de amor.

Algumas conclusões

No final do terceiro turno de trabalho, dia 12 de junho, o assessor, o Pe. Ronaldo Zacharias teceu algumas considerações finais em forma de síntese.

  1. Sexualidade, orientação sexual e desejo sexual são temas que, em geral, não fazem parte de nosso processo educativo. São tratados em foro íntimo e, consequentemente, vivemos como se fôssemos anjos, sem desejos; e, quando o desejo está à flor da pele, não sabemos o que fazer e com quem falar a respeito dele. Esquecemo-nos, no entanto, de que o desejo sexual entra em nossa vida sem pedir licença. Não é uma questão racional ou de vontade. Ai daqueles que acham que se controlam porque têm vontade férrea. Quando não sabemos o que fazer com o desejo, nós o reprimimos. A repressão é negativa quando feita por força da autoridade ou por medo da censura. A positiva, em vista do sentido mais profundo dado à existência. Quando é positiva, não se volta contra o sujeito; quando é negativa, se mascara para ultrapassar os limites traçados pela autoridade ou pela censura, ou se manifesta por meio de doenças e neuroses. Em geral, optamos pela repressão quando não fomos educados para a integração. Sem a integração, as repressões podem ser prejudiciais. Se não há maturidade, há desintegração.
  2. A capacidade de sair de si mesmo é sinal de maturidade. A formação deve ser feita para que o formando exista em relação ao outro. Sair de si mesmos, dirigir-se para o outro. Mas cuidar para não sair da realidade. Tomar consciência do que acontece ao redor, saber do que acontece em outras esferas. Há padres e seminaristas que não leem jornais, não escutam notícias, não se atualizam sobre o que acontece ao seu redor. Nossa proposta formativa tem favorecido uma atração narcisista, isto é, tem levado os formandos a se preocuparem demasiadamente consigo mesmos. São horas gastas em academia, na frente ao espelho… isso pode indicar falta de doação aos outros. Quando o olhar não está voltado para fora de si mesmo, acaba-se adorando sua própria imagem. A abertura ao outro exige reciprocidade; não pode ser só doação, nem só recepção. Nesse processo de abertura de si mesmo, as relações de amizade são extremamente importantes. As trocas mais verdadeiras são feitas na amizade. As experiências de amizade favorecem a abertura.
  3. Não se pode favorecer uma cultura dentro das casas de formação que impeça a pessoa de ser o que ela é. Caso contrário favorecerá o medo, a hipocrisia. Quando o ambiente não favorece a abertura, acabam formando-se subculturas excludentes, hipócritas, agressivas ou fóbicas. A pessoa deve admitir a própria condição sexual.
  4. A orientação afetivo-sexual não é o problema mais importante nem o critério seletivo prioritário, mas o modo como muitos vivem a própria sexualidade. Há os que vivem de forma incoerente e infiel apelando para a justificativa de que o mais importante é ser discreto quando não se consegue viver o celibato ou o voto de castidade. Há ainda os que alegam que, não se envolvendo com crianças, tudo bem. São racionalizações baratas para justificar desvios de condutas, duplicidade, transgressão, infidelidade.
  5. Não é possível pensar afetividade e sexualidade na formação como propostas de tamanho único, isto é, válidas para todos, sem considerar as condições específicas nas quais cada um se encontra. Justamente porque não sabemos o que propor, acabamos relegando os formandos à solidão.
  6. Um dos critérios de discernimento vocacional está no fato de que à aspiração subjetiva, deve corresponder uma capacidade objetiva do formando. “Querer” ser padre ou religioso não é motivo suficiente; é preciso verificar se a pessoa tem a real condição de assumir os compromissos que tal aspiração implica, no campo da afetividade-sexualidade.
  7. A integração da sexualidade no próprio projeto de vida é condição sine qua non para a realização da pessoa. Sinal de tal integração é a harmonia da sexualidade com as demais dimensões da existência. O excessivo autocontrole é sinal de que algo está errado.
  8. Precisamos aprender a amar como pobre. Implica aceitar não poder dar ao outro aquilo que não mais nos pertence (corpo, sexo). Implica o silêncio de certo tipo de linguagem para expressar o amor (linguagem genital). Amar, como pobre, implica liberdade e autonomia em relação a qualquer tipo de vínculo que impeça de respeitar os limites próprios de um amor que se faz doação.
  9. Somos chamados a superar o perigo de um amor narcisista e perfeccionista. Implica permanecer unido à videira. É impossível viver uma vida de castidade sem uma profunda intimidade com Jesus Cristo. Sem vida de oração não existe castidade. Em outras palavras, se o ramo não permanece unido à videira, não produzirá frutos. Portanto, é a infecundidade que leva à infidelidade.

Desafio urgente: repensar a moral sexual e a moralidade da proposta de vivência sexual

À noite do 11 de julho, das 19 às 22h, o Pe. Ronaldo proferiu uma palestra aberta à comunidade passofundense, intitulada “Desafio urgente: repensar a moral sexual e a moralidade da proposta de vivência sexual”. O auditório Henrique Dussel do Efiteo ficou repleto com pessoas da comunidade acadêmica, religiosos/as e interessados no tema.

Após a oração e apresentação do palestrante feita pelo Prof. Neri Mezadri, coordenador pedagógico do curso de Bacharelado em Teologia, o Pe. Ronaldo, saudando os presentes, tomou a palavra e lançou a seguinte questão: O que entendemos por moral e por ética?

Feitas as devidas distinções, o Pe. Ronaldo disse que usaria o termo moral como sinônimo de ética, visto que as duas ciências têm por objeto o agir humano e, mais especificamente, o juízo de valor sobre o agir humano e ambas podem ser definidas como “processo de humanização”.

Em seguida, o Pe. Ronaldo apresentou alguns elementos que sugerem o repensamento da reflexão moral, sempre aplicando-os a casos concretos. Ei-los:

  1. Da abstinência sexual à humanização das relações sexuais. Segundo o Magistério, quem é solteiro deve viver a abstinência sexual. Mas a realidade concreta das pessoas indica que tal ensinamento não é levado em conta. Não seria hora de insistir mais na humanização das relações do que na observância da norma? Basta considerar, como exemplo, as relações entre casais de segunda união. Insistimos muito no que não podem fazer e pouco na humanização da própria relação.
  2. De respostas cosméticas a propostas realistas. Uma resposta cosmética tem por objetivo apenas tapear uma situação, fazendo de conta que problemas não existem ou que todos se adequam ao que é proposto. Dizer, por exemplo, que não é permitido usar preservativo é uma resposta cosmética, porque na comunidade ou na minha casa tem gente tendo relações sexuais sem se proteger e colocando a vida em perigo. Há um número crescente de adolescentes, mulheres casadas e idosos sendo infectados com o HIV. Como continuar com certos discursos que põem a vida dos outros em perigo porque excluem a possibilidade da prevenção?
  3. Da ilicitude dos comportamentos às disposições interiores. Os comportamentos ilícitos são contrários à norma, mas, para julgá-los é preciso avaliar as disposições interiores. Por exemplo: O que tal pessoa entende por fidelidade? O que significa ser fiel? O que significa ser justo? Ser justo é dar ao outro aquilo que lhe compete. Transmitir um vírus ou uma doença ao outro não é justo porque se introduz na vida dele algo que não lhe compete. O mesmo vale para certos comportamentos que resultam em gravidez: não é justo trazer ao mundo um novo ser sem que este conte com um contexto capaz de acolhê-lo e proporcionar a ele plena realização. Se a pessoa não for educada e não tiver cultivado a disposição de abraçar a fidelidade e a honestidade como valores, pouco nada valem as normas.
  4. De objetos a sujeitos dos discursos. Estamos com uma dívida muito grande com as pessoas, porque não respeitamos o direito delas de tornarem-se sujeito. Todas são colocadas no mesmo esquema em relação à sexualidade e ao sexo. É fundamental que nos preocupemos no sentido de proporcionar condições para que elas se tornem sujeitos do discurso. Enquanto “se fala delas”, elas continuam sendo objetos. Inversamente, quando elas participam do debate a partir da experiência própria tornam-se sujeitos. É diferente, por exemplo, falar sobre o homossexual e dar voz a Paulo e João, Maria e Ana.
  5. Da proibição a medidas apropriadas de proteção. Temos sempre de propor ideais às pessoas. Mas ao fazer isso, temos de ter consciência de que propomos ideais para pessoas que vivem nesta concreta situação histórica e, muitas vezes, não podem ou não conseguem abraçar o ideal que lhes é proposto. O ideal seria que as pessoas tivessem relações de intimidade em contextos caracterizados por uma comunhão definitiva de vida e de amor. Mas não é isso que acontece. Proibi-las de se prevenir (em relação a doenças e a filhos) pode não ser a atitude mais adequada para “essas” pessoas “nessas” situações concretas. Em outras palavras, medidas apropriadas têm de ser apropriadas para o sujeito em questão.
  6. Do mais humano ao menos desumano. Há situações concretas, como por exemplo, a de pessoas envolvidas na prostituição, em que é quase que impossível propor o ideal, o que seria mais humano para essas pessoas. Contentar-se com o menos desumano pode ser uma “solução” adequada ao momento em que se vive. O fato de a pessoa não poder abraçar o ideal não significa que todo o esforço que faz para buscar o que é menos desumano, não tenha valor moral. Infelizmente, fomos acostumados a pensar a moral em termos de tudo ou nada e isso precisa ser superado. Se uma mulher envolvida na prostituição não abrir mão da prevenção, nem mesmo por mais dinheiro, já é algo bom, uma espécie de primeiro passo rumo à humanização.
  7. Do tudo ou nada à gradualidade. Joao Paulo II introduziu uma distinção muito útil para o juízo moral: gradualidade da lei e lei da gradualidade. Para ele não existe “gradualidade da lei”, visto que esta não muda. No entanto, existe a “lei da gradualidade”, isto é, deve-se respeitar os passos que a pessoa pode dar numa determinação situação concreta ou fase na qual se encontra para viver o ideal e a norma proposta. Exemplo: pode ser que o rapaz não consiga, de repente, deixar de se masturbar. Objetivamente, o que ele faz não vai mudar de nome. Mas posso ajudá-lo a compreender que deve dar passos para evitar a masturbação. O fato de que os passos sejam gradativos não diminui a validade moral do esforço feito.
  8. Da mera adesão à norma à pluralidade de expressões de santidade. Praticar a norma não é sinônimo de bondade moral da ação. A prática da norma pode ser presunçosa, arrogante, formal, coerciva. A mera prática da norma não significa qualidade da relação, por exemplo. O que de fato conta, é reconhecer a autonomia do sujeito em dar os passos que pode dar para acolher na própria vida as exigências do Reino. A santidade não é o ponto de partida para ser destinatário das promessas do Reino. Pelo contrário, é a abertura a tais promessas que torna a pessoa santa.

Todos esses elementos indicam que temos um grande desafio pela frente: repensar a questão moral e até mesmo a moralidade de muitas propostas que fazemos às pessoas, impondo a elas fardos mais pesados do que podem carregar.

Parecer

Certamente, quando os participantes desse curso receberem este relatório, terão a clara percepção de que aqui estão ausentes elementos importantes que, em paralelo com a profundidade das abordagens, coadjuvaram para promover a satisfação plena dos que participaram desse evento pedagógico/pastoral. Destes, vale aqui destacar a serenidade e amabilidade do Pe. Ronaldo, a abrangência e suavidade de sua competência, alicerçada no seu profundo conhecimento sobre o tema, na exímia habilidade de se fazer compreender por todos e pela sua terna sensibilidade e humildade ao se colocar frente ao outro ou aos outros. O diálogo respeitoso, a escuta silenciosa, acima de qualquer outro argumento, confirmam a importância e a seriedade que cada um dos participantes atribuiu a este estudo.

Neste final de manhã, junto com as merecidas palmas e na expectativa de uma tarde esportiva gloriosa para os brasileiros, desmentida quase no topo de vitória, reafirmamos que, se por um lado, os princípios doutrinários e científicos aqui semeados serão seguras bússolas na travessia e fortes indicativos de direção do modo de construção de nossa humanidade, por outro, o testemunho do padre-educador permanecerá sempre como herança incorruptível, guardada no recôndito mais profundo do nosso coração, impulsionando-nos, constantemente, na busca de um modo de ser que, advindo da “práxis”, ou seja, da relação teoria-prática, nos realizará como seres felizes, solidários, criativos e inventores de um modo de ser presbiteral “inédito (mas) viável”.

Referências bibliográficas

Documentos pontifícios

29/12/75 Persona humana. Sobre questões de Ética Sexual. Congregação para a Doutrina da Fé.

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19751229_persona-humana_po.html

01/11/83 Orientações educativas sobre o amor humano. Congregação para a Educação Católica.

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccatheduc/documents/rc_con_ccatheduc_doc_19831101_sexual-education_po.html

01/10/86 Carta aos bispos da Igreja Católica sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais. Congregação para a Doutrina da Fé.

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19861001_homosexual-persons_po.html

09/08/92 Algumas reflexões acerca da resposta a propostas legislativas sobre a não-discriminação das pessoas homossexuais. Congregação para a Doutrina da Fé.

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19920724_homosexual-persons_po.html

08/12/95 Sexualidade humana: verdade e significado. Orientações educativas em família. Conselho Pontifício para a Família.

http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/family/documents/rc_pc_family_doc_08121995_human-sexuality_po.html

03/06/03 Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais. Congregação para a Doutrina da Fé.

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20030731_homosexual-unions_po.html

04/11/05 Instrução sobre os critérios de discernimento vocacional acerca das pessoas com tendências homossexuais e da admissão ao seminário e às ordens sacras. Congregação para a Educação Católica.

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccatheduc/documents/rc_con_ccatheduc_doc_20051104_istruzione_po.html

Catecismo da Igreja Católica (Parte III: A vida em Cristo, n. 1691-2557).

http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/prima-pagina-cic_po.html

Moral sexual

Bibliografia básica

GENOVESI, V. J. Em busca do amor. Moralidade católica e sexualidade humana. São Paulo: Loyola, 2008.

JOÃO PAULO II. Homem e mulher o criou: catequeses sobre o amor humano. Bauru: EDUSC, 2005.

JUNG, Patricia B.; CORAY, Joseph Andrew (orgs). Diversidade sexual e catolicismo: para o desenvolvimento da teologia moral. São Paulo: Loyola, 2005.

LÓPEZ AZPITARTE, Eduardo. Ética da sexualidade e do matrimônio. São Paulo: Paulus, 1997. (Nova práxis cristã).

MOSER, Antônio. O enigma da esfinge: a sexualidade. Petrópolis: Vozes, 2001.

SALMAN, Todd A.; LAWLER, Michael G. A pessoa sexual. Por uma antropologia católica renovada. São Leopoldo: UNISINOS, 2012.

VIDAL, Marciano. Ética da sexualidade. São Paulo: Loyola, 2002.

Bibliografia complementar

DURAND, Guy. Sexualidade e fé: síntese de teologia moral. São Paulo: Loyola, 1989.

FORCANO, Bejamin. Nova ética sexual. São Paulo: Musa, 1996.

GATTI, Guido. Moral sexual: educação ao amor. São Paulo: Salesiana, 1985.

LÓPEZ, Félix; FUERTES, Antonio. Para entender a sexualidade. São Paulo: Loyola, 1992.

MOSER, Antonio. Casado ou solteiro, você pode ser feliz. Petrópolis: Vozes, 2006.

OLIVEIRA, José Lisboa M. de. Acompanhamento de vocações homossexuais. São Paulo: Paulus, 2007 (Comunidade e missão).

VIDAL, Marciano. Sexualidade e condição homossexual na moral cristã. História e atualização. Aparecida: Santuário, 2008.

 

Outros

DIEHL, A.; VIEIRA, D. L. (Orgs.) Sexualidade: do prazer ao sofrer. São Paulo: Roca, 2013.

GONÇALVES, A. C. C.; RIBEIRO, M.; ZACHARIAS, R. Olhando para o futuro: educação e prevenção em saúde sexual. In: DIEHL, A.; VIEIRA, D. L. (Orgs.) Sexualidade: do prazer ao sofrer. São Paulo: Roca, 2013, p. 661-691.

ZACHARIAS, R. De uma crise sem precedentes aos precedentes de muitas crises. A urgência de uma nova compreensão da sexualidade. In: PASSOS, J. D.; SOARES, A. F. (Orgs.). Francisco: renasce a esperança. São Paulo: Paulinas, 2013, p. 58-70.

 

Notas

[1] A título de esclarecimento, informa-se que o presente relatório foi realizado com base em três fontes: as digitalizações dos acadêmicos e os registros manuscritos de dois professores. Por essa razão, ainda que se tenha procurado manter rigorosa atenção sobre os conteúdos, a linguagem do texto é de responsabilidade da relatora e, em diversas partes, não seguirá a sequência das apresentações do Pe. Ronaldo Zacharias.

[2] Questões propostas:

  • Quais são as crises que se enfrenta na dimensão da sex. e que atingem especialmente religiosos e padres?
  • Quais são as dificuldades para viver o celibato e a castidade?
  • O celibato e a castidade atraem as pessoas hoje?
  • Há quem afirme que os sem. estão se tornando um reduto de homossexuais! O que vocês têm a dizer disso?
  • Um sem. diz que gostaria de ser padre, mas sabe que não vai conseguir viver sem uma parceira. O que fazer?
  • Um seminarista da teologia é maluco por vestes litúrgicas. O que dizer disso? Um religioso tem tendências afeminadas, mas acha que com esforço conseguirá superar. O que fazer? Há quem afirme que os seminários estão se tornando um reduto de homossexuais! O que vocês têm a dizer disso?
  • Um seminarista diz que gostaria de ser padre, mas sabe que não vai conseguir viver sem uma parceira. O que fazer?
  • Um seminarista da teologia é maluco por vestes litúrgicas. O que dizer disso? Um religioso tem tendências afeminadas, mas acha que com esforço conseguirá superar. O que fazer?

[3] 29/12/75 – Persona humana. Sobre questões de Ética Sexual. Congregação para a Doutrina da Fé. http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19751229_persona-humana_po.html

[4] 01/11/83 – Orientações educativas sobre o amor humano. Congregação para a Educação Católica. http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccatheduc/documents/rc_con_ccatheduc_doc_19831101_sexual-education_po.html

[5] 01/10/86 – Carta aos bispos da Igreja Católica sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais. Congregação para a Doutrina da Fé.

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19861001_homosexual-persons_po.html

[6] 09/08/92 – Algumas reflexões acerca da resposta a propostas legislativas sobre a não-discriminação das pessoas homossexuais. Congregação para a Doutrina da Fé.

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19920724_homosexual-persons_po.html

[7] 08/12/95 – Sexualidade humana: verdade e significado. Orientações educativas em família. Conselho Pontifício para a Família. http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/family/documents/rc_pc_family_doc_08121995_human-sexuality_po.html

[8] 03/06/03 – Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais. Congregação para a Doutrina da Fé.

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20030731_homosexual-unions_po.html

[9] 04/11/05 – Instrução sobre os critérios de discernimento vocacional acerca das pessoas com tendências homossexuais e da admissão ao seminário e às ordens sacras. Congregação para a Educação Católica.http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccatheduc/documents/rc_con_ccatheduc_doc_20051104_istruzione_po.html

[10] Síntese do ensinamento moral católico: Catecismo da Igreja Católica – Parte III: A vida em Cristo, nos. 1691-2557) http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/prima-pagina-cic_po.html

[11] Segundo o magistério da Igreja, “por masturbação se deve entender a excitação voluntária dos órgãos genitais a fim de conseguir um prazer venéreo (CIC 2352). Conforme a doutrina católica, constitui uma “grave desordem moral”, pois contradiz essencialmente a finalidade do matrimônio, não estando a serviço do amor e da vida conforme o plano de Deus (OEA 99-100; CIC 2352).